Entre as 310 vítimas mortas e desaparecidas após o rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, 131 são comprovadamente funcionários diretos da Vale. Os outros 179 são chamados de “terceiros/comunidade” pela mineradora. Até agora, a empresa não separou a lista, mas, segundo estimativas do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Siticop-MG), feitas junto às empresas que prestavam serviço no dia da tragédia, pelo menos 160 dessas 179 pessoas seriam terceirizados, o que daria mais da metade das vítimas totais.
“São dados documentados, mas só poderemos dar o número certo quando a Vale apresentar a lista, o que é uma obrigação dela”, afirma o diretor do Siticop-MG, Eduardo Armond. Segundo a apuração da entidade, cerca de 230 terceirizados estavam nas dependências da mina de Córrego do Feijão na hora do rompimento.
De acordo com a listagem da Defesa Civil, disponível no site da Vale, ao menos 102 óbitos são de empregados próprios, e 29 seguem desaparecidos. No caso dos terceiros/comunidade, são 77 mortes confirmadas e 102 não localizados.
Para Armond, a mineradora não está tratando com isonomia os empregados próprios e os terceirizados. “Quando solicitamos estabilidade de emprego ou garantia de salário, mesmo valor de seguro de vida e emissão do Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) para os terceirizados, a Vale diz, em audiências na Justiça de Trabalho, que não pode assumir esse compromisso”, explica.
O Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais (MPT-MG) cobrou judicialmente essa lista, e a Vale tem até esta terça-feira (26) para entregar. “Não pode haver um tratamento para trabalhadores do quadro próprio e outro diferente para os terceirizados, pois todos são vítimas”, declarou a vice-coordenadora do Grupo Especial de Atuação Finalística Vale/Brumadinho (Geaf) do MPT, procuradora Luciana Coutinho.
Quem ficou
Armond também lembra que os trabalhadores terceirizados e, ou prestadores de serviços que sobreviveram ao desastre têm direito à estabilidade de emprego de um ano. É o caso do operador de manutenção terceirizado Antônio França Filho, 55, que estava no prédio de Instalação de Tratamento de Minério (ITM), a cerca de 500 metros de onde a barragem se rompeu. “Caí de cabeça para baixo, fui descendo como se fosse um tobogã, as ferragens caindo sobre a gente, aquele desespero danado”, relembra. Ele quebrou três costelas, teve o pulmão perfurado e perdeu a força nas mãos após ficar preso às ferragens por duas horas.
França Filho conta que tem recebido apoio da empresa em que trabalha, a Reframax. “Tudo eu converso com eles. O médico que foi me visitar no (hospital) João XXIII foi da Reframax. A Vale só providenciou transporte para fisioterapia e psicólogo”, conta. A Reframax confirmou 15 funcionários falecidos na tragédia e 22 desaparecidos. A empresa de manutenção preferiu não se manifestar sobre o suporte da Vale. Outra empresa, com dois funcionários desaparecidos, solicitou anonimato e informou que tem sido pressionada pela Vale a rever contratos.
O chefe da Assessoria Jurídica do gabinete do procurador geral do Trabalho, Márcio Amazonas, reforça que os terceirizados serão tratados sem distinção pelo MPT. “Vamos atuar para tutelar os direitos e interesses dos trabalhadores sobreviventes, sejam próprios ou não. E vamos lutar pela indenização uniforme, seja um empilhador ou engenheiro”, afirma Amazonas, que também faz parte do Geaf.
Minientrevista
Rodrigo Santos - Pesquisador do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMas)
Os riscos são maiores para os terceirizados no setor da mineração?
A gente observa que as áreas que oferecem o maior risco e piores condições de trabalho são ocupadas pelos terceirizados. São eles que vão aceitar fazer qualquer tipo de serviço, até porque esperam uma contratação direta no futuro ou porque são pressionados pelas chefias diretas, que não querem perder um contrato com uma empresa como a Vale.
Eles são mais vulneráveis no caso de um desastre como o de Brumadinho?
Sim. Quem trabalha na empresa sem vínculo tende a não dominar por completo as plantas (da empresa). E minas mudam o tempo todo, pois as áreas de exploração de lavra se alteram com a disponibilidade do recurso. Então, o percurso de uma estrada pode mudar de repente. Na hora da fuga, esse tipo de informação faz toda diferença.
Fonte, jornal O Tempo, por Ludmila Pizarro, Queila Ariadne e Tatiana Lagôa