Depois de articular com Bolsonaro e passar por cima do legislativo mineiro, durante o mês de julho Romeu Zema (Novo) avançou na adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
O projeto, criado pelo governo Temer (MDB) e atualizado por Bolsonaro (PL) é criticado por especialistas, economistas e servidores públicos. Para eles, a adesão ao RRF, além de não melhorar a situação do estado, pode deixá-la ainda pior.
Ao aderir à proposta, a dívida dos estados com a União pode ser suspensa e ter condições diferenciadas de pagamento ao longo de nove anos. Porém, ela é cobrada posteriormente com correções e juros. Em março deste ano, Minas devia aproximadamente R$ 105,6 bilhões.
Além disso, o regime impõe exigências, como a suspensão de concursos públicos, a proibição de reajustes salariais aos servidores e a privatização de empresas estatais.
Ao estabelecer disciplina fiscal rígida, a promessa do RRF é de que os estados irão melhorar sua performance e, consequentemente, obter mais condições de empréstimos.
Porém, na avaliação de Maria Aparecida Meloni, vice-presidenta da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a adesão ao regime implica na supressão de serviços essenciais e na perda de autonomia estatal.
“O RRF não vai melhorar a situação do estado. É uma proposta que já foi testada e não produziu os efeitos desejados. Ele restringe a capacidade do estado de investir ou de ampliar os serviços, e estabelece regras que ferem a autonomia federativa”, argumenta.
Dívida do Rio de Janeiro cresceu com RRF
O Rio de Janeiro foi o primeiro a aderir à proposta, em 2017. Com uma dívida que, na época, correspondia a 240% de sua receita, a expectativa era de que a situação do estado fosse melhorar. Porém, três anos depois, o Rio viu a dívida saltar para 310%.
“Não deu certo no Rio de Janeiro. O Regime tirou a autonomia do estado, quase que totalmente, obrigou a privatização de estatais públicas e criou uma situação muito delicada”, enfatiza Jairo Nogueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG).
Para garantir a continuidade do estado no programa, em 2021 o Rio de Janeiro privatizou a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Após a venda, a Cedae já contabilizava em fevereiro deste ano 1,8 mil demissões.
Alternativas
Em maio, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) votou favorável ao Projeto de Lei (PL) 3.711/2022, em resposta à insistência de Zema, que não conseguiu a aprovação do RRF no legislativo mineiro.
Diferente do regime, o PL autoriza que o estado confesse sua dívida com a União e a renegocie, com um prazo de 30 anos para pagamento.
Além dessa, especialistas afirmam que existem ainda outras alternativas ao RRF, como a revisão da dívida e o questionamento de valores cobrados irregularmente, com uma auditoria.
Dados do Tesouro Nacional demonstram que Minas quitou R$ 45,8 bilhões de juros e amortizações, entre 1998 e 2019. Porém, no mesmo período, a dívida do estado aumentou de R$ 14,9 bilhões para R$ 93,7 bilhões.
“Existem outras formas para que Minas Gerais acerte seu débito. Por exemplo, nunca se apurou o valor real que o estado deve", defende Ronaldo Ribeiro, diretor do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Minas Gerais (Serjusmig).
O sindicalista lembra ainda que o governo de Minas renunciou aos créditos que tinha com a União, em compensação pelas perdas da Lei Kandir. Na ocasião, Zema perdoou 90% dessa dívida e parcelou o restante em 25 anos, o que comprovaria que não há necessidade de adesão ao RRF.
Há quem defenda ainda que a própria arrecadação do estado seria suficiente para estabelecer um equilíbrio, voltar a pagar as parcelas da dívida, sem perder a capacidade de prestar serviços à sociedade e de investimentos.
“É possível equacionar fora do Regime. É preciso sentar e negociar com a União o retorno do pagamento da dívida ou uma carência”, argumenta Maria Aparecida Meloni.
Zema quer RRF a todo custo
Na ALMG, o Projeto de Lei (PL) 1202, de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, tramita desde 2019.
Em 2021, Zema encaminhou um pedido de urgência na apreciação da proposta. Porém, em meio a protestos dos movimentos populares e forte oposição dos parlamentares, o PL não foi ao plenário.
Em maio deste ano, Zema solicitou novamente urgência aos deputados e, sem alcançar seu objetivo, recorreu às articulações nacionais.
No início de julho, o governador se reuniu com Jair Bolsonaro e pediu seu apoio para a implementação da medida.
Após o encontro, uma decisão do ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente ao STF, delegou ao Ministério da Economia a aprovação ou não da solicitação de Zema.
“Fazer isso no apagar das luzes, num ano de eleição, com a possibilidade de um novo governo em Minas, é um golpe que o Zema tem dado no estado. Como Minas não quis, ele conseguiu no tapetão”, critica Jairo, da CUT.
Dias depois, a resposta foi de que o estado está apto a aderir ao regime. Agora, o Ministério da Economia e o governo de Minas devem elaborar o Plano de Recuperação Fiscal, que descreve as medidas que serão tomadas nos próximos anos.
Sindicatos se mobilizam
Um ato na Cidade Administrativa está previsto para sexta-feira (5), às 9h, com representação das categorias do funcionalismo público estadual.
“Vamos protestar contra as manobras do governo no STF para implementar o RRF sem a autorização do Poder Legislativo”, afirma Denise Romano, coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE).
A mobilização foi deliberada em plenária ampliada, no último dia 19. Outras ações estão previstas para agosto e para setembro. Além dos servidores estaduais, se somam à luta contra o RRF os metroviários, petroleiros e trabalhadores dos Correios.
Para Valéria Morato, presidenta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), os servidores serão os primeiros a serem afetados com o Regime de Recuperação Fiscal.
“Os trabalhadores já não têm reposição salarial justa há anos e teriam seus salários congelados, além de outros direitos suspensos. Também seriam proibidas novas nomeações e realização de concursos públicos, prejudicando serviços que já são insuficientes e com carência de servidores”, afirma.
Fonte: Brasil de Fato MG, por Ana Carolina Vasconcelos e Andressa Schpallir