Podemos fazer alguma coisa para acabar com a pobreza ou este é um fenômeno milenar, tão complexo e enraizado na sociedade, que está além da nossa capacidade e competência equacioná-lo?
Além de deplorá-la, será que podemos fazer alguma coisa para, se não acabar ao menos minorar a pobreza em nosso bairro? E em nossa cidade? Em nosso Estado? Em nosso país?
Será que ao menos damos nosso apoio às pessoas e/ou às instituições, governos, parlamentares ou partidos que preconizam, defendem e implantam políticas públicas que visam atender/defender os desassistidos?
Já confessei aqui, não sou daqueles que são radicalmente contra o capitalismo e que acham que só o socialismo é a solução para os problemas da humanidade ou o único caminho para a construção de uma sociedade mais humana, igualitária, fraterna; sou daqueles que creem que a solução está no próprio capitalismo. Ou melhor, para além dele. Numa espécie de "hibridismo": um capitalismo social ou "sócio capitalismo". Sei que muitos torcem o nariz para esse tipo de formulação. Acham que é "coisa de poeta". Mas sigamos adiante. Desnudemos as palavras e (pré)conceitos com a crueza das ações.
E tudo bem que alguns, quase sempre armados com seus preconceitos e/ou interesses privados, ou confortavelmente acomodados em decantadas(os) ideias e ideais, não entendam ou aceitem determinados conceitos; que pensem que tudo isso é rematada tolice, um contrassenso; e achem que "social" e "capital" sejam dois paradoxos excludentes e "inarmônicos" – uma insolúvel contradição em termos.
O que você diria então se utilizasse a expressão "empresa social" ou "negócio social"? Ou mesmo empreendedorismo social? Já ouviu falar nisso ou em algo parecido? Ou ainda continua achando que tudo isso é "papo de poeta" ou de "comuna"?
E se eu lhe falasse ainda, veja bem, na concepção, na ideia de se criar um banco dotado de uma linha de crédito para emprestar dinheiro a mendigos? Impensável? Um despautério?
Mas e se lhe falasse em outros termos. Se falássemos então em dar uma oportunidade aos desassistidos, aos desamparados? Isso mesmo: o-p-o-r-t-u-n-i-d-a-d-e. Assim, com todas as letras. O que você acha? Começa a soar melhor aos ouvidos? Ainda não?
E se eu lhe dissesse que existe um homem que já trabalha com projetos nessa linha há décadas, que dedica sua vida a realizações desses sonhos-projetos; que é doutor honoris causa em diversas universidades mundo afora [isso deve estar lhe fazendo lembrar alguém – não?]. E que esse homem, certamente em decorrência disso inclusive, já ganhou o prêmio Nobel da Paz?
E se eu lhe dissesse ainda mais? Que esse homem, cidadão de um país paupérrimo, edificou um banco lastreado no fornecimento de microcrédito aos pobres e desassistidos? Inclusive a já citada – e impensável! – linha de crédito para pedintes.
E se lhe disser ainda que esse homem conseguiu que uma multinacional comprasse uma dessas suas ideias "foras de lugar" e "estapafúrdias"; apoiasse os seus projetos e investisse em uma empresa para fabricar e vender iogurtes mais baratos e mais nutritivos a comunidades carentes e desnutridas? Você acreditaria? Ou prosseguiria imerso em seu individualismo e/ou ceticismo paralisante? Sacando do seu coldre retórico, por exemplo, uma daquelas verdades absolutas e inquestionáveis: "que toda empresa ou negócio, no capitalismo, visa apenas e tão somente o lucro, que esse seria uma espécie de leitmotiv do capitalismo e seu sentido de ser/existir"? Tá certo...
De fato, o empreendedor, e em última instância o capitalismo, sem a devida fiscalização e regulação do Estado é uma espécie de "besta-fera" movida tão somente pela ânsia de acumular, acumular, acumular; destruir, destruir.
Mas algumas experiências bem sucedidas – que me deem licença os radicais e extremistas – atestam que certo "tempero humanista" pode tornar o capitalismo um sistema a serviço de muitos, e não mais somente de alguns poucos privilegiados. E pode, aos poucos, trocar o verbo acumular por distribuir; e destruir por criar. Por vezes é preciso que transformemos em poesia o nosso ordinário cotidiano; que subvertamos a lógica e a camisa de força da semântica.
É o que parece nos ensinar as obras e o exemplo do indiano Muhammad Yunus.
É vendo o exemplo e as obras de cidadãos como Yunus que devemos repensar as nossas certezas e perguntar a nós mesmos: eu já fiz alguma coisa para, se não acabar ao menos minorar a pobreza em meu país?
O que você fez/faz? Já pensou nisso? Isso lhe diz respeito? Isso é problema seu/nosso?
A realidade da Índia não lhe parece um tanto similar a do Brasil? As iniciativas dos bancos populares que se espalham hoje pelo nosso país não lhe parece ter tudo a ver com a iniciativa do microcrédito de Yunus, o "banqueiro dos pobres"? E o nosso Bolsa Família?
Iniciativas como essa não podem transformar as pessoas em microempreendedores, se bem estimuladas e preparadas? Você conhece os diversos casos de empreendedorismo bem-sucedido em favelas e bairros periféricos de algumas cidades, graças à renda mínima assegurada pelo "Bolsa" ou à política de crédito subsidiado dos governos?
Imagine agora os empreendimentos e os resultados para a sociedade que uma inversão social equivalente ao preço de uma Ferrari de R$ 2 milhões poderia gerar? Ou ainda o efeito multiplicador da renda que poderia causar aqueles R$4 milhões que o político tal desviou do erário e gastou na sua cobertura situada num bairro nobre da capital paulista ou num bairro nobre na orla de uma grande cidade pobre do Nordeste, se aplicado numa empreendimento social? Já pensou?
Encerremos por aqui com a definição do próprio Yunus para empresa social extraída do seu livro Um mundo sem pobreza: "É uma empresa projetada para atender a uma meta social. Nesse caso [o da Grameen Danone], a meta é melhorar a nutrição das famílias pobres nas aldeias de Bangladesh. Uma empresa social não paga nenhum dividendo. Vende produtos a preços que fazem dela um negócio autossustentável. Os proprietários da empresa podem receber de volta a quantia que investiram no negócio após um período; contudo, os investidores não recebem nenhum lucro na forma de dividendos. Em vez disso, qualquer lucro obtido permanece na empresa, a fim de financiar sua expansão, criar novos produtos ou serviços e trazer o bem ao mundo."
Sim, um mundo sem pobreza [material] é plenamente possível. Já com relação a pobreza [de espírito e caráter] dos homens...