Com mais de 14 milhões de trabalhadores e trabalhadoras desempregados, a inflação em disparada, além da redução do valor do auxílio emergencial, que acaba em dezembro, e o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda recomenda ao governo Federal a volta da cobrança de impostos sobre produtos que compõem a cesta-básica. Na recomendação, os ministros do TCU também pediram ao governo uma estimativa de quanto poderia ser arrecadado com a extinção das desonerações sobre a cesta básica.
A ideia deles é que com o dinheiro arrecadado, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) reforce o caixa do Renda Cidadã, programa eleitoreiro com a logo do atual governo, que deve substituir o Bolsa Família.
É mais um movimento deste governo para penalizar os mais pobres, que já estão sofrendo as consequências da pandemia que agravou a crise econômica, e fez explodir as taxas de desemprego, afirma o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, ressaltando que as medidas do governo sempre beneficiam os empresários.
“Manteve-se a desoneração da folha para as empresas compreendendo que o momento não é de mudanças bruscas no que estava se operando. O mesmo deve ser feito em relação às desonerações que beneficiam os mais pobres”, afirma.
A justificativa do TCU é a de que a desoneração não cumpre seu papel social de redução de desigualdades. O cálculo frio doTCU não leva em consideração os milhões de brasileiros que foram excluídos do Bolsa-Família por Bolsonaro, tampouco o desemprego e a falta de renda, nem o subemprego com rendimentos insuficientes para sobreviver. Em 2019, com a isenção, dizem, o governo deixou de arrecadar em torno de R$ 32 bilhões, enquanto o custo do Bolsa Família foi de cerca de R$ 30,1 bilhões.
Falta clareza
Segundo o economista da subseção do Dieese da CUT, Clovis Scherer, o relatório do TCU mostra que os setores beneficiados pela desoneração da cesta se concentram nas regiões Sul e Sudeste do país, mas se referem às empresas que produzem os alimentos e não sobre o consumidor final, ou seja, os trabalhadores.
“Eles descrevem a distribuição regional das empresas dos setores beneficiados pela desoneração da cesta básica. Quanto aos consumidores, naturalmente a distribuição dos beneficiados pela desoneração da cesta vai refletir na população de cada região e a concentração populacional no Sudeste é natural”, diz o economista.
Por isso, segundo Scherer, o TCU deveria apresentar estudos mais detalhados sobre os impactos de uma eventual volta dos impostos. Ele afirma ainda que o TCU não leva em consideração de que há muitas famílias que não estão no programa Bolsa-Família e que, por isso, seriam prejudicadas com o aumento da cesta básica, entre elas uma parcela de trabalhadores que perdeu a fonte de renda durante a pandemia, alguns dependem exclusivamente do auxílio emergencial que será pago só até dezembro.
“Uma eventual reoneração pode agravar o problema enfrentado por milhões de famílias que não estão no Bolsa-Família e ficaram sem renda durante a pandemia, dependendo exclusivamente do auxílio-emergencial, que a dupla Bolsonaro e Guedes quer extinguir em dezembro”, afirma o economista.
O economista ressalta ainda as altas nos preços dos alimentos, que fizeram a inflação disparar e atingir 0,86% em outubro, o maior resultado para o mês desde 2002, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Uma eventual reoneração pode agravar o problema dos altos preços da alimentação que já estamos observando. E neste caso, com impactos muito generalizados no custo de vida e na segurança alimentar da população”, pontua Clovis Scherer.
Manobra política
Em entrevista ao Reconta Aí, o advogado e professor de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, Rodrigo Salgado, explica que o TCU se manifesta após haver provocações, que podem ser tanto do Congresso quanto do próprio governo.
De acordo com o professor, uma das razões para que esse tipo de recomendação ocorra é para “esquentar uma necessidade política: o Executivo, por exemplo, não quer comprar o desgaste de tributar a cesta básica, joga no colo do Congresso, que passa para o TCU e aí diz ‘é um problema técnico, não tem jeito, tem que tributar'”, ele diz.
No caso da cesta-básica, é intenção do governo acabar com a isenção de impostos. Em julho deste ano eles tentaram emplacar um projeto de aumento de impostos da cesta-básica, justamente para bancar o Renda Cidadã, mas a repercussão negativa fez Bolsonaro voltar atrás.
Ainda de acordo com Rodrigo Salgado, ampliar o programa Bolsa-Família e manter a desoneração não são necessariamente opções excludentes e por isso, as posições do TCU “não necessariamente deixam de ser políticas”.
Fonte: CUT