Um clima de insatisfação e desconfiança se instalou em parte do quadro de funcionários da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). O alvo das queixas são as críticas públicas feitas pelo governador Romeu Zema (Novo) e pelo atual presidente da elétrica, CledorvinoBelini, aos serviços prestados pela empresa.
Funcionários ouvidos pela reportagem dizem que as críticas têm provocado descontentamento em vários níveis: de eletricistas até gerentes e superintendentes. Em grupos de whatsapp, alguns chegam a questionar se Belini não feriu o código de ética da Cemig ao criticar a empresa em uma rede social. O Sindicato dos Eletricitários (Sindieletro) avalia se cabe uma representação contra ele. Zema defende desde a campanha eleitoral de 2018 a privatização da companhia e tem dito que planeja levar à Assembleia Legislativa projeto propondo a venda.
Pela Constituição mineira, além do aval dos deputados, a venda da Cemig precisa também passar por um referendo popular. Uma sondagem encomendada pela Associação Mineira de Municípios e realizada em fins de setembro pela MDA Pesquis a apontou que 47,7% da população era contrária à venda da empresa.
Para reforçar seu argumento e criar um ambiente entre os mineiros favorável à privatização, Zema tem insistido em pronunciamentos, postagens e em entrevistas que, por falta de investimentos no passado, a empresa não consegue prestar bons serviços, que demora em fazer novas ligações e que muitas empresas clientes não conseguem produzir o quanto poderiam por dificuldade em obter energia. Num vídeo postado na terça-feira em suas redes, Zema aparece ao lado de dois empresários que têm negócios na cidade de Patos de Minas. O governador afirma que eles usam geradores porque não conseguem obter da Cemig energia elétrica suficiente. Na legenda do vídeo, a mensagem do governador: “Mais uma vez mostro como a falta de investimentos e sucateamento da Cemig está prejudicando quem quer gerar emprego e renda para os mineiros. Não podemos ficar alheios à realidade, e a privatização é o único caminho para que a Cemig receba novos investimento e facilite a vida de produtores e empresários”.
O Estado de Minas Gerais é o acionista controlador da empresa, que tem parte de suas ações negociadas em bolsa. Minas está há alguns anos mergulhada em uma crise fiscal e não tem caixa para fazer aportes necessários para melhorar a estrutura da empresa. Na semana passada, Zema voltou a atacar, ao lado de Belini: “Durante muitos anos, a Cemig não fez os investimentos necessários e hoje em certas regiões falta luz e, além de faltar luz, tem picos constantes de energia”, disse, em novo vídeo. “Ou seja, não consegue atrair o desenvolvimento econômico de Minas. Sem energia não acontece nada.”
Belini acrescenta que a Cemig não tem o suficiente para investir nela mesma. No vídeo, ambos afirmam que a privatização é o melhor caminho. Além de melhor atendimento, Zema afirma que as tarifas, no médio e longo prazos, poderão reduzir. Momentos depois de ter ido ao ar, o depoimento do executivo e do governador estava correndo pelos grupos de whatsapp dos funcionários da companhia. “Aqui está uma revolta geral” disse ao Valor um funcionário da Cemig que pediu para não ter seu nome mencionado. Segundo ele, muitos funcionários estão se sentindo atacados e humilhados com as críticas públicas de Zema e Belini. Outro funcionário afirmou que há uma sensação de perplexidade e revolta contra Zema cada vez que ele faz um comentário desabonador sobre a empresa. O funcionário disse que não se lembra de algum governador que aparecesse em público fazendo comentários desse tipo sobre Cemig.
Outro funcionário disse que foi um alívio o governador não ter participado da abertura da 25ª edição do Seminário de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (SNPTEE), ocorrido em Belo Horizonte. O temor, segundo afirmou, era que diante de executivos do setor Zema desfiasse críticas aos serviços da empresa. Ao olhar os indicadores técnicos reunidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as críticas do governador parecem fazer sentido. No ano passado, a Cemig ficou na 20ª colocação entre 30 distribuidoras brasileiras com mais de 400 mil consumidores, no ranking de desempenho global de continuidade do serviço de energia. Mas ao olhar o índice de satisfação do consumidor (Iasc), também medido pela Aneel, Zema parece estar exagerando na dose. Em 2018, o último disponível, a Cemig obteve nota de satisfação de 68,41 - acima da média do país (66,10) e da média do grupo de concessionárias do Sudeste com mais de 400 mil unidades consumidoras (65,62). A Cemig aparece como a quinta melhor no grupo de dez distribuidoras do Sudeste nesse perfil.
A melhor é a Energisa Sul Sudeste (70,72). A nota da Cemig em 2018 foi o melhor o resultado da companhia desde 2014 (68,75). Nos corredores da sede da companhia em Belo Horizonte há um reconhecimento de que, sim, existem gargalos, que existem casos de atrasos no atendimento, que em anos anteriores a empresa não investiu tanto quanto precisaria e que durante muito tempo as indicações políticas para cargos na empresa foram a regra. Mas parte dos funcionários parece se sentir atacada profissionalmente pelo governador e pelo CEO da empresa.
Belini é um executivo experiente que fez carreira no comando da Fiat na América Latina. Embora sem atuação anterior no setor elétrico, sua gestão tem recebido elogios por parte do corpo de trabalhadores. Mas seu comentário no vídeo causou mal estar em seus comandados. Funcionários passaram a trocar por meio de whatsapp cópias da “Declaração de Princípios Éticos e Código de Conduta Profissional”, apontando que Belini o infringiu. Um dos itens do capítulo sobre “Proteção da imagem, da marca, da reputação e do patrimônio” estabelece ao funcionário: “não divulgar ou comentar, seja para a imprensa ou em redes sociais, informações que possam denegrir a imagem da Empresa”. No mesmo capítulo, outro item diz: “não expor de forma negativa seus colegas de trabalho ou a Empresa”.
De acordo com um relato ouvido pela reportagem, na empresa já há uma preocupação da equipe de recursos humanos para que a relação de comando de Belini com os funcionários não seja contaminada pelo ambiente de descontentamento provocado pelas críticas. “Estamos avaliando os possíveis impactos da fala do presidente diante do que diz o código de ética. E ver se cabe interpelação judicial, se cabe levar o assunto ao Ministério Público ou outro caminho”, diz Jefferson Silva, coordenador geral do Sindieletro, sindicato que reúne trabalhadores da Cemig. O diretor de comunicação da empresa, Marco Antônio Lage, nega ter havido infração ao código. “Não houve qualquer desacordo com o código de ética da Cemig. O presidente apenas respondeu às reclamações dos clientes e apontou uma fragilidade da companhia, proveniente do mau desempenho em governos anteriores”, disse ao Valor, em nota. “É natural que o tema privatização cause inquietação entre os empregados, mas o debate está colocado, não só em Minas, como em todo o país, em diversas áreas da economia onde o Estado tinha atuação histórica. É preciso enfrentar essa discussão com serenidade e maturidade”, afirmou.
“O que importa, antes de se saber quem será seu acionista controlador, é que ela volte a ser eficiente para melhor atender seus 8,5 milhões de clientes e para promover o desenvolvimento do Estado.” Lage diz que sob a atual gestão não há mais ingerências políticas na empresa e que esta nova realidade é reconhecida pelos empregados da Cemig. O governador ainda não enviou para a Assembleia o projeto para vender a Cemig. Aguarda que, primeiro, os deputados aprovem outros temas prioritários. “Vejo que hoje a Assembleia está dividida em relação à privatização da Cemig”, diz o deputado estadual Guilherme da Cunha (Novo), mesmo partido de Zema. O assunto não está ainda no dia a dia de debates da Casa.
Fonte: Valor Econõmico, colaborou Rodrigo Polito, do Rio