É cada vez mais comum os trabalhadores e as trabalhadoras que desde ao auge da pandemia da covid-19, em 2020, passaram a atuar em home office entrarem com ações na Justiça do Trabalho reivindicando a continuação desse regime de emprego. As ações envolvem questões de saúde do próprio trabalhador e/ou de seus familiares que necessitam de cuidados constantes.
Embora nem todas ações sobre home office sejam para que não haja o retorno ao trabalho presencial e envolvam questões de saúde, um levantamento da plataforma Data Lawyer aponta que entre novembro de 2020 e o dia 17 de novembro de 2023, foram distribuídos em todo o país 60.332 processos. Desses, 37,93% estão pendentes, 26,2% estão parcialmente pendentes, 18,06% tiveram um acordo, 7,57% foram julgados improcedentes e 3,08% procedentes.
O que diz a lei trabalhista nos casos que envolvem a saúde
Segundo a advogada Luara Borges Dias, sócia do escritório LBS, pós-graduada em Direito Constitucional pela Unicamp, como o Brasil não tem uma legislação específica para esse tipo de situação, de cuidado com a própria saúde ou de familiares, o entendimento jurisprudencial é no sentido de analisar os princípios constitucionais que garantem a saúde como um bem jurídico, de valor mais elevado.
Um exemplo de atendimento da advogada foi o caso de uma trabalhadora que tinha uma condição de saúde específica e o médico atestava que ela seria mais produtiva e seria melhor para a saúde mental dela trabalhar em home office, o que já ocorria há dois anos.
“Com os dados dos laudos médicos, nós ajuizamos a ação pedindo a manutenção da trabalhadora em home office e alegamos que não tinha nenhum prejuízo para o exercício das atividades porque esse pedido se deu logo após o fim do estado de calamidade pública. Então, a juíza entendeu que sim, que seria melhor para a saúde da trabalhadora e mais saudável mantê-la em home office, sem nenhum prejuízo para a sua atividade”, conta.
Outros casos envolvem direitos de crianças e de pessoas com deficiência, como o de um homem que precisava de cuidar tanto do filho quanto da mãe com algumas complicações severas na saúde.
“Nós pegamos o atestado médico demonstrando a condição de saúde dela e a situação de saúde do filho e levamos aos autos. Isso tem sido bastante destacado na manutenção do home office, dos pais cuidam de filhos com diagnosticados no transtorno do espectro autista também”, lembra Luara.
A advogada ressalta que a lei as equipara com pessoas com deficiência. Foi o que ocorreu com uma trabalhadora que precisa acompanhar a criança no tratamento por 20 horas semanais, e foi isso que embasou o pedido de manutenção em home office, por ser um tempo significativo.
“Nesse caso fizemos, inclusive, um pedido de redução de jornada de trabalho, que foi reconhecido e declarado como direito do trabalhador. Eu fiz uma pesquisa jurisprudencial sobre o tema com relação a manutenção de teletrabalho para pais e mães que têm filhos diagnosticados com TDAH. E vi que a jurisprudência também se pode estar favoravelmente nesses casos”, conta Luara.
Home office sem redução salarial
Segundo ela, a jurisprudência está se construindo no sentido de manter o valor do salário, mas é preciso juntar aos autos a documentação médica e a demonstração dos gastos que a pessoa tem com o tratamento do familiar para justificar a necessidade de redução de jornada sem redução de salário.
“É claro que algumas empresas também têm esse tipo de norma que pode por vir de acordo coletivo de trabalho e aí, nesses casos, é necessário analisar a convenção. Mas há na construção jurisprudencial o sentido da redução de jornada sem redução salarial”, explica.
A possibilidade da redução de jornada sem redução salarial é defendida pela Secretária da Saúde do Trabalhador, Josivania Ribeiro Cruz Souza. Para ela é preciso garantir o salário integral aos trabalhadores que precisam ficar em home office para cuidar da saúde dos seus familiares e da sua própria saúde.
“Com a pandemia, o trabalho em home office foi usado efetivamente para proteger a vida e a saúde e, sendo esse um direito possível para uma parte da classe trabalhadora, nossa luta é para que todos e todas que necessitem, por algum motivo de saúde e cuidados específicos, não tenham seu direito negado, nem reduzido o salário. Josivania Ribeiro Cruz Souza
A dirigente reforça ainda que é preciso reconhecer e valorizar o trabalho de cuidado e isso implica em garantir condições dignas de trabalho com segurança e com a promoção e proteção da saúde.
Como buscar esse direito
A advogada trabalhista recomenda que o trabalhador busque os direitos primeiro no sindicato, porque, segundo ela, é o ambiente mais propício para a defesa do trabalhador. É importante ter uma justificativa legal, que normalmente decorre de atestado e documento médico.
Garantia do emprego
Luara diz que não há garantia de permanência no emprego para quem ganha este tipo de ação, mas pode-se pedir uma indenização em caso de demissão.
“Eventualmente se a empresa demitir e ficar demonstrado que foi uma retaliação em razão do home office, aí é o caso de se pedir uma reintegração e, eventualmente até uma indenização por dano moral”, explica.
O que diz a legislação
A advogada trabalhista diz que é necessário melhorar a legislação sobre a saúde do trabalhador e os cuidados com sua família porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tem poucos parágrafos neste sentido.
“Ela é muito incipiente e eu diria mais, que a necessidade, sobretudo, é de comentar e ampliar a legislação de proteção à saúde do trabalho e a saúde dos familiares do trabalhador porque a gente sabe que esse pedido de manutenção de home office, de redução de jornada decorrem, sobretudo ou de uma condição de saúde do próprio trabalhador ou de alguém que tem cuidado. Essas ações, elas são muito relacionadas ao trabalho de cuidado, que é um tema que a gente vem discutindo muito”, declara.
A posição dos Tribunais do Trabalho
Luara diz que não tem conhecimento de ações que chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), e que tenham transitado em julgado. No entanto, muitas ações já caminharam pela 1ª e 2 ª instâncias.
“O tema é novo e acontece, sobretudo, depois do fim do estado de calamidade pública da pandemia. Por isso que esse tipo de pedido está sendo explorado, no âmbito do judiciário há pouco tempo. O TST está julgando processos que lá chegaram em 2019, não deu tempo de caminhar”, conclui.
Por Rosely Rocha, da CUT