Com previsão de votação para esta quarta-feira (16) no plenário do Senado, a proposta que retira o capital acionário da Eletrobras das mãos da União, abrindo caminho para a privatização da estatal, enfrenta um cenário movediço em meio ao jogo político da Casa.
Apresentado pelo governo Bolsonaro em fevereiro deste ano, o texto tramita como Medida Provisória (MP) 1031 e caduca na próxima terça (22).
Caso não seja votado e aprovado até lá, perderá a validade. A MP já recebeu o aval da Câmara, mas, em caso de alteração da proposta pelo Senado, precisará de uma nova análise dos deputados.
Enquanto governistas correm contra o tempo para tentar agilizar a votação, a oposição segue em vigília e busca convencer parlamentares indecisos. O grupo conta, para isso, com o coro de entidades civis que bradam contra a MP e pressionam os senadores nas suas bases estaduais.
A proposta é impopular entre setores populares especialmente porque aponta para o aumento da conta de energia no país. O temor é recorrente não só entre grupos populares e especialistas, mas também está na ponta da língua de atores do setor produtivo.
A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), por exemplo, estima uma inflação de até 20% na conta em caso de privatização da Eletrobras. A entidade reúne mais de 50 grupos empresariais que, juntos, respondem por quase 40% do consumo industrial de energia elétrica do país.
Trabalhadores da estatal também se organizam e lançaram, na terça (15), uma greve prevista para durar 72 horas. De acordo com o Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal, houve adesão de 70% da categoria ao movimento.
Outros elementos da conjuntura política ajudam a desenhar o cenário de incertezas em relação à votação da MP. Com a crise hídrica histórica que o país enfrenta e a projeção de aumento na conta de energia, a votação da proposta tende a ter a conjuntura balançada até o momento final de apreciação do texto pelo plenário do Senado.
Uma pesquisa feita pela consultoria BMJ identificou que 33 senadores seriam hoje contrários à proposta, enquanto 31 se mostram favoráveis ao texto e 17 estariam com posicionamento ainda indefinido.
O raio-x deste último grupo é de difícil detalhamento porque, no jogo legislativo, é comum que parlamentares se digam duvidosos em relação a determinadas pautas para ampliar o poder de barganha junto ao governo, de onde saem emendas, cargos e outros agrados políticos.
Outros se mostram ideologicamente avessos à ideia de venda da Eletrobras, como é o caso da oposição, grupo minoritário da Casa.
Para o analista político Leonel Cupertino, que acompanha de perto as movimentações do Congresso Nacional, apesar do curto prazo antes do vencimento da MP, o governo ainda pode obter os apoios necessários para abrir o sinal verde para o texto.
O passado recente da gestão, bem como de outros governos, com diferentes MPs aprovadas em vias de vencimento, ajudaria a fazer a projeção.
“Se os líderes partidários do Senado não chegarem a um acordo, é possível que o governo de alguma forma tente acelerar as coisas, contando com a sua base mais fiel, que não é exatamente a maioria da Casa”, pontua.
“A maioria hoje é formada por parlamentares que compõem condicionalmente o apoio ao governo, ou seja, não é aquela base consistente que vota com ele em todas as matérias, por isso é necessária uma negociação um pouco maior", acrescenta Cupertino.
"Mas o Senado é uma casa de acordos por princípio e o acordo costuma vir, mesmo que aos 45 segundos do segundo tempo”, ressalta.
Nos bastidores, uma das possibilidades vislumbradas com o cenário diz respeito à chance de eventual votação da MP na quinta (17), o que daria à Câmara um prazo de alguns dias para articular a nova apreciação do texto.
Relatório
Governista fiel, o relator da MP, senador Marcos Rogério (DEM-RO), se articula paralelamente em conjunto com o relator da medida na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA), para tentar construir um consenso que permita a rápida avaliação do texto antes do vencimento.
A estratégia passa necessariamente pelo acolhimento de emendas (pedidos de alteração no conteúdo) apresentadas pelos parlamentares. Ao todo, a MP recebeu 582 sugestões dessa natureza. Segundo afirmou Elmar nesta terça, a maior parte dos pedidos será aproveitada.
“Neste momento, o esforço é em ouvir o conjunto dos senadores, colher as suas sugestões, as suas emendas para formar um relatório que represente um ponto mínimo de convergência”, reforçou Marcos Rogério, ao mencionar que pretende conservar a essência do texto chancelado anteriormente pela Câmara.
Em outra ponta da teia de atores que orbitam em torno da Eletrobras, o mercado também reage ao tema. A estatal obteve lucro líquido de R$ 1,6 bilhão no primeiro trimestre deste ano, o que faz com que a companhia seja cortejada por empresas estrangeiras interessadas em avançar sobre a exploração do serviço de energia no país, que vive um cenário de privatizações no setor desde as últimas décadas.
“Há uma pressão muito violenta no mercado, até porque não estão privatizando uma empresa qualquer. É um ativo estratégico, lucrativo. Aliás, nenhuma das empresas que estão em processo de privatização é deficitária – nem mesmo os Correios, que vêm sendo sucateados há algum tempo –, por isso o mercado faz uma pressão violenta. Acredito que por isso eles podem conseguir votar mesmo a MP esta semana”, avalia o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Em uma via política, há, entre os parlamentares, os que acreditam que uma eventual derrota do texto da MP no plenário do Senado possa representar um amargo sinalizador para a gestão Bolsonaro. Foi o que sugeriu na terça (15) a senadora Simone Tebet (MDB-MS), em entrevista ao portal Poder 360. Ela pontuou, no entanto, que acredita que o governo consegue fazer a MP avançar no Senado.
“Eu acho que por muito pouco, mas eu acho que o governo é capaz de conseguir, porque agora é o tudo ou o nada. O governo não tem saída. Ele aprova nem que seja à base de ouro essa medida provisória porque ele sabe que pode ser o início do fim do governo”, disse a emedebista, afirmando ainda que a MP "desagrada todo mundo".
Fonte: Brasil de Fato