Quem é o podcaster negacionista que o Spotify tanto ama



Quem é o podcaster negacionista que o Spotify tanto ama

Joe Hogan é descrito em seu site como “comediante de stand up, fanático por artes marciais mistas, aventureiro psicodélico e apresentador do podcast The Joe Rogan Experience“. E é este último que realmente fez seu nome e, para muitas pessoas, consolidou o podcasting como meio.

Estima-se que 200 milhões de pessoas baixem o podcast de Rogan todos os meses, tornando-o o podcaster mais popular dos EUA.

Quando o Spotify assinou um contrato de US$ 100 milhões com Rogan em 2020 pelos direitos exclusivos de seu podcast, a indústria ficou atenta. Antes disso, os podcasts estavam em todos os lugares, e o status deles como “agnósticos de plataformas” era central em seu apelo para criadores e público.

O acordo era uma aposta, mas baseada em números. Como o jornalista musical Ted Gioia colocou em maio de 2020, “o Spotify valoriza Rogan mais do que qualquer músico na história do mundo”. O motivo? “Um músico precisaria gerar 23 bilhões de streams no Spotify para ganhar o que a plataforma paga a Joe Rogan por seus direitos de podcast”.

A plataforma pode justificar o desembolso espetacular. Há uma tonelada de dólares em publicidade a serem investidos em uma área onde o podcast está reinando no que antes era domínio do rádio. Outros donos de podcast estelares do Spotify incluem Barack Obama e Bruce Springsteen, príncipe Harry e Meghan Markle.

Por que Joe Rogan é tão popular?

O que é importante sobre Joe Rogan também é o tipo de ouvinte que ele atrai. A Media Monitors diz que a audiência de Rogan é “71% masculina e dividida uniformemente entre os graduados do ensino médio e do pós-secundário. Cerca de 57% de sua audiência relata ganhar mais de US$ 50 mil por ano, com 19% ganhando mais de US$ 100 mil”, e tem uma idade média de 24 anos.

O The Atlantic coloca o gênero no centro do apelo de seu podcast, sugerindo que “[Rogan] entende os homens na América melhor do que a maioria das pessoas. O resto do país deve começar a prestar atenção.”

Antes de Rogan assinar com o Spotify, a exclusividade para abrigar podcast era algo inédito. Em 2001, o “hacker de mídia” dos EUA Dave Winer tornou público o RSS (really simple syndication, o feed) que poderia automaticamente “soltar” um episódio de podcast on-line para um assinante. Winer tomou a decisão consciente de tornar o RSS livre e universal, a fim de preservar um ethos democrático para podcasts semelhante aos blogs que ele havia criado recentemente e que tanto amava.

Assinar um acordo exclusivo com Rogan poderia tornar o Spotify uma plataforma de podcasts on demand (e um império na área de áudio) ou poderia fazer Rogan perder fãs. Um estudo do The Verge mostrou que Rogan ganhou seguidores quando fez o acordo.

Parte do apelo de Rogan é sua crueza – com episódios que regularmente têm duas a três horas de duração e com edição mínima (se houver). Ele diz o que pensa e sente no momento, aproveitando o poder emocional convincente da voz de forma semelhante à dos grandes locutores de rádio de qualquer época.

Então, qual é o problema?

Rogan muitas vezes faz afirmações perniciosas. Um exemplo irônico ocorreu quando Rogan circulou um anúncio falso feito por Gruen para representar a propaganda relativa à pandemia feita na Austrália – ficou mais engraçado dado que o anúncio parodiava pessoas que confiavam nos conselhos de Rogan em vez de profissionais médicos.

Ele acrescentou uma correção, ainda que pequena, e esses tipos de erros se tornaram memes desde então.

Muito mais a sério, Rogan tem divulgado teorias da conspiração e desinformação. Ele deu espaço para o discurso do vergonhoso apresentador de rádio Alex Jones, que espalhou uma mentira de que o massacre de Sandy Hook não aconteceu (aparentemente causando conflitos internos no Spotify, no ano passado, como resultado).

De acordo com um relatório da Media Matters, que estudou o Joe Rogan Experience por um ano, o apresentador regularmente divulga desinformação e intolerância. O autor do documento chama a atenção especialmente para a “desinformação e intolerância de direita” de Rogan, “retórica anti-trans” e “desinformação sobre a covid-19”.

Diversos profissionais médicos têm feito campanha contra a desinformação na plataforma, e artistas como Neil Young e Joni Mitchell removeram seus trabalhos do Spotify.

Em resposta, o Spotify finalmente implementou algumas “regras da plataforma“, mas são princípios gerais que evitam infringir a liberdade de criadores como Rogan.

O mais importante em tudo isso é a audiência. Rogan afirma que ele é apenas um comediante tendo longas conversas. Isso soa bem superficial (e é semelhante às infames alegações de “não sou um jornalista, mas um artista” feitas pelos shock jocks John Laws e Alan Jones). Mas na prática as palavras de Rogan são ouvidas por muito mais pessoas do que as de um comediante médio apenas tendo um bate-papo.

O ‘Velho Oeste” dos podcasts

Os podcasts ainda são um relativo “Velho Oeste” como indústria e também como meio. Com laços com a indústria da música e rádio, o podcasting permanece em grande parte não regulamentado e pouco diversificado.

Em um ambiente que conta agora com cerca de 3 milhões de títulos, projetos multimilionários com produção de áudio imaculada e engenhosos roteiros coexistem com amadores que promovem conversas desconexas e quase inaudíveis. Um fenômeno quase global e multiplataforma, o podcasting muitas vezes foge das leis de qualquer jurisdição.

O princípio de origem aberta de Dave Winer para podcasts está em jogo desde que Joe Rogan vendeu seu nome para o Spotify. A questão agora é: onde fica a liberdade editorial? Os podcasters devem ser regulamentados? E, se sim, como?

Em resposta à recente controvérsia do Spotify, Rogan diz que “não está interessado em apenas conversar com pessoas que têm uma perspectiva”. Mas como uma figura pública com uma plataforma tão grande, ele deveria realmente dar o mesmo peso a vozes que se poiam claramente em evidências tão desiguais?

Fonte: Rede Brasil Atual, por Liz Giuffre e Siobhan McHugh

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