O vale alimentação e o vale refeição são frutos de uma política pública estabelecida pela lei 6321, de abril de 1976, criando o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). As empresas cadastradas no PAT recebem incentivos fiscais para garantir alimentação dos trabalhadores, trabalhadoras e suas famílias. Essa lei foi criada para alterar uma condição anterior da classe trabalhadora que, dada a proporção, passava por insegurança alimentar, cabendo a participação do Estado no subsídio de tal política social.
Recebemos o vale alimentação/refeição na Cemig desde a década de 80, e em nenhuma gestão anterior, independente da sigla partidária que estivesse à frente do governo no estado foi imposta tal medida com tamanha desumanidade na história da categoria eletricitária.
Na gestão Zema, o presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi, que tem salário de 133 mil reais e bônus de 1 milhão e 300 mil reais, é esse presidente com tal condição financeira que teve a coragem de cortar o pagamento do vale alimentação/refeição, tirando a comida da mesa de muitos trabalhadores e trabalhadoras da Cemig. Independente do resultado do ACT 2023/2024, o corte do pagamento do ticket e os devidos impactos na condição de segurança alimentar dos trabalhadores e trabalhadoras da Cemig, ficarão marcados na história como a gestão barbárie, que chantageia a categoria retirando sua condição de alimentação para pressionar a categoria a fechar um acordo que não é de seu interesse .
Vários trabalhadores e trabalhadoras atenderam ao chamado do Sindieletro para enviar seus relatos sobre o impacto do não pagamento do ticket nos seus processos de trabalho e na condição de sua vida e de seus familiares.
Os relatos mostram o quanto o trabalhador e a trabalhadora dependem do ticket para a alimentação deles e da família, e expressam também a decepção e a indignação com a imposição da gestão da empresa de cortar o benefício para enfraquecer a luta da categoria eletricitária em defesa do ACT. Será que os gestores têm ideia do mal que infligem aos eletricitários e eletricitárias?
Para garantir a objetividade e o sigilo de quem nos enviou depoimento, realizamos a edição dos relatos, sem comprometer a essência das manifestações.
Confira:
Do sonho à decepção. A falta do ticket é uma situação que me traz angústia
A Cemig está na minha vida desde que nasci, meu pai entrou na empresa em meados dos anos 70 e nasci em meados dos anos 80. Sempre tive o sonho de entrar para a Cemig vendo o orgulho do meu pai ao sair todos os dias de casa para trabalhar, sempre feliz pelo reconhecimento que ele recebia vestindo aquele uniforme.
Em 1997 ele decidiu se aposentar para ficar mais perto da família. Vi a tristeza dele, mas a família acalentou o seu coração. Com a decisão de se aposentar, ele optou pela manutenção do plano de saúde pensando em ter uma velhice mais tranquila, para ele e para minha mãe
Eu mantive o sonho de entrar na Cemig e busquei essa colocação, até que consegui passar no concurso. Foi um momento muito especial na minha vida, ficamos muito emocionados, tanto eu quanto meu pai. E mantive esse orgulho que aprendi com meu pai. Mas, hoje, me vejo em uma situação que me traz muita angústia. Tenho um filho especial, ele faz tratamento e se eu não conseguir comprar o que ele consegue ingerir, fica sem se alimentar. Meu filho e também meus pais idosos dependem do meu vale-alimentação. Além disso, hoje, meu pai e minha mãe estão com o direito ameaçado de usufruir do plano de saúde.
Hoje me sinto tão desvalorizada em ver a pressão que fazem para os funcionários aderirem a outros sindicatos ou aprovar acordos que prejudicam benefícios que lutamos para conseguir. Sinto um imenso descaso com quem faz a empresa funcionar. Tenho um misto de sentimentos quando escuto que a estimativa é de fechar o ano com 10 bilhões de lucro. Raiva, vergonha, ansiedade. Isso tudo a custa de quem e de que?
Hoje somos como fantoches nas mãos dos que têm poder. E ainda tenho medo do que posso sofrer caso descubram esses meus sentimentos.
Fiquei sem almoçar para comprar o leite das crianças
Todo mês conto com o ticket para complementar a alimentação, sobretudo da família. Sou pai de três crianças, de 04, 08 e 10 anos; as minhas filhas ainda têm muito dependência de alimentação com o leite. Hoje o consumo é de 12 caixas de leite por semana. Tenho a minha vida financeira muito correta, pois pago todas as contas (água, energia elétrica, internet e outras contas mais) com o salário que recebo. Desde o dia 25/11/23 as coisas aqui em casa ficaram um pouco pior, as crianças me pedem o leite para fazer o “toddy’ e eu sempre digo que amanhã vou trazer... essa semana consegui comprar 03 caixas de leite, pois na terça, dia 28/11, fiquei sem almoçar, e disse para as minhas filhas que tinha que economizar o leite para dar até sábado. Estou escrevendo aqui e pensando que dia 01/12 não vou almoçar, para poder comprar o leite no fim semana. E na semana que vem a gente vê como vai ficar.
Para garantir a alimentação da família, deixei contas a pagar
Estou na empresa há 17 anos, com muito orgulho. São mais de 200 meses sem nunca ter deixado de receber o ticket alimentação, esse que garante a alimentação da minha família. Meu salário é comprometido com as demais despesas familiares, uma vez que minha esposa pode contribuir pouco, por ser autônoma. Pagamos escola do filho, água, luz, telefone, Internet, e outras despesas do mês. Diante da decisão da Cemig de não pagar o ticket alimentação para alguns funcionários, a minha situação ficou muito complicada em casa, pois tive que começar a fazer uma escala de prioridades para pagamentos. A alimentação é prioridade e o impacto da falta do ticket é evidente: estou deixando de pagar algumas contas, mas logo virá a consequência. Não sei até quando vou conseguir segurar a barra, uma vez que o financeiro é um dos pilares da estrutura de uma família. E, pra piorar, tudo isso acaba nos deixando emocionalmente abalados, pois a insegurança alimentar da família é primordial, vindo a nos comprometer no trabalho.
Atacaram minha honra e minha capacidade laboral
Tenho mais de 35 anos de prestação de serviço a esta empresa e em nenhum outro momento nessa trajetória de vida, trabalho e dignidade, fui tão grave e vergonhosamente atacado nos meus direitos e na minha honra. Desta vez, atacaram minha honra e minha capacidade laboral, pois, não sendo possível o resultado do meu trabalho suprir as necessidades de minha família, entendo que falhei enquanto provedor, enquanto pai, enquanto esposo. Mas não como trabalhador. O resultado está posto.
Sou casado, pai de dois filhos. E tenho nestes últimos dias sentido os aspectos mais nefastos da ausência de uma boa alimentação. Sair para trabalhar e deixar minha família em casa sabendo que a falta de alimentação pode provocar perdas significativas na constituição educacional e no desenvolvimento das relações humanas e familiares daqueles entes é por demais desalentador. Receio que outros colegas possam estar nesta mesma condição, mas por vergonha ou qualquer outro sentimento não relatem suas preocupações, o que pode impactar nos aspectos humanos conectados à mudança de humor, à falta de atenção nas atividades, diminuição de força física e possíveis acidentes graves.
Faço aqui um apelo aos gestores que tanto dizem estar preocupados com a segurança no trabalho e do trabalhador: um não existe sem o outro, e o resultado deste processo temos claro na apresentação dos resultados da companhia. E não vejo justiça no processo negocial quando, para chegarmos a bom tom, seja necessária a imposição de tão dura retaliação àqueles que de fato estão em desvantagem no processo.
Postura truculenta coloca riscos à saúde e segurança
Informo que a falta do crédito do valor do ticket alimentação tem acarretado transtornos no planejamento financeiro de minha família. Espero que a gestão da Cemig entenda que essa postura truculenta que tem tomado na condução de um acordo coletivo coloca seus empregados sob sérios riscos de ocorrências de acidentes e diversas situações constrangedoras em ambiente de trabalho.