Por Carlos Machado (*)
Em entrevista recente, o presidente da Cemig afirmou que a pretendida transformação da Companhia em corporação, com perda de controle acionário por parte do estado (privatização), e seguindo o modelo adotado na Eletrobras, reduziria a participação do estado no controle da empresa a 17%. Esse seria o “legado estrutural” da gestão privatista, supostamente necessário para a modernização da empresa, para garantir a renovação das renovações das usinas de Emborcação, Nova Ponte e Sá Carvalho, para dar mais agilidade de operação e para enfrentar os desafios relacionados à sustentabilidade.
O argumento não apenas é falso, como deve ser lido exatamente ao contrário: a entrega do controle acionário, com a retirada da empresa da esfera de decisão pública (incluindo a esfera do legislativo estadual), é lesiva aos interesses da sociedade e da economia mineiras.
Se a Cemig for privatizada, a quais interesses estará subordinada? Tomando-se como exemplo o caso recente da Eletrobras, basta dizer que, após a privatização, o maior acionista preferencial da nova “corporation” passou a ser o fundo 3G Radar, que tem como acionistas Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrman Telles e Carlos Alberto Sicupira, os mesmos acionistas das Lojas Americanas, envolvidos recentemente num dos maiores escândalos financeiros da história corporativa brasileira. O modelo de gestão implementado por Lemman em suas empresas se baseia em rebaixamento de salários, imposição de metas ambiciosas, ambientes insalubres, busca de produtividade por meio de pressão, assédio e humilhação. Suas empresas são alvos de processos ou investigações sobre corrupção, pagamento de propina, sonegação fiscal, dumping social, assédio moral e graves abusos trabalhistas. Além das Americanas, Lemann e seus sócios quebraram também a tradicional fabricante de alimentos Kraft-Heinz, adquirida nos últimos anos (vale a pena ler a matéria neste site: “O caso Americanas, a fraude da meritocracia e os perigos da privatização”).
Na Eletrobras, o Coletivo Nacional dos Eletricitários denuncia que o falido método 3G de gestão já está sendo aplicado: “o tal Orçamento Base Zero, uma fórmula perfeita de destruir empresas, cortando custos e desmontando a memória técnica e a capacidade de inovação. Parte do pacote que eles maquiam com nomes como “downsize” e “turnaround”.
A permanência do controle público da Cemig, por outro lado, é a única garantia de que a empresa continue forte, integrada e capaz de vencer os desafios do futuro. É a Cemig integrada e com controle estatal “a única empresa do setor elétrico fora da Europa a fazer parte do índice Dow Jones de Sustentabilidade e de forma consecutiva há 23 anos”. É esta mesma companhia que obteve, no início de 2023, “a melhor classificação no Carbon Clean200™, ranking global anual que lista as 200 empresas de capital aberto que lideram iniciativas de soluções de transição para um futuro de energia limpa”, com a “honrosa 37ª posição na classificação geral”. É a Cemig integrada e com controle estatal que atualmente possui uma “baixa alavancagem financeira”, “que permite à companhia viabilizar a implementação do seu programa de investimentos e manter sua qualidade de crédito, com acesso ao mercado de capitais”, e cujo processo de renovação das concessões já se inicia em 2023 (conforme o Relatório da Administração 2022). É esta mesma empresa estatal a responsável por um programa de investimentos de R$ 42 bilhões entre 2023 e 2027, pela construção de 200 subestações, construção e conversão de 30.000 km de redes trifásicas em todo o estado, pela ampliação e diversificação da sua matriz energética com fontes renováveis (conforme se lê no site da Companhia).
A Cemig é esta empresa da qual nos orgulhamos porque “esse trem é nosso” e porque é uma empresa que escapou da fragmentação ocorrida após as privatizações do setor elétrico ocorridas na década de 1990. Permaneceu como uma grande empresa integrada – dominando a capacidade técnica em geração, transmissão e distribuição de energia em quase todo o território estadual. Se privatizada, seu futuro é incerto. Estaríamos à mercê de uma lógica de obtenção de ganhos de curto prazo que não interessa à sociedade mineira.
Carlos Machado é economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) na subseção Sindieletro-MG