A conta de luz está muito mais cara para a população de cinco estados das regiões Norte e Nordeste do país, depois que o governo do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) aprovou a venda das distribuidoras de energia, no ano passado.
Em Roraima, o aumento foi de 38%, em Rondônia 25%, no Acre 21%, no Amazonas 14,9% e o Piauí 12%. Além desses estados, Goiás vem sofrendo com reajustes nos últimos dois anos, após a Enel Goiás ser privatizada. O valor da tarifa subiu 40% e a população tem ficado sem energia elétrica, em média, 26 horas por mês contra 13 horas de limite que a Anel considera um serviço ‘satisfatório’ para aquele estado.
A situação desses seis estados pode se estender para todo o país se Jair Bolsonaro (PSL) enviar ao Congresso Nacional a proposta de privatização da Eletrobras. A previsão do governo federal é que isto ocorra até o final deste mês.
Privatizar empresas públicas é vender o patrimônio nacional, causar desemprego, oferecer um produto de má qualidade e ainda a preços mais altos, afirmam sindicalistas e especialistas do setor quando convidam a sociedade a participar da luta contra a privatização das estatais.
O alerta é do engenheiro eletricista da Eletronorte e dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), íkaro Chaves. Além do aumento da conta de luz, dos apagões, como ocorreram nos governos Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, a população corre o risco de sofrer com acidentes como os das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, causada pela empresa Vale, privatizada por FHC.
“Vender a Eletrobras é colocar em mãos estrangeiras 1/3 da produção de energia do país, 50% de nossas linhas de transmissão e 52% da água armazenada nos reservatórios. Uma empresa com todo esse poder vai poder ditar o preço da energia elétrica”.
Íkaro lembra que o projeto de privatização da Eletrobras diz que o valor do megawatts será o de mercado, hoje em R$ 250,00/hora, enquanto a estatal vende a R$ 60,00/h, o que vai encarecer as contas de luz de todos os brasileiros. Outra crítica ao projeto é que ao comprar usinas já prontas, dificilmente uma empresa privada vai fazer novas obras.
“É um absurdo porque as usinas antigas já foram pagas por nós, brasileiros, e vamos ter de pagar de novo quando a conta de luz chegar”.
O diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro e funcionário de Furnas, Felipe Araújo, critica a lógica do governo Bolsonaro em priorizar o acionista e não o papel social que o sistema Eletrobras tem no país: o de levar energia elétrica a um preço justo que a população possa pagar.
“A lógica da supremacia do acionista sobre bem estar social interessa apenas ao mercado financeiro. O acionista quer o dinheiro no final do ano. A Eletrobras nasceu com uma posição estratégica, de soberania nacional para gerar um resultado positivo para a sociedade brasileira a longo prazo e não para dar lucros a curto prazo”, ressalta o dirigente.
Além de aumentar o risco de falhas no sistema e de apagões de energia, a privatização também significa desemprego, afirma Felipe. De acordo com o dirigente, o quadro de funcionários já está no limite, e com menos gente se faz mais horas extras. Há aumentos de turnos e os trabalhadores têm de ficar de sobreaviso em casa, mesmo de folga, sem poder, sequer, passear com sua família. ”Isto aumenta o stress e os riscos de acidentes”.
Água não é mercadoria
Íkaro Chaves ressalta ainda a questão da comercialização da água. Ele diz que, além de produzir energia, as hidrelétricas do país são imensos reservatórios de água e definem o fluxo de muitos rios que podem ficar nas mãos de empresas estrangeiras.
“Imaginem o poder que terá em mãos uma empresa particular que só visa o lucro, sendo “dona” de um bem essencial para a humanidade, como é a água. Imaginem se essa empresa não investir em segurança, como aconteceu nas tragédias provocadas pela Vale. O estouro de um reservatório de uma hidrelétrica como, por exemplo, Furnas e Tucuruí, matará milhares de pessoas”, alerta .
O engenheiro acredita que, defender o sistema elétrico brasileiro é defender a soberania nacional. Ele diz que a importância da energia é tão grande para os norte-americanos que quem cuida do setor é o exército dos Estados Unidos.
De acordo com Íkaro, de cada 10 usinas no Brasil, nove têm a participação da Eletrobras. Não existe grande obra estruturante no setor sem a participação da empresa e nenhum país do mundo com grandes usinas hidrelétricas, com o potencial e a abundância que o Brasil tem, privatizaria o setor.
“Energia não é um produto qualquer. Não é banana, que se estiver cara na feira, a gente compra outra fruta. A gente não pode deixar de consumir energia elétrica e, por isso, tem de ser um monopólio estatal”, diz.
Trabalhadores e trabalhadoras do setor já estão em luta contra a privatização
Os trabalhadores e as trabalhadoras do sistema conseguiram articular seis frentes parlamentares para manter a Eletrobras como estatal. São as Frentes Parlamentares em “Defesa de Furnas”, “Defesa da Chesf”, “Defesa da Eletrosul”, “Defesa da Eletronorte”, “Defesa do Sistema Elétrico” e “Defesa da Eletrobras”, que têm o apoio de mais de 400 deputados federais.
“Os parlamentares sabem que privatizar é perder voto. Eles sabem que a última pesquisa mostrou que 70% da população são contra as privatizações. Foi nossa luta que impediu que o relator José Carlos Aleluia, da fracassada privatização da Eletrobras, no governo Temer, fosse reeleito. Os trabalhadores e o povo não esquecem. Se votou, não volta”, lembra o dirigente do STIU-DF.
A proposta de privatização
O projeto de lei de privatização da Eletrobras do governo Bolsonaro prevê um aumento de capital, por meio do qual a União reduziria sua participação na estatal, atualmente em 60%, para algo inferior a 50%.
Para tentar aprovar a privatização, no projeto havia a criação de uma “golden share”, uma ação especial, que dá poder ao governo de tomar decisões independentemente de ter perdido o controle acionário da estatal. Mas, os técnicos do governo, temendo que esse tipo de ação inibisse os compradores, retirou a “golden share “do atual projeto.
Para Íkaro Chaves, a golden share é para inglês ver. Ele conta que no projeto de Temer, a ação especial dava poder apenas para que a sede e o nome da empresa não fossem mudados.
“Se a ‘’golden share’ não definir nada importante, ela não vale nada. Para mim, essa ação é um bode na sala, que eles podem tirar do projeto e colocar de novo, só para dizer que foram bonzinhos. Ora, fizeram o mesmo com a reforma da Previdência. Colocaram o BPC [Benefício de Prestação Continuada] no projeto e depois que todo mundo chiou, eles tiraram, mas tudo que é ruim para o trabalhador foi aprovado”, avalia o engenheiro da Eletronorte.
Fonte: CUT