Privatização da água em Minas: Ouro Preto comprova a má gestão de Romeu Zema



Privatização da água em Minas: Ouro Preto comprova a má gestão de Romeu Zema

Por Renata Barbosa*, no Le Monde diplomatique Brasil


A federalização, que consiste na transferência da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) para o governo federal, seria a única maneira viável, atualmente, para que não seja a população do estado de Minas, mas, sim, o estado de Minas a arcar com a dívida de R$ 156 bilhões contraída com a União. Essa medida, discutida entre técnicos do Senado e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, faz parte do Plano B, em que tanto o nome como as soluções anti-privatistas não estão alinhados ao Programa Todos por Minas, apresentado pelo governador Romeu Zema. As diligências da proposta visando à adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) incluem medidas austeras e impopulares contra os mineiros, como o congelamento do salário dos servidores públicos por nove anos e as privatizações da Cemig e Copasa.

Isso porque, dentre todas as possibilidades de privatização, a mais controversa gira em torno do direito à água do planeta, posto que apenas cerca de 0,5% dela é potável e corre risco de escassez. Com esse entendimento, porém, a tendência das cidades que privatizaram seu sistema de saneamento e água é buscar a remunicipalização, já que a presença do Estado é fundamental para regularizar, monitorar e fazer cumprir o direito à água para sua população.

Contudo, reverter uma privatização é extremamente difícil, por causa da ruptura do contrato de concessão que beneficia as empresas privadas. É o caso de Ouro Preto, que apesar dos inúmeros protestos da população contra a empresa Saneouro, responsável pela distribuição de água no município, a anulação contratual consistiria em uma multa de R$ 300 milhões aplicada à Prefeitura.

Uma análise da situação atual demonstra a crítica trajetória do eleitor que votou no ex-prefeito Júlio Pimenta. Indiciado por improbidade administrativa pela excessiva arrecadação tarifária que a Saneouro cobrava, Júlio Pimenta é comparado aos colonos locais, em sua atuação contra o povo, durante a Inconfidência Mineira. O atual prefeito da cidade Ângelo Oswaldo foi eleito em virtude da promessa de remunicipalizar a água no município. Contudo, também aderiu ao sistema da privatização, afirmando: “não posso fazer um gesto espetacular”.

TARIFA RESIDENCIAL


Anteriormente à concessão, a população de Ouro Preto pagava uma taxa de água de aproximadamente R$ 27 por mês. Após a privatização, 10 m³ de água, para a tarifa residencial, passaram a corresponder a R$ 79,88: um reajuste perto de 200%. Já o preço para apartamentos é 80% maior. Em média, o consumo de água de uma família ultrapassa o volume de 10m³, principalmente as que são compostas por mais de dois membros. Sem contar erros nas tarifas que excedem um aumento de 5.000%.

Em 23 de maio, a Saneouro notificou um desconto de 28% para quem gasta até 10m³, com tarifa de R$ 65 e, para consumo de 15m³, R$ 117, com água tratada e coleta de esgoto. Todavia, esses valores permanecem mais altos em comparação com outros municípios da região, além das tarifas se manterem excessivas também para outras faixas de consumo.

QUALIDADE DA ÁGUA/TARIFA SOCIAL

Após a privatização, um estudo constatou a violação do padrão de potabilidade da água (qualidade microbiológica), o que poderia causar doenças relacionadas à contaminação hídrica. Devido ao fato, a concessionária foi multada em mais de 2 milhões de reais, em 2023.

Além disso, quase um terço da população de Ouro Preto encontra-se em situação de vulnerabilidade financeira. As exigências para se obter a Tarifa Social são: inclusão no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), mediante comprovação de renda per capita de até 1/2 salário mínimo; consumo médio de energia até 100 kWh/mês; consumo mensal de até 10m³ de água e não ter débitos há mais de noventa dias. Inadimplentes por três meses teriam o benefício cancelado. Entretanto, a empresa privada beneficiava apenas 5% da população com a Tarifa Social.

Recentemente, a concessionária expandiu a vantagem para todos os beneficiários do CadÚnico. Porém, os requisitos para obter a Tarifa Social continuam difíceis de serem cumpridos, pois, dependendo do tamanho da família, o consumo de 100 kWh/mês e 10m³ de água é irrisório.

Isso, por sua vez, resulta em rupturas no benefício e nos serviços, uma vez que a população carente pode não conseguir pagar a dívida acumulada. Houve 2.723 cortes de água no município apenas entre janeiro e agosto de 2023.

SERVIÇOS

A proposta da Saneouro, de concluir 90% da coleta de esgoto para a população em quinze anos, não está de acordo com o Novo Marco Legal de Saneamento Básico, em vigor até 2033, por duas razões: a exclusão de parte da população carente da obtenção dos serviços de água potável e saneamento e a incapacidade de alcançar 90% de coleta em dez anos (2023-2033). Sem contar o descumprimento da meta 6 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, que determina a universalização dos serviços com prazo até 2030.

Em Minas Gerais, cinco outras cidades também têm seus serviços de água e esgoto controlados por concessionárias: Araújos, Bom Sucesso, Pará de Minas, Paraguaçu e Santo Antônio do Amparo. Após as privatizações, houve reajuste das tarifas, muito além do valor cobrado pela Copasa, em outras cidades da região. De acordo com o Instituto Trata Brasil (2021), desse total, quatro municípios não têm adesão ao sistema de esgoto para a população rural. Além disso, as empresas privadas em três cidades também não fornecem água potável à zona rural: Araújos, privatizada em 2002 pela Sanarj, Paraguaçu, desde 2000 com a concessionária Consagua, e Santo Antônio do Amparo, privatizada em 2019 pela Águas de Santo Antônio do Amparo.

Os exemplos dos municípios demonstram que o subsídio cruzado não funciona com as companhias privadas. Em suma, a parcela da população pobre, localizada em área rural e assentamentos irregulares, dificilmente terá acesso à água potável e saneamento distribuídos pelas concessionárias. Além disso, o aumento das tarifas afeta substancialmente o salário da população, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que afirma que o pagamento pelos serviços de água não deve comprometer mais do que 3% da renda mensal de um indivíduo (e 2% para esgoto). Isso contribui para o crescimento da pobreza e da desigualdade social, pois, para a população que se encontra em vulnerabilidade financeira, são insustentáveis os reajustes tarifários.

Privatizações fazem parte da cartilha neoliberal, cuja ideia seria economizar recursos financeiros e diminuir o tamanho do Estado. Contudo, como demonstrado nas cidades de Minas Gerais que privatizaram seus sistemas de água e saneamento, empresas privadas objetivam lucro, e, assim, as práticas corporativas levam à inacessibilidade e descontinuidade de serviços e aumento de preços. Ademais, o teor recôndito das concessões contribui para a corrupção em nível municipal, estadual e federal.

Caso a federalização aconteça, que seja revista a situação dos moradores de Ouro Preto para que, em sua luta contra a privatização, consigam a anulação do contrato da cidade com a Saneouro. Em relação aos demais residentes dos municípios mineiros que clamam pelo direito à água potável e saneamento básico, que seja também dada a opção de reverter a privatização dos serviços pois Zema quer anular o direito de referendo popular para as privatizações de água, saneamento e energia (como consta na Constituição do Estado de Minas Gerais, art. 14, § 17 ) – já que gestão nenhuma de recursos naturais se faz pela mão invisível do mercado. Na contramão da democracia, as reivindicações populares não atendem os interesses de Romeu Zema, que – assim como Júlio Pimenta e Ângelo Oswaldo – está comprometido com executivos e acionistas de empresas privadas, em vez de combater a escassez de água no estado ou assistir as camadas da população com maior incidência de pobreza.

Porém, o principal é que as necessárias alterações na Constituição do Estado de Minas Gerais, decorrentes da federalização, prosperem, e que, jamais, qualquer governador não comprometido com as leis ou com seu povo, possa revogá-las. Assim, reivindica-se a garantia desse acordo, pois, com interpretações tendenciosas da lei e uma possível mudança ideológica do próximo governo federal, o restante do pagamento da dívida por meio da privatização pode ser pleiteado novamente.

 * Renata Barbosa é cientista política, graduada pela Hunter College, em NY. Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), em Londres. Cursou Estudos sobre a Economia Latinoamericana na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em Santiago do Chile.

 

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