No último 31 de agosto, os bancários assinaram um acordo histórico, numa conjuntura dificílima: a nova convenção coletiva de trabalho, que vai até 31 de agosto de 2020.
É a única categoria cuja convenção coletiva vale para todo o País. As batalhas na mesa de negociação foram exaustivas. Duríssimas, mesmo.
De um lado, 160 bancos, liderados pela Federação Nacional de Bancos (Fenaban), que propôs 0,5% de reajuste salarial para os próximos quatro anos. Do outro lado, os 480 mil trabalhadores, defendidos por duas coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários, representando todos os sindicatos, que não abriam mão de direitos já conquistados e pleiteavam novos avanços.
O desafio coube a Ivone Silva, presidenta dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, e a Juvandia Moreira, presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Pela primeira vez na história, pelo lado dos bancários, duas mulheres comandaram a negociação com os banqueiros.
“Sem dúvida alguma, a união da categoria e a confiança dos sindicatos dos bancários de todo o país no Comando Nacional foram determinantes para nossa vitória”, afirma ao Viomundo Ivone Silva, já a postos para outra grande batalha.
Em 30 de agosto, dia anterior à assinatura do acordo da convenção coletiva de trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a terceirização nas atividades-fim das empresas –a terceirização total — é constitucional
“Essa decisão vai afetar milhões de empresas e trabalhadores”, afirma. “No setor financeiro, especificamente, a terceirização irrestrita vai aumentar em relação ao que já existe hoje e atingir todos os segmentos, como as gerências, caixas, crédito e áreas de tecnologia”, alerta Ivone Silva.
“Em consequência, colocará em risco o sigilo bancário, gerando perigo sistêmico para a economia brasileira”, previne.
Segue a íntegra da entrevista:
Primeiro, vamos falar da vitória da categoria. Os bancos começaram a negociação propondo apenas 0,5% de reajuste pelos próximos anos, apesar dos juros extorsivos que cobram e dos lucros estratosféricos que têm. Essa negociação é um retrato do golpe e da reforma trabalhista dos golpistas?
Sabíamos que seria uma conjuntura difícil, com a retirada de direitos e o golpe contra os trabalhadores. E foi. Fizemos exaustivas reuniões com os bancos, doze no total, reivindicando cláusula por cláusula, com nossas prioridades. Sabíamos que não sairíamos da mesa de negociação sem a manutenção dos nossos direitos, aumento real e garantia de direitos, por exemplo, para os hipersuficientes, que não estão garantidos com a reforma trabalhista.
Mantivemos as reivindicações e graças à nossa firmeza na mesa e à mobilização de toda a categoria nas ruas e redes sociais, avançamos nas negociações. Assinamos em 31 de agosto uma das mais completas convenções coletivas de trabalho da história do Sindicato.
Quais pontos da reforma trabalhista os bancos queriam impor à categoria e vocês conseguiram impedir?
A Fenaban jogou pesadíssimo, é claro. Para começar, apesar de estabelecido o calendário de negociações, ela não assinou o pré-acordo para garantir a validade da convenção coletiva após 31 de agosto, que era praxe.
É o que nós chamamos de ultratividade, ou seja, o princípio que garantia a validade de um acordo coletivo até a assinatura de outro.
A reforma trabalhista do Temer acabou com a ultratividade, e esse é um dos pontos negativos dela.
Outro ponto negativo é a figura do “empregado hipersuficiente”, ou seja, aquele trabalhador com nível superior e remuneração a partir de duas vezes o teto de benefícios do INSS, o que corresponde atualmente a R$ 11.291,60.
Pela nova lei, os trabalhadores hipersuficientes podem estabelecer suas condições de trabalho diretamente com o patrão, ainda que elas sejam inferiores às previstas em acordo coletivo da categoria.
Ou seja, os bancários hipersuficientes – são cerca de 91 mil – não estariam resguardados pela nossa convenção coletiva.
Nós reivindicamos – e conseguimos! — que a convenção seja válida para todos os trabalhadores dos bancos, independentemente do nível de escolaridade ou da faixa salarial. Essa conquista agora é uma referência para os acordos trabalhistas.
O que foi determinante para essa vitória?
Sem dúvida, a união da categoria e a confiança dos sindicatos dos bancários de todo o país no Comando Nacional. A cada reunião que acabava, nós divulgávamos as notícias em nossos canais de comunicação. Criamos, assim, uma rede forte e combativa, que auxiliou na pressão com a sociedade.
Por exemplo, os banqueiros queriam diminuir o valor da PLR [participação nos lucros e resultados] para mulheres em licença maternidade.
Nós levamos isso para a sociedade. A nossa mobilização foi tamanha que no dia seguinte eles recuaram. Perceberam a força da nossa atuação junto à categoria e aos clientes dos bancos.
Nossa campanha começa muito antes das mesas de negociação. Este ano, em maio, tivemos a nossa consulta com os bancários, em seguida tivemos as conferências estaduais e a Nacional. Os bancários participam e acompanham cada parte da Campanha Nacional Unificada. Essa é a nossa força.
Em que medida a negociação dos bancários se torna referência para as outras categorias?
Em uma negociação histórica, a Campanha Nacional Unificada deste ano avançou em diversas cláusulas da categoria, como:
*a manutenção de todos os direitos da convenção coletiva ao hipersuficiente;
*aumento real durante dois anos, com reajuste de 5% (aumento real de 1,18% sobre uma inflação do INPC projetada em 3,78%) para salários e demais verbas;
*garantia de manutenção de todos os direitos previstos na Convenção Coletiva de Trabalho válida para todos os empregados de bancos públicos e privados em todo o Brasil.
Vale lembrar aqui que o primeiro reajuste proposto pelos bancos foi de 0,5%. Foi tão absurdo que as assembleias da categoria de todo o País o rejeitaram por unanimidade.
O setor mais lucrativo da economia brasileira não poderia oferecer aos seus trabalhadores esse índice ridículo.
Outros setores com lucro muito menor e até prejuízo apresentaram ganho real maior no primeiro semestre, quando a média dos aumentos reais na economia foi de 0,94%. Portanto, o dobro do pretendido pelos bancos.
Em 30 de agosto, o STF aprovou a constitucionalidade da terceirização irrestrita. O que representa essa decisão?
Ela vai afetar milhões de empresas e trabalhadores e servirá de base para todas as decisões judiciais semelhantes, pois define se é legal ou ilegal precarizar as condições de trabalho no Brasil.
Infelizmente, na prática, vai reduzir salários, aumentar jornada, a rotatividade e a possibilidade de acidentes de trabalho.
No setor financeiro, especificamente, a terceirização irrestrita vai aumentar em relação ao que já existe hoje e atingir todos os segmentos, como as gerências, caixas, crédito e áreas de tecnologia.
Em consequência, colocará em risco o sigilo bancário, gerando perigo sistêmico para a economia brasileira.
Por quê?
Decisões fundamentais em relação à concessão de crédito, aplicações financeiras e outras ficarão fora do controle dos trabalhadores que têm as habilidades e competências técnicas e jurídicas para desempenhar tais atividades.
Qual a diferença de salário entre um trabalhador bancário e um terceirizado no setor?
Sabemos que a diferença de renda anual entre o trabalhador bancário e o de telemarketing terceirizado no setor, por exemplo, é grande.
Considerando férias, 13º, auxílios alimentação e refeição, auxílio creche, FGTS e participação nos lucros e resultados, o trabalhador terceirizado recebe somente 27,4% da renda anual percebido pelo trabalhador bancário em um ano.
Os correspondentes bancários são uma forma de terceirização de atividade fim dos bancos?
Sim, sim. Os correspondentes bancários foram inicialmente imaginados como alternativa de atendimento em localidades onde não havia agências bancárias.
Ao longo do tempo, seu propósito foi totalmente desvirtuado e hoje encontramos milhares de correspondentes bancários nos centros das principais cidades do país.
Os bancos utilizam apenas para economizar custos, já que, em geral, os trabalhadores desses estabelecimentos são comerciários com salário próximo ao mínimo e jornada de 44 horas semanais.
Fazem o mesmo trabalho dos bancários, mas não têm os mesmos direitos.
Além disso, os estabelecimentos que prestam esses serviços não têm as obrigações de segurança previstas para as agências bancárias, ou seja, os bancos, através dos correspondentes, colocam em risco a vida de clientes e trabalhadores.
Na sua avaliação, os bancos vão tentar impor a terceirização total? Que consequências terá?
Vamos nos mobilizar em defesa dos trabalhadores.
Com a terceirização irrestrita, o Estado também vai arrecadar menos. Considerando a contratação do bancário como terceirizado e utilizando como parâmetro a remuneração do trabalhador de telemarketing, a diferença anual de arrecadação incidente sobre a folha de pagamento cai em 96% por trabalhador.
A aprovação da terceirização irrestrita terá graves consequências para o país.
O Estado perde arrecadação, já que os impostos sobre a folha salarial serão fortemente reduzidos. De outro lado, e aumentará seus custos, pois terá que gastar mais com problemas de saúde decorrentes do trabalho precário e desemprego.
Perde a classe trabalhadora, porque terá remuneração e benefícios reduzidos, empregos menos estáveis e mais inseguros, com menores possibilidades de organização sindical.
Perde a economia como um todo, incluindo boa parte das empresas que depende do mercado interno para sobreviver, como o comércio, por exemplo. Afinal, o principal motor do crescimento econômico, que é o consumo das famílias, ficará enfraquecido.
Só ganham poucos empresários, entre eles os dos setores financeiro, aviação, elétrico, plano de saúde, telefonia e banqueiros.
Uma elite gananciosa, que só pensa em aumentar suas margens de lucro e não tem compromisso com a geração de emprego e renda nem com o desenvolvimento sustentável do país.
Fonte: Rede Brasil Atual, por Viomundo