Pouco mais de um ano após o “Mãos dadas” ser lançado pelo governo de Minas Gerais, educadores e especialistas já denunciam os impactos negativos causados nos municípios que aderiram ao projeto.
Com a iniciativa, a gestão de Romeu Zema (Novo) procura avançar na municipalização do ensino básico e entregar aos municípios a responsabilidade da gestão dos anos iniciais do ensino fundamental. Atualmente, em Minas Gerais, a responsabilidade é atribuída ao estado.
Com a promessa de transferência de recursos do estado para reformas e construção de novas escolas, cidades como Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e Fervedouro, na Zona da Mata Mineira, já aderiram ao programa.
Porém, na avaliação de Denise Romano, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG), o governo Zema opera uma estratégia de “muitas promessas e pouca transparência”.
“Os municípios estão sendo iludidos e enganados pelo governo do estado com uma falsa propaganda de que recursos inesgotáveis virão se o município assumir as matrículas do primeiro ao nono ano do ensino fundamental”, enfatiza. Denise também denuncia que a iniciativa tem o objetivo de desresponsabilizar o Estado da oferta do ensino fundamental e transferir aos municípios mais uma obrigação.
Em Minas Gerais, a prioridade dos municípios é a gestão do ensino infantil. Além disso, de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), do Ministério da Educação (MEC), a meta é que pelo menos metade das crianças de cada município precisa estar matriculada nas escolas infantis.
Uma das cidades mineiras que aderiu ao programa foi Tupaciguara, localizada na região do Triângulo Mineiro. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstram que, no ano de 2020, apenas 32,16% das crianças de 0 a 3 anos do município estavam matriculadas no ensino infantil.
“A ampla maioria dos municípios não cumpre com a demanda de atendimento de crianças de 0 a 3 anos”, explica Denise. Para a professora, essa deveria ser a prioridade dos municípios mineiros e, com a municipalização, a situação ficaria ainda pior.
Presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) destaca que a quantidade de recursos enviados aos municípios não é proporcional à quantidade de alunos oriundos da rede estadual, absorvidos pela rede municipal. Isso, segundo ela, pode causar no futuro problemas financeiros para os municípios.
“O governo apresenta números lindos, alguns milhões, que são finitos. E depois, quem vai arcar com o custeio e com a manutenção dessas matrículas é o município. Eu não tenho dúvida de que os grandes prejudicados serão o município, a comunidade escolar e os profissionais da educação”, avalia.
Falta de critério e de transparência
Em audiência pública sobre o tema na ALMG, a deputada Beatriz também criticou a falta de transparência e de participação da comunidade escolar no processo de adesão ao projeto.
“Como você decide sobre a vida de uma comunidade escolar sem ela sequer ficar sabendo o que aconteceu? A escola é mais do que alguns milhões. Existe um processo pedagógico, um projeto e condições de acesso e de permanência”, enfatizou Beatriz.
Em 2021, o governo destinou R$ 500 milhões para o programa. Porém, a distribuição do recurso aos municípios não segue nenhuma regra pré-estabelecida.
Na avaliação da deputada, a iniciativa do governo estadual é “sem critério” e negocia o dinheiro público como se fosse privado. O motivo da crítica é o fato de que parte do recurso destinado aos municípios é do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) que, entre outros objetivos, deveria ser destinado à valorização dos profissionais da educação.
“No ano passado, todo o projeto ‘Mãos dadas’ foi dinheiro do Fundeb. Aquele recurso que era para o reajuste do piso salarial da professora, o governo desviou para o projeto”, criticou.
Futuro de servidores é incerto
Para a execução do projeto, o governo estadual cede servidores públicos da educação aos municípios, por um período de dois anos. Porém, passado esse período, sem a existência das escolas estaduais onde trabalhavam anteriormente, resta aos profissionais a incerteza.
“É um grande retrocesso. O que vai ser feito com os servidores estaduais de educação? Eles vão ser penalizados? Eles vão ser aproveitados em outra rede? Estamos falando de centenas de milhares de pessoas que estão tendo seu destino jogado a Deus dará, por conta da irresponsabilidade do governo Zema”, explica Pedro Peixe, membro do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais e coordenador do Sinasefe IFMG.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o governo de Minas Gerais afirmou que o processo está sendo realizado de forma transparente e que a adesão ao projeto é facultativa, e cabe aos municípios avaliarem as condições administrativas, pedagógicas e financeiras de absorver estudantes vindos da rede estadual.
Fonte: Brasil de Fato MG, por Ana Carolina Vasconcelos