A campanha de Romeu Zema, eleito governador de Minas Gerais em 2018, trombeteava aos quatro ventos: uma nova maneira de governar.
Após quase 11 meses de governo, Novo é apenas o nome do partido dele.
Aos poucos, ele vai se envolvendo no lamaçal de corrupção que domina o Estado desde 2003, quando o tucano Aécio Neves, hoje deputado federal, assumiu o seu comando.
É o caso da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
Zema está permitindo que esse grupo do PSDB, ainda maioria na estatal, apague os rastros de um grande esquema de irregularidades.
Em 13 de outubro deste ano, portanto há um mês, a Light aprovou a venda da sua participação de 17% na Renova Energia pelo valor simbólico de R$1,00 – UM REAL.
A Light, subsidiária da Cemig, tem em seu conselho representantes do governo de Minas.
Em 2011, esses 17% da Renova custaram à Light/Cemig R$ 360 milhões.
Curiosamente, na assembleia de acionistas que aprovou a operação, o presidente da Cemig, Cledorvino Belini, deu-se por impedido. O motivo, não se sabe ainda.
A participação da Light foi comprada pelo fundo CGI, que integra o bloco controlador da Renova.
Na terça-feira,12/11, a Cemig Geração e Transmissão — GT decidiu não exercer seu direito de preferência na compra da Renova por R$1,00.
Com a saída da Light da Renova, a Cemig mantém 45,83% do capital da empresa.
Segundo laudo jurídico apresentado ao conselho de administração da estatal, ela será corresponsável por 100% do passivo da Renova avaliado em R$ 3,1 bilhões.
Consequentemente, a Cemig – leia-se o povo mineiro — herdará a dívida de R$ 3,1 bilhões da Renova.
Em comunicado, a Light disse apenas que a transação estava “em linha com a estratégia de desinvestimento de ativos noncore”.
Em bom português significa livrar-se de ativos de alto risco.
O mais grave é que dois dias após a Light vender por R$ 1,00 a sua participação na Renova Energia, esta mesma Renova Energia pediu recuperação judicial.
Atualmente, o bloco controlador da Renova é formado por Cemig, fundo CG I (dos fundadores da companhia), BNDESPar (com 5% do capital) e FIP Caixa.
QUEIMA DE ARQUIVO DE IRREGULARIDADES
A relação promíscua Light-Cemig não é de hoje.
Em agosto de 2008, reportagem do publicada pelo Novojornal denunciou o esquema que Aécio Neves montou para a Cemig comprar a Light.
Toda a documentação que fundamentou a matéria passou a instruir a ação popular nº 002408008068-2, até hoje em tramitação na 3ª Vara da Fazenda Pública de Minas Gerais, sem qualquer decisão.
Mesmo diante das irregularidades na gestão da Light, a Cemig, com autorização do governo Romeu Zema, aprovou em 25 de março deste ano a incorporação e extinção da empresa RME.
A RME, que tinha como sócios a Cemig e Andrade Gutierrez, foi criada para adquirir a Light.
Ou seja, a sua incorporação e extinção foi uma clara queima de arquivo das irregularidades.
Ainda permanece sem solução outro negócio nebuloso envolvendo a Light-Cemig: a aquisição, em 2014, de 51% da Brasil PCH por R$739,9 milhões pela Chipley Participação.
Na época, último ano do governo do PSDB, a Chipley era subsidiária da Renova Energia.
Ou seja, Chipley (então subsidiária da Renova) e Cemig compraram 51% da Brasil PCH, sendo que 49% pertenciam à Petrobrás e 2% à Jopelba.
SUSPEITOS DE DESVIO DE R$ 40 MI DA CEMIG
Não é à toa que a Polícia Federal (PF) está investigando mais de R$ 200 milhões em contratos suspeitos da Renova Energia após receber, em 2014, o aporte de R$ 850 milhões da Cemig GT.
Em abril deste ano, a PF deflagrou a operação E o Vento Levou relacionada a R$ 40 milhões de sobrepreço no projeto denominado Zeus, da Renova, em 2014, com a participação da empresa Casa dos Ventos.
Foi a quarta fase de outra operação da PF, a Descarte, iniciada em março de 2018 com a investigação do escritório Claro Advogados, que tinha entre seus clientes a Casa dos Ventos.
Segundo a PF, esse escritório possuía diversas empresas de fachada para a lavagem de dinheiro; “eram especializados na emissão de notas fiscais frias com o propósito de lavar e sonegar tributos e desvios de recursos”.
Foi a partir das notas fiscais emitidas pela Casa dos Ventos que a PF chegou à Renova e Cemig.
Em entrevista coletiva, o delegado da PF Victor Hugo Rodrigues Alves, que coordenou a operação E o Vento Levou, informou que está sendo apurado o desvio de R$ 40 milhões, supostamente da Cemig, cujo presidente na época era Djalma de Moraes.
Segundo a investigação, são apontados também como suspeitos o ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento de Minas (Codemig), Oswaldo Borges, e o empresário Flávio Jacques Carneiro.
ALIADOS E EX-OPERADORES DE AÉCIO ENVOLVIDOS
De acordo com a investigação, a Cemig GT fez um aporte de R$ 850 milhões na Renova Energia. Após a transferência, afirma a PF, a Renova fez um contrato com sobrepreço de R$ 40 milhões com a Casa dos Ventos.
Explico.
Em 2014, a Casa dos Ventos, desenvolvedora de projetos eólicos, negociou o chamado projeto Zeus por um valor de R$ 145 milhões. O valor do negócio, no entanto, foi estabelecido em R$ 105,2 milhões.
Antes mesmo da assinatura do contrato entre as empresas, houve um ‘adiantamento’ de R$ 40 milhões, que seria o sobrepreço do projeto.
Esse fator, disseram as autoridades, é atípico nesse tipo de operação, o que levantou suspeitas sobre a operação.
Segundo o procurador da República, Vicente Mandetta, o presidente da Cemig à época, Djalma Moraes, sabia dessa operação.
Segundo a investigação, cobrança de R$ 40 milhões teria partido de diretores da Cemig, da Codemig e da Andrade Gutierrez Energia.
Em abril deste ano, quando ocorreu a operação E o Vento Levou, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou a decretação da prisão temporária de Djalma Moraes, Oswaldo Borges da Costa e Flávio Jaques Carneiro, coincidentemente três operadores de Aécio Neves.
Djalma Moraes e Dimas Toledo (que não está nessa ação) operavam no setor elétrico.
Oswaldo Borges da Costa, o Oswaldinho, na Codemig.
Flávio Jaques Carneiro representava a irmã de Aécio, Andréa Neves, no Jornal Hoje em dia.
A Justiça, porém, negou o pedido de prisão temporária dos três investigados; eles apenas foram ouvidos pela PF em São Paulo e em Belo Horizonte.
QUEM SERÁ RESPONSABILIZADO PELOS PREJUÍZOS DA CEMIG?
Apesar dessas pendências judiciais, Zema defende insistentemente a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais.
Ele prevê que a operação poderá render ao Estado R$ 10 bilhões.
Segundo o secretário de Minas, Otto Levy, a dívida da Cemig é de R$ 6 bilhões e a empresa não tem condições financeiras para participar dos leilões das concessões de três de suas hidroelétricas que vencem entre 2024 e 2025.
Por esses dados (previsão de venda por R$ 10 bi e dívida de R$ 6 bi), Minas Gerais ficaria com R$ 4 bilhões.
Agora, se somarmos aos R$ 6 bilhões informados por Levy os prejuízos acumulados pela Light e Cemig devido aos investimentos de R$ 3,44 bilhões apenas no grupo Renova, a dívida da Cemig é de R$ R$ 9,449 bilhões.
Esmiuçando as contas:
Dívida da Cemig informada pelo secretário Otto Levy= R$ 6 bilhões
Venda da participação da Light na Renova, em recuperação judicial=R$ 1,5 bilhão
Aporte na Renova pela Cemig GT= 850 milhões
Aquisição pela Light de participação na Renova=R$ 360 milhões; em outubro, Zema vendeu por UM REAL
Compra de 49% das ações da Brasil PHC pela Cemig=R$ 739,9 milhões
Resultado total: R$ 9,449 bilhões
Ou seja, o valor é um pouco menor que o valor governador Zema prevê com a sua privatização.
Porém, relatórios que circulam no mercado indicam que o buraco é maior: a dívida da Cemig já ultrapassaria os R$ 11 bilhões.
Ou seja, pelo menos, R$ 1 bilhão maior do que o valor previsto por Zema pela venda.
Se verdadeira a informação, o governo de Minas ficaria sem a Cemig e ainda devendo. E, aí, quem pagaria a conta seria o consumidor mineiro, com o repasse do valor para a tarifa de energia elétrica.
Ou seja, com apenas uma transação, a compra da Light, Aécio liquidou com a Cemig, maior patrimônio e orgulho do povo mineiro.
Quem será responsabilizado por todo esse prejuízo?
O governo Zema, se realmente pretende valer o lema de sua campanha “nova maneira para governar”, precisa determinar auditoria em todos os contratos envolvendo Cemig-Light. E, na sequência, denunciar os responsáveis.
Fará isso ou mergulhará mais no lamaçal dos tucanos mineiros?
Em tempo. Cemig e Light consultadas sobre a venda da Renova por R$1,00, preferiram não pronunciar.
Fonte: Por Marco Aurélio Carone, especial para o Viomundo
FOTO ACIMA: Na coluna à esquerda, de cima para baixo: Oswaldo Borges da Costa, o Oswaldinho, era o operador de Aécio Neves na Codemig; Djalma Moraes, um dos opeardores do setor elétrico; e Flávio Jaques Carneiro representava a irmã de Aécio, Andréa Neves, no Jornal Hoje em dia. Fotos: Agência Minas, Lula Marques e redes sociais