“Isso [opressão contra a mulher] que a gente poderia chamar meio que instinto natural do ser humano”. “Para a mulher que separa, fica sendo uma obsessão da vida dela destruir o ex-cônjuge”. Essas frases foram ditas publicamente pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em 2020 e 2021, respectivamente.
Passados quase quatro anos de gestão, o balanço é preocupante. Às vésperas do Dia Internacional das Mulheres, lideranças afirmam que o descaso de Zema com a pauta não ficou apenas no discurso, mas reverberou em ações práticas.
Para a deputada estadual e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Ana Paula Siqueira (Rede), uma das medidas do governo que impactam negativamente a vida das mulheres foi a aprovação da reforma da Previdência estadual.
“São as mulheres as mais afetadas pelo retrocesso que é a Reforma da Previdência, por exemplo, o aumento do tempo de serviço”, afirma a deputada. Sancionada por Zema em setembro de 2020, a Lei Complementar (LC) 156 estabeleceu novas regras para a Previdência estadual, que inclui também o aumento da idade para aposentadoria.
Ainda segundo Ana Paula, o Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais (CEM), cujo objetivo é fomentar políticas públicas a favor das mulheres, ficou paralisado nos últimos anos. “É um grave problema porque o conselho é o espaço de fiscalização das políticas públicas e do direcionamento do recurso para essas políticas”, argumenta a deputada.
Violência
Para a pesquisadora e integrante da Frente Brasil Popular Bruna Camilo, as consequências da falta de políticas públicas para as mulheres são visíveis, sobretudo no aumento da violência de gênero. “Definitivamente, as mulheres não são prioridade para o governo Zema. A gente não vê mais propagandas que incentivam a proteção das mulheres, que falam sobre violência doméstica, que falam sobre outras formas de violência”, explica.
Segundo dados da Polícia Civil de Minas Gerais, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, quase 450 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica em Minas Gerais. Bruna acredita que, na realidade, esse número pode ser ainda maior.
Pobreza
Um estudo realizado pelo Observatório das Desigualdades da Fundação João Pinheiro demonstrou que o aumento da pobreza marcou os últimos anos. Em nota técnica, o Observatório divulgou que, em Minas Gerais, a renda domiciliar per capita em 2019 era de R$ 1.330, caindo para R$1.289 em novembro de 2020. O estudo demonstrou ainda que é sobre as mulheres negras a maior incidência da pobreza.
Para a vereadora de Contagem Moara Sabóia (PT), enfrentar esse cenário exige um olhar amplo sobre a política. “Política para as mulheres, não é política para um setor da sociedade. É política para a maioria. As famílias que mais empobreceram em Minas Gerais são chefiadas por mulheres, a maioria, negra”, explica.
A vereadora acredita que o aumento da pobreza na vida das mulheres tem relação com a política geral aplicada pelo governo estadual no que diz respeito à geração de emprego, saúde e educação. “Você pode chegar em cada uma das cidades afetadas pela política de Zema com a mineração, por exemplo, e você verá que quem está se responsabilizando pela reconstrução da cidade são as mulheres”, completa.
Mulheres na política
Em muitos casos, são os espaços institucionais que definem as políticas que irão impactar positiva ou negativamente a vida das mulheres. Em toda a história da ALMG, apenas 30 mulheres foram eleitas para o cargo. Após as eleições de 2018, das 77 cadeiras disponíveis na Casa legislativa, apenas 10 foram ocupadas por mulheres.
Ana Paula acredita que para mudar esse cenário é preciso incentivo. “Criamos também, recentemente, a bancada feminina que é um instrumento legislativo para dar mais voz às mulheres e, consequentemente, ajudar a gente a interferir mais nos processos políticos, com um olhar para as nossas mulheres”, explica.
Sobre a pouca representação das mulheres em espaços de poder, Moara acredita que, além de não promover iniciativas para mudar essa situação, a postura do governador reforça a desigualdade de gênero na política.
Ela cita o dia 8 de março de 2021, quando o governo de Minas, em parceria com a Embaixada Americana, lançou o programa TransformAction, iniciativa de capacitação profissional para mulheres. Dentre os cursos disponibilizados, estavam assistência administrativa, culinária, maquiagem e cabelereira.
“Novamente, o governo deu o recado de qual é o lugar das mulheres para ele. Tem problema com os cursos? Não. Mas as mulheres podem ter outras profissões. As mulheres podem fazer outras coisas que não seja estar no lugar do cuidado”, argumenta a vereadora.
Fonte: Brasil de Fato (BH), por Ana Carolina Vasconcelos, foto de Alba Martinez