Temos que falar de amor



Temos que falar de amor

No domingo (14 de julho), Belo Horizonte parou pela 22ª vez para receber a Parada do Orgulho LGBT. Neste ano, o lema foi: “Não aos retrocessos. Revivendo Stonewall!”, uma homenagem aos 50 anos do enfrentamento de membros da comunidade LGBT à ação discriminatória de policiais em um bar em Nova York. Os protestos daquela época deram início ao que conhecemos, hoje, como as paradas LGBT que acontecem ao redor do mundo. Além deste tema, o evento também marcou a resistência da comunidade ao governo homofóbico de Jair Bolsonaro.

Após grandes conquistas legais e simbólicas a partir de lutas coletivas, como a despatologização da homossexualidade pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990, o reconhecimento da união civil homoafetiva no Brasil em 2013 e, mais recentemente, a incorporação na Lei de Racismo e criminalização da homofobia e transfobia, em 13 de junho deste ano, milhares de famílias assistem a bandeira do ódio e da intolerância ser hasteada pelo presidente, eleito por 57,7 milhões que, de certa forma, depositaram sua confiança em um representante abertamente contrário à população LGBT.

A pesquisa Violência contra LGBT+ no contexto eleitoral e pós-eleitoral, financiada pela Fundação Ford, mostra que 51% dos entrevistados sofreram pelo menos uma agressão desde as eleições de 2018. As mulheres lésbicas são as que mais sofreram violência (57%), seguidas de pessoas trans e travestis (56%), gays (49%) e bissexuais (44,5%).

Não nos preocupa tanto a figura de Bolsonaro e seu discurso sem empatia, ilógico e desumano. Bolsonaro é um arquétipo que, em tempos de ódio e imediatismo, é usado para escoar a sanha de tantos. Não fosse ele, seria outro. De nada adianta levantar uma bandeira se não houver o apoio de uma população que a faça tremular.

Portanto, o que verdadeiramente nos aflige e assusta é assistir à escolha despudorada de milhões em se tornarem algozes de seus compatriotas. Preocupa-nos a ausência de receio em emitir ofensas e ataques a esmo. A legitimação da violência em detrimento do diálogo. O orgulho em excluir e diminuir seu semelhante. Esses sentimentos não nasceram com a eleição de um homem – estavam aquietados, escondidos, adormecidos. Com Bolsonaro, saíram do armário.

A Parada teve início na Praça da Estação, onde a prefeitura e a organização do evento confirmaram 200 mil pessoas presentes, e seguiu em cortejo pela Rua Guaicurus, finalizando na Praça Raul Soares. Num momento de retirada de direitos e ataques vis aos cidadãos, torna-se ainda mais importante reafirmar que a discriminação sexual não será tolerada – somos, sem exceção, trabalhadores que merecem respeito. Passando por pontos centrais da cidade, o recado é claro: existimos, resistimos e não vamos nos calar!

Lembrando que, para minorias sociais, os ataques à população são sempre mais ruidosos: a população LGBT, que já sofre discriminação para entrar no mercado de trabalho e ocupa grande parte das vagas de emprego precarizadas, é e será mais atingida pelas Reformas Trabalhista e Previdenciária, por exemplo. Os impactos da ausência de políticas públicas, do acesso limitado à saúde e da repressão policial também pesam mais sobre a comunidade LGBT, que muitas vezes se vê isolada da primeira instituição da qual fazemos parte na vida: nossas próprias famílias.

O miasma da intolerância nasce da individualização, do sentimento de desconexão, de não se sentir parte do todo – problema este que está no cerne de muitos desafios que enfrentamos atualmente. Nasce de uma sensação de ser melhor que o outro, por considerar a sua opinião a única possível e plausível, por não se reconhecer na luta.

A ferida da homofobia, que sangra uma pessoa LGBT a cada 20h* no Brasil, tem que estancar.  Para cicatrizar, no entanto, o primeiro passo é reconhecer, em nós, o carrasco interior que limita e exclui o próximo. Para falar de tolerância, temos que falar de amor. Mas para falar de amor, precisamos encontrar em que parte de nós ainda renegamos o amor que não nos convém.

*De acordo com dados de 2018 do Grupo Gay da Bahia

Por Maria Beatriz, jornalista do Sindieletro

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