Um dos vencedores do prêmio Nobel da Economia, cujos nomes foram anunciados na segunda-feira (11), já demonstrou que a elevação do salário mínimo não está necessariamente vinculada a um crescimento do desemprego. No Brasil, esta é, por exemplo, uma argumentação frequentemente repetida pelos contrários à política de valorização do piso nacional. O atual governo, por sinal, interrompeu essa política.
Além de perder uma regra sistemática de aumentos, o salário mínimo tem tido seu poder de compra reduzido com o avanço da inflação. Na semana passada, o Dieese demonstrou que o piso nacional, hoje, não consegue comprar meia cesta básica.
Pesquisa comparativa
O canadense David Card, 65 anos, é professor de Economia na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ao lado do americano Alan Krueger (que morreu em 2019), ele desenvolveu pesquisas comparativas sobre o tema. E ajudou a mostrar, como assinala a Academia, “que aumentar o salário mínimo não necessariamente leva a menos postos de trabalho”.
A própria universidade, em nota divulgada hoje, lembra que os estudos desenvolvidos nos anos 1990 seguem relevantes, “pois questionaram suposições sobre o impacto da imigração sobre os trabalhadores nativos dos EUA e o efeito dos aumentos do salário mínimo no crescimento do emprego doméstico”. Card divide o prêmio com os também professores Joshua D. Angrist (do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT) e Guido W. Imbens (da Universidade de Stanford).
“Coisa horrível”
Pesquisando duas regiões americanas, Card e Krueger concluíram que, na prática, a teoria de que o aumento do salário mínimo seria nocivo à economia e ao mercado de trabalho não se sustentava. Onde o piso aumentou, o emprego também cresceu. Em entrevista à revista Piauí, publicada em dezembro do ano passado, Card disse que os estudiosos sobre salário mínimo nos anos 1960 e 1970 eram muito conservadores. “Basicamente, eles queriam mostrar que fixar um salário mínimo era uma coisa horrível”, comentou.
As pesquisas de Card e outros contribuíram para abalar a ideia predominante da chamada escola de Chicago, de pensamento liberal, ou neoliberal, que desembocou na Consenso de Washington, na virada dos anos 1980 para os 1990. “Mas nós éramos vistos como gente que estava atrapalhando, dificultando as coisas”, disse ainda o professor, um dos autores do livro Myth and Measurement: The New Economics of the Minimun Wage (Mito e medição: a nova economia do salário mínimo), de 1995, que ganhou edição “de aniversário” em 2016.
Perdendo amigos
Essa pesquisa foi destacada pelo economista Marcelo Neri, estudioso da desigualdade no Brasil. Em artigo publicado em 1997, ele comentou que o salário mínimo tinha impacto no rendimento do trabalho, mas não no nível de emprego. No Brasil, assinalou, poderia haver certo impacto não na quantidade, mas na qualidade do emprego. Ainda assim, o salário mínimo, “parece exercer um papel relevante no combate à pobreza”.
Card chegou a declarar que “perdeu um monte de amigos” devido a essa publicação. Chegaram, ele e Krueger, a ser vistos como “traidores” da questão econômica. Se fosse amigo dos dois, Paulo Guedes também romperia. No ano passado, o ministro da Economia disse que aumentar o salário mínimo elevaria o desemprego. Não foi o que aconteceu em anos anteriores.
Fonte: Rede Brasil Atual