Toda vez que chove mais forte com vendavais acima da velocidade média, o gerente de projetos João Sidou, morador do bairro do Sumaré, na zona oeste da capital de São Paulo, fica sem energia durante dias seguidos. A última queda, na semana passada, durou três dias e ocorreu exatamente durante a apresentação online de um projeto para a chefia da empresa e seus clientes. É claro que ele também perdeu o que estava na geladeira
O problema vivenciado pelos paulistanos não difere do de outros milhões de brasileiros que vivem em cidades e estados cujos governos privatizaram estatais de energia e deixaram a prestação desse serviço essencial nas mãos de empresas da iniciativa privada, sempre mais interessadas nos lucros do que no serviço que prestam.
Um levantamento do jornal Folha de São Paulo mostrou que em fevereiro deste ano, 4 em cada 10 (38%) regiões da Grande São Paulo atendidas pela Enel estouraram a meta máxima de nove horas sem luz ao longo do último ano.
A situação é a mesma nas cinco regiões do país, onde empresas de energia elétrica foram vendidas para iniciativa privada: há quedas de energia, falta de pessoal e contas caras, pontua Delmar Beloti, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia Campinas), que compreende ainda as cidades de Araraquara e Pedregulho.
Os motivos
1 - Menos mão de obra
Após comprarem as estatais, as empresas demitem muitos trabalhadores. Só em Franca, no interior de São Paulo, dos 170 que trabalhavam na empresa, ficaram apenas 70, quando a empresa foi privatizada em 1998, segundo Beloti se referindo a venda da Eletropaulo Metropolitana para a Enel, uma empresa italiana com sede em Roma que atua na geração e distribuição de energia elétrica e na distribuição de gás natural, pelo falecido governador Mário Covas (PSDB).
2 - Terceirização
As empresas da iniciativa privada investem na terceirização para reduzir salários e custos trabalhistas. Os novos trabalhadores não são devidamente treinados para as funções.
4 - Faltam ferramentas
As empresas também não investem em ferramentas e equipamentos adequados para os trabalhadores. O resultado é que o consumidor fica de três a quatro dias sem energia elétrica, principalmente em áreas rurais.
“As equipes trabalham sempre no limite. Quando ocorre um temporal com queda de árvores não tem equipe de reparo suficiente porque só tem trabalhador para o dia a dia, sem pessoal que possa atender a todas as ocorrências. As empresas também não pagam o sobreaviso pro eletricista ficar de plantão e ele tem de correr para atender dois, três lugares quando só tem tempo de atender um”, afirma o dirigente sindical.
O resultado deste cenário caótico é que, em várias regiões do país, os brasileiros vivem situações como a que o gerente de projetos João Sidou vive na cidade mais rica do pais. A última vez que foi pego com o corte de energia, ele teve de terminar a apresentação de um trabalho pelo celular. Depois, correu para a casa de sua mãe, na cidade vizinha de São Caetano, para levar os alimentos da geladeira e trabalhar.
“A falta de luz começou no dia 3, uma quinta-feira, de forma intermitente. Na sexta se agravou e no sábado cortou de vez por 60 horas”, conta Sidou, lembrando que, à noite, ele, a mulher que trabalha semipresencial e os filhos, de 12 e 11 anos, tiveram de ficar em casa, no escuro.
“Ainda tem o perigo de assaltos e roubos. Os moradores do bairro se reúnem em grupos de WhatsApp para se comunicar e fazer alertas caso haja algum perigo por perto. O stress foi muito grande”, diz.
O mesmo drama vive o povo de Porto Alegre, depois que o também tucano Eduardo Leite (PSDB) privatizou a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), vendida ao Grupo Equatorial Energia em 31 de março de 2021.
No Amapá, o povo não esquece o apagão, nem a explosão no valor das contas de luz, que também afeta quem mora em Goiás, Maranhão, Alagoas, Pará e Piauí.
No Distrito Federal, a população não aguenta mais e as reclamações no Procon aumentaram 532%.
Em todos esses casos as empresas de energia foram privatizadas, como já haviam alertado os dirigentes sindicais em reportagens do Portal CUT, nos últimos três anos, e os problemas não terminaram. A população continua sofrendo com serviço de má qualidade e preços exorbitantes.
Para o horizonte ficar ainda mais escuro há o processo de privatização da Eletrobras, o que pode deixar o setor enérgico e estratégico para o país nas mãos do capital estrangeiro.
Fonte: CUT Brasil, por Rosely Rocha