O relatório final da CPI da Cemig, que apurou irregularidades na gestão da Companhia Energética de Minas Gerais por seis meses, pede o indiciamento do presidente da estatal, Reynaldo Passanezi Filho, e de outros diretores da empresa. Também é citado Evandro Negrão de Lima Júnior, vice-presidente do partido Novo, o mesmo do governador Romeu Zema.
O texto, apresentado na quinta-feira (17/2), na Assembleia Legislativa, solicita ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o indiciamento de Passanezi pela prática dos crimes de peculato, em concurso de pessoas e em concurso formal impróprio de crimes, improbidade administrativa e contratação direta ilegal.
Além de Evandro e Passanezi, o relator, Sávio Souza Cruz (MDB), pede denúncias contra quinze pessoas ligadas à Cemig e oito empresas. A peça, com mais de 300 páginas, vai ser analisada pelos outros deputados estaduais da CPI da Cemig e deve ser votada amanhã (18/2).
Se aprovado, o dossiê será encaminhado não apenas ao MPMG, mas também a órgãos como Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e Ministério Público de Contas (MPC-MG), além de Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Tribunal de Justiça estadual (TJMG).
Evandro Negrão, que depôs nesta semana aos deputados, teve o indiciamento pedido por, supostamente, ter cometido usurpação da função pública. Em 2019, quando a Cemig buscava um novo presidente, o dirigente do Novo, a pedido do então secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Cássio Azevedo, procurou a Exec, empresa responsável por captar executivos no mercado, e solicitou um orçamento.
A estatal contratou os serviços da Exec e, durante o processo seletivo, Reynaldo Passanezi passou por uma sabatina que teve a participação de Zema e Evandro Negrão. Em outra oportunidade, ele chegou a ser entrevistado por João Amoêdo, então presidente nacional do Novo.
Eduardo Soares, diretor do setor jurídico da Cemig, além de mencionado nos itens que pedem o indiciamento de Passanezi, também é apontado como praticante de corrupção passiva.
Contratos suspeitos pautam parte de relatório
A Exec é uma das oito empresas citadas no pedido de indiciamento por improbidade administrativa. Todas estão envolvidas em contratos suspeitos analisados pela CPI. No caso da headhunter, além de ter sido o dirigente do Novo o responsável por obter a primeira proposta financeira, o trato, no valor de R$ 170 mil, só foi assinado após Passanezi assumir a presidência. A prática, chamada de convalidação, é utilizada para validar acordos retroativos.
Para o relator, a contratação da Exec para conduzir a seleção de um novo presidente foi "verbal, totalmente informal e arbitrária". A empresa, que tem sócios ligados ao partido Novo, participou da montagem do secretariado de Zema no fim de 2018.
"Caso se confirme que recursos da Cemig foram utilizados para o pagamento de serviços prestados ao partido Novo, a conduta, em tese, é passível de configurar desvio de valores pertencentes a uma empresa estatal para proveito de uma entidade privada (partido Novo e Exec), configurando, em tese, o crime de peculato", aponta Sávio Souza Cruz, ao explicar porque reivindica, às autoridades, que Reynaldo Passanezi e outros diretores da estatal sejam enquadrados no crime de peculato.
A assinatura retroativa do acordo, via convalidação, por sua vez, é o que teria gerado a improbidade administrativa.
Como já mostrou o Estado de Minas, a Cemig firmou pelo menos quatro convênios dispensados de licitação para contratar executivos - somados, os gastos ultrapassam R$ 1 milhão.
Acordo bilionário gera mais pedidos de indiciamento
A CPI também analisou outros contratos assinados retroativamente e firmados sem a necessidade de licitação. Um deles, por exemplo, tem valor de R$ 1,1 bilhão. O caso envolve a IBM, multinacional de tecnologia, e a AeC, empresa do ex-secretário Cássio Azevedo, que morreu no ano passado por causa de um câncer. Elas também estão no grupo que pode ser indiciado por improbidade.
O convênio entre a Cemig e a IBM foi oficializado pouco tempo após a estatal romper acordo com a Audac, que havia vencido concorrência para administrar o atendimento telefônico. Depois que tomou o controle do serviço, a IBM repassou, via sublocação, a responsabilidade pelas ligações à AeC, que havia sido derrotada pela Audac no pregão.
Em nota, a Cemig afirmou que só vai se manifestar sobre os trabalhos da CPI após a votação do relatório final. "Todos os atos da atual gestão da Cemig visam preservar o patrimônio da Companhia e assegurar a melhoria da oferta de serviços de energia elétrica aos seus clientes, seguindo rigorosamente a legislação pertinente, em especial a Lei das Estatais", lê-se em nota enviada pela companhia.
O que dizem os citados
Procurado pelo Estado de Minas, Evandro Negrão reiterou ter dado opiniões sobre a necessidade de contratar uma headhunter para tocar a escolha de um novo presidente após ser perguntado por integrantes do governo estadual.
"Foi solicitada uma proposta a uma empresa reconhecida nacionalmente [a Exec], que preenchia os requisitos necessários e apresentou um preço abaixo do de mercado. Essa proposta foi encaminhada ao secretário Cássio e ao então presidente [Cledorvino] Belini, [da Cemig], que deram sequência à decisão de contratação da empresa de recrutamento".
A AeC, por seu turno, defendeu a "legalidade" e a "transparência" de seus serviços. "A AeC atua há quase 30 anos no mercado, tendo prestado serviços para centenas de empresas, dentre as quais, Cemig e IBM. A empresa esclarece que todos os contratos e serviços prestados ao longo de mais de uma década para a Cemig e, mais recentemente, para a IBM foram e são pautados pela legalidade, idoneidade e pela absoluta transparência", informou.
A IBM assegurou operar "em aderência às leis brasileiras" e garantiu estar cooperando com as investigações. A Exec foi procurada, mas não ainda não respondeu.
O relatório pede, ainda, que o Ministério Público denuncie por improbidade administrativa escritórios de advocacia e outras empresas que firmaram contratos diretos, dispensados de licitação, com a Cemig de 2019 para cá.
Um deles é o Lefosse Advogados, que afirmou prestar serviços e participar de concorrências abertas pela Cemig desde 2017. "Todas essas contratações foram realizadas de acordo com as leis e regulamentos de licitação. O Lefosse e seus representantes não foram ouvidos ou consultados pela CPI, mas o escritório aguarda com tranquilidade a manifestação do Ministério Público, a quem poderá dar todos os esclarecimentos necessários", informou a sociedade.
O escritório Thomaz Bastos, Waisberg e Kurzweil Advogados também é mencionado nesse tópico do relatório, mas optou por não emitir posicionamento. A sociedade Terra, Tavares, Ferrari, Elias Rosa também citada, afirmou não ter sido procurada pela CPI e sustentou a legalidade do pacto com a Cemig.
"Os serviços eram indispensáveis para a defesa do patrimônio público e os profissionais envolvidos são inquestionavelmente habilitados para tanto. A contratação, por outro lado, derivou da composição de equipe forense constituída para investigar irregularidades apontadas pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e também para representar a Companhia em outros procedimentos, inclusive junto ao Tribunal de Contas".
As empresas Kroll e WeWork, acionadas pela Cemig, respectivamente, para uma investigação forense interna e para a cessão de um espaço compartilhado de trabalho, também constam no relatório.
A WeWork enviou comunicado sobre as relações com a estatal e ressaltou que o contrato negociado e os serviços prestados seguiram os "processos e procedimentos padrão" da empresa. "O contrato de prestação de serviços entre a WeWork e a CEMIG foi celebrado considerando a negociação entre as partes", pontuaram.
Paralelamente, a Kroll disse preferir a votação do relatório final para avaliar as medidas a serem tomadas. Apesar disso, a empresa pontuou que as atividades fornecidas à Cemig seguiram a legislação e usaram "as melhores práticas no âmbito das investigações corporativas".
Fonte: Portal do EM, por Guilherme Peixoto