Mais de dois meses após a assinatura, o governo de Minas ainda não divulga os detalhes do acordo de leniência fechado com a construtora Andrade Gutierrez. A empreiteira reconheceu a prática de atos ilícitos e concordou em pagar R$ 128,9 milhões aos cofres públicos estaduais. No entanto, as informações específicas sobre quais irregularidades a empresa admitiu não foram tornadas públicas.
O governo de Minas disponibilizou em seu site a íntegra do termo de acordo de leniência. “Os fatos descritos no Anexo I, objeto deste acordo de leniência, compreenderam atos de fraude em licitações públicas e pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos e a terceiras pessoas a eles relacionados, ainda que mediante solicitação destes”, limita-se a dizer o documento.
O Anexo I do acordo, cujo título é “Histórico de Atos Lesivos” e presumivelmente narra as irregularidades, não foi tornado público, impedindo que seja possível verificar os agentes envolvidos, as licitações públicas que foram alvo de irregularidades e os valores pagos a título de propina.
O papel central do Anexo I está refletido no próprio acordo, que o menciona 32 vezes nas 29 páginas. Porém, no documento assinado pelas partes ficou estabelecido que os três anexos só serão divulgados se todas as partes envolvidas concordarem.
Quando o entendimento entre o governo e a empreiteira foi anunciado, em 18 de agosto, o controlador geral do Estado, Rodrigo Fontenelle, disse que o dinheiro devolvido pela empresa era referente a fraudes em licitações em obras da Cemig e da Codemig, essa última responsável pela construção da Cidade Administrativa.
E ele indicou que há mais irregularidades. “A fraude em licitação é a origem, mas, depois disso, para que consiga fechar esse ciclo, a gente tem recursos não contabilizados por meio de recursos de contratação e faturamento de serviços fictícios”, disse o corregedor geral na época. Também foi dito na ocasião que os detalhes do acordo eram sigilosos porque havia investigações do Ministério Público em curso.
O advogado Joab Ribeiro Costa reclama que o acordo foi “seletivo” por não incluir outras irregularidades praticadas pela empreiteira, que, segundo ele, são “públicas e notórias”. “Houve seletividade por parte da construtora em escolher qual ou quais contratos fraudados ou superfaturados englobava o acordo, limitando a leniência à ponta do iceberg”, diz.
Ele exemplifica que, além das fraudes admitidas em relação à Cemig e à Codemig, há o caso de Betim, em que a empreiteira cobra da prefeitura o pagamento de um precatório de R$ 500 milhões por obras da década de 80.
A Prefeitura de Betim, porém, aponta uma série de irregularidades na cobrança, como falsificação de assinaturas em documentos dos anos 80 e 90 usados pela empreiteira para tentar comprovar a existência do débito.
Em setembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a liminar que suspende o pagamento da dívida pela prefeitura em ação impetrada por Joab Costa.
“Quando se faz um acordo dessa natureza, a empresa não pode escolher de quais contratos serão feitos a leniência. Ela tem um compromisso com a verdade e com a legalidade de que irá fazer uma confissão global de todos os ilícitos”, declara o advogado, acrescentando que há um inquérito civil aberto no Ministério Público para investigar o caso de Betim.
'Falta de transparência total', diz deputado
O deputado federal Weliton Prado (PROS) classificou a situação como “falta de transparência total” do acordo. “É assim mesmo que eles fazem, nenhum documento com os crimes confessados foi divulgado. Tudo para que o povo e a imprensa não fiquem sabendo. Também não chamaram a Assembleia, porque sabem que lá se fiscaliza, questiona e cobra”, afirmou o parlamentar.
“É preciso que a verdade seja revelada, para que a gente possa continuar a buscar a responsabilização dessa empresa e de quem mais esteve envolvido. Vamos cobrar a divulgação e a discussão na Assembleia”, declarou Weliton Prado.
O deputado diz que o acordo é só a “ponta do iceberg”: “O absurdo da cobrança ilegal contra Betim, por exemplo, usando até mesmo documentos falsos, não pode prosperar”.
Prefeitura quer comparar modus operandi
A Prefeitura de Betim pediu ao governo de Minas o detalhamento das confissões da Andrade Gutierrez, sem sucesso.
Segundo o advogado Joab Costa, essas informações podem ser úteis para comparar se a empreiteira agiu nas irregularidades que confessou da mesma forma que no caso de Betim.
“(Buscamos os detalhes) até para fazer um estudo e verificar se aquela confissão espontânea pode ser o mesmo modus operandi que eles usaram no caso de Betim antigamente”, justificou.
“Esse é o primeiro acordo de leniência coberto por sigilo. Na Lava Jato, todos foram publicados na íntegra, até porque a publicação leva ao conhecimento da sociedade o modus operandi dos criminosos. O que se entende no disposto constitucional é a preservação de eventuais testemunhas ou dos agentes que investigam. O acordo deve ser acessível com tarjas que acobertem os agentes públicos, e não os infratores e o modus operandi deles”, finalizou Joab Costa.
Sem resposta
A Advocacia Geral do Estado (AGE) foi questionada se as informações contidas no Anexo I do contrato de leniência assinado pelo governo com a Andrade Gutierrez não seriam essenciais em termos de transparência para a sociedade entender as irregularidades confessadas pela empresa. Também foi questionado o motivo pelo qual a Advocacia Geral do Estado não divulga os anexos e se há planos para que isso ocorra no futuro. “A AGE-MG informa que os anexos do acordo são sigilosos”, limitou-se a responder o órgão.
Os mesmos questionamentos foram enviados para as assessorias de imprensa da Controladoria Geral do Estado (CGE), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e para a Andrade Gutierrez – todos figuram como partes no acordo anunciado em 18 de agosto. As instituições e a empresa não responderam.
Fonte: jornal O Tempo