Favorecimento de grandes empresas e aparelhamento de emissoras públicas são algumas consequências da proposta
Uma das prioridades de Romeu Zema (Novo) para o início do mandato, o projeto de lei (PL) que trata da reforma administrativa foi enviado pelo governador à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última semana.
Na prática, a medida propõe a criação de duas novas secretarias, oito subsecretarias e a transferência de competências entre as pastas. A matéria aguarda avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Ainda que, na aparência, as mudanças possam não chamar muita atenção, Hugo Rene de Souza, do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco), alerta que é preciso ter cuidado com a reorganização proposta pelo governo.
“Na minha avaliação, o que está por trás dessa iniciativa são as privatizações”, enfatiza o sindicalista.
Uma das alterações propostas no PL 358/2023, que o sindicato denominou como “pacote de maldades”, é a incorporação da governança do Tesouro Estadual, ou seja, dos patrimônios, fundos e ativos, pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede). O dirigente do Sinfazfico destaca que, na pasta, pode haver a gestão da venda de estatais mineiras.
“Temos que ficar de olho nisso. Quem vai ficar responsável pelo debate sobre as privatizações? A Sede tem atribuição de articulação política de alienação e destinação de ativos. Então, a mudança pode estar atrelada também à lógica do governo de privatizar ao máximo”, indaga Hugo.
Pequeno produtor prejudicado
Outra mudança é a exclusão de cargos de chefia da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) e a atribuição ao governo de definir a quantidade de administrações fazendárias no estado.
Para Hugo, quem vai sentir na pele o impacto da medida, é justamente quem mais precisa de auxílio.
“Na prática, ele [o governo] vai deixar de atender o pequeno contribuinte, o pequeno produtor rural, esses que estão no interior do estado. O grande vai sempre ser atendido, mas, aquele que mora e precisa da propriedade para sobreviver, não vai conseguir o auxílio necessário”, pontua.
Além disso, o projeto de lei propõe a criação das secretarias de Comunicação Social e Casa Civil, transfere o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste do Estado (Idene) da Sede para a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese) e transforma o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) em uma subsecretaria vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).
Política sobre Drogas na Sejusp
Outra alteração polêmica é a transferência da Subsecretaria de Política sobre Drogas da Sedese para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Na proposta do governo, a Sejusp passaria a ser responsável, por exemplo, pela “prevenção, educação, informação e capacitação com vistas à redução do uso problemático de drogas lícitas e ilícitas” e “reinserção social de pessoas com problemas decorrentes do uso de drogas”.
Na avaliação do ativista Dário de Moura, a medida é um retrocesso, uma vez que, para ele, o tema deveria ficar sob responsabilidade da Saúde Pública, Assistência Social e Educação.
“Caberia à Sejusp a inteligência de combate ao tráfico de grandes quantidades de drogas e seu financiamento. Ao levar a política de drogas para essa secretaria, Zema tira qualquer possibilidade de respeito ao ser humano e demonstra a sua vontade de perpetuar a já falida guerra às drogas”, comenta.
Ele destaca que a proposta do governo de Minas vai na contramão dos avanços que têm ocorrido ao redor do mundo.
“Portugal, por exemplo, definiu que o papel da segurança pública é encaminhar os cidadãos para o cuidado em saúde e para a assistência social. O Estado brasileiro insiste, sobretudo nas políticas estaduais de segurança pública, em manter a cultura de guerra às drogas, que mata jovens e policiais de baixo escalão negros e pobres”, conclui Dário.
Futuro da EMC em aberto
Ao propor a criação da Secretaria de Comunicação, Zema quer retirar a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), responsável pela gestão da Rede Minas e da Rádio Inconfidência, da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), e colocá-la na nova pasta.
A justificativa do governo é de que a secretaria trará mais “transparência” sobre as ações da gestão. Porém, Lina Rocha, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), afirma que a categoria teme que as emissoras sejam aparelhadas pelo governo.
“Não queremos que a Rede Minas e a Inconfidência se transformem em comunicação institucional do governo. É essencial que seja implementado o Conselho Estadual de Comunicação para coibir qualquer tentativa de censura e cerceamento de liberdade de expressão”, afirma Lina.
Ela destaca que, mesmo antes da mudança de pasta, as emissoras já vêm sofrendo interferências da Secult na produção de pautas.
Extinção da Fucam
Na proposta de nova organização do Estado, nem mesmo a Fundação Educacional Caio Martins (Fucam) ficou de fora. Zema quer passar para a Secretaria de Estado de Educação (SEE) a instituição de 75 anos, que oferece educação básica a jovens do campo, em situação de vulnerabilidade.
Entre os deputados de oposição ao governador, a compreensão é de que a medida irá extinguir a fundação, que é referência em combate à pobreza nas zonas rurais de Minas.
Presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, Beatriz Cerqueira (PT) afirmou que irá escutar as comunidades impactadas pela proposta de mudança.
“E vamos lutar pelos interesses e direitos dessas comunidades”, destacou a parlamentar.
Feam também é “alvo”
Surpreendidos com as mudanças propostas na organização da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), os servidores do órgão enviaram uma nota à Assembleia Legislativa questionando as medidas apresentadas por Zema no PL 358/2023.
“A Feam é colocada como alvo, na nova gestão do governador, enquanto possível solução para abafar os escândalos ocorridos no licenciamento ambiental”, destaca a nota, que critica a transferência da regularização ambiental ao órgão.
Na avaliação dos servidores, o que é necessário, na realidade, é uma mudança de postura da gestão e não apenas uma reorganização do Estado.
“Não são as estruturas que carecem de mudanças neste momento, e sim os comportamentos lesivos e abusivos ao meio ambiente que vieram sendo incutidos ao longo desses anos nas casas para ganho econômico desse ou daquele setor”, conclui.
Por Ana Carolina Vasconcelos, Brasil de Fato MG