Privatização não resolve: só o crescimento tira Minas do abismo



Privatização não resolve: só o crescimento tira Minas do abismo

Em audiência pública ficou claro que é a revogação da lei Kandir e não o ajuste recessivo, como defendem governo Federal e Romeu Zema, que pode salvar os estados

Nem enxugar a máquina, nem reduzir os serviços essenciais e tampouco destruir a previdência ou privatizar estatais que dão lucro para o Estado. O que deve tirar Minas Gerais da crise e promover a volta do crescimento econômico é outro tipo de ajuste fiscal.

Essa foi a conclusão a que chegaram especialistas reunidos no último dia 24, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), durante a audiência da Comissão de Desenvolvimento Econômico. Professores, deputados, representantes sindicais e o secretário da Fazenda do Pará, René de Oliveira, discutiram alternativas para enfrentar o problema e citaram medidas mais criativas e eficazes que os cortes anunciados por governos. A reunião foi um pedido da deputada Marília Campos (PT) e do deputado Glaycon Franco (PV).

Uma das pautas discutidas foi a lei Kandir, que, desde 1996, força estados a isentarem de ICMS as exportações de produtos primários, como o minério. O professor da UFMG e membro do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), João Romero Prates, defendeu o aumento de impostos para os mais ricos, como o tributo sobre heranças, e o fim da isenção do ICMS prevista na Lei Kandir, para aumentar as receitas.

Ele disse que é um equívoco o discurso dos governos de comparar o estado com a economia familiar.  “Um Estado é diferente de uma família. Nos governos, toda vez que se corta gasto, deprime-se a economia. Seria o mesmo que uma pessoa que, toda vez que economizasse, tivesse seu salário reduzido”, explica.

 

Impulso para o agronegócio e desindustrialização

Segundo dados oficiais, de 1996 até 2017, os estados brasileiros, o Distrito Federal e os municípios perderam R$ 636,9 bilhões com a Lei Kandir. Nesse período, o percentual médio de ressarcimento das desonerações foi de apenas 21,6%. Na prática, o agronegócio foi favorecido, mas houve desindustrialização.

O secretário da Fazenda do Pará, René de Oliveira de Sousa, revelou que há cinco anos o Estado protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando a não regulamentação das compensações.

Em 2016, O STF determinou para o Congresso o prazo de um ano para intervir na situação. E, caso o legislativo não agisse, caberia ao Tribunal de Contas da União fixar o montante anual a ser transferido às unidades da federação e os critérios para rateio entre elas. Em março de 2019, o Tribunal reabriu o prazo, concedendo mais um ano ao Congresso.

 

Estados aos pedaços

O professor de Direito Público da UFMG, Onofre Alves Batista Júnior, considera que a Lei Kandir e os impostos sobre consumo compõem uma estratégia da União de favorecer a exportação e desmontar estados com a invasão de competências.

Ele lembra que o SUS, quando lançado, em 1988, era custeado pelo governo federal em 80%. Com o tempo, a participação federal foi caindo e hoje a União paga menos de 40% do custo do SUS. O restante ficou para estados e municípios.

Onofre avalia que a sobrecarga dos estados se agravou quando Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei Kandir. “Matou-se a base tributária dos Estados, que se endividaram muito a partir do sistema de captura de receita montado”, explicou. E a situação piorou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que permite reter parte dos impostos dos estados. “As pessoas vivem é nos estados e todos devem se juntar na briga para mais repasse de recursos da União”, defendeu.

 

Parlamentares em defesa de Minas

Os deputados federais Júlio Delgado (PSB-MG), Rogério Correia e Reginaldo Lopes, ambos do PT, defenderam a revogação da Lei Kandir, devolvendo a competência tributária aos estados e municípios. Na avaliação de Rogério Correia, os crimes da mineração criaram uma conjuntura mais favorável ao debate sobre a tributação do setor.

 

Pensar o Estado e a Cemig

O coordenador geral do Sindieletro, Jefferson Silva, participou da audiência e questionou as afirmações dos governos federal e de Minas  de que as privatizações e a Reforma da Previdência solucionariam a dívida dos estados. Segundo ele, os dados apresentados comprovam o equívoco de Romeu Zema.

“Ao tentar privatizar, ele trocaria o protagonismo da Cemig – visto que o Estado detém 59,09% das ações da estatal- por 17% das ações preferenciais. Essa operação renderia para Minas algo entre R$ 3 e R$ 4 bilhões, quantia que corresponde a apenas um mês da folha do funcionalismo em nosso Estado e a dívida continuaria”.

O economista João Prates reforçou  os alertas do Sindieletro. “Não adianta falar em plano de recuperação por meio da privatização da energia e saneamento porque isso já foi feito em vários países. Lá, as empresas estão sendo reestatizadas porque se trata de monopólios naturais, e a população verificou que preços dos serviços aumentaram enquanto a qualidade do atendimento caiu”.

Foto: ALMG

 

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