Em 2013, o poder público fechou a biblioteca de Pirapora, cidade de 57 mil habitantes no interior de Minas Gerais. O dado já entraria para as estatísticas do IBGE: de 2014 a 2018, o total de municípios brasileiros com bibliotecas públicas caiu de 97,7% para 87,7%. Mas a população se organizou, reagiu e hoje tem uma biblioteca com 6 mil livros, além de sete pontos de leitura espalhados pela cidade.
“Estamos indo para o sétimo agora”, conta Rafael Ferreira de Oliveira, um dos coordenadores do projeto. “É como se a gente semeasse bibliotecas pela cidade.”
Pirapora é uma das 1.323 cidades atingidas – de 2021 (945) até o primeiro trimestre deste ano (378) – pela plataforma Eu Faço Cultura. São ações que envolvem autores, editores, escolas públicas, organizações não governamentais. Por meio do projeto, foram distribuídos livros e ingressos para o teatro.
Déficit de cultura
Essas ações não substituem políticas públicas, “mas auxiliam em certo grau instituições públicas e pessoas físicas que vivem num constante déficit de cultura”, afirmam os responsáveis pelo Eu Faço Cultura, por meio de sua assessoria. A iniciativa, da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e das associações (APCEFs), “possibilitada unicamente pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, é um apoio necessário, tendo em vista a larga quantidade de escolas rurais, ONGs, idosos e alunos de programas sociais, que por diversas vezes não teriam condições de assistir a uma peça de teatro ou receber em casa um livro novinho na frequência que se faz possível com o Eu Faço Cultura”.
Com isso, a Associação Clube Literário Tamboril, em Pirapora, passou a receber livros indicados por educadores. Tudo brotou de um protesto contra o fechamento da biblioteca, lembra Rafael. “Nascemos com um projeto itinerante. As pessoas que ficaram à frente começaram a pegar gosto. Cada um vinha com uma ideia.”
Economia solidária
Dessa forma, além dos livros em si, as atividades passaram a incluir contação de histórias, oficinas, rodas de capoeira. E até “escambo” de livros – quase uma economia solidária, define Rafael. “Os leitores começaram a aparecer não só para trocar, mas para doar”, lembra o coordenador, que à época trabalhava na Secretaria da Educação e tem formação como assistente social. Para instalar os pontos de leitura, lembra, foi dada prioridade para conjuntos habitacionais mais afastados em regiões periféricas do município.
A reação da comunidade parece mostrar que o caminho foi acertado. “A gente pega temas, debatendo textos, crônicas. A gente vê adolescentes, de família humilde, eles doam (livros) porque sabem que outras pessoas vão ter o mesmo prazer.” O trabalho não foi interrompido durante a pandemia: foi organizado um esquema de delivery, sempre às terças. Há aproximadamente um mês, o serviço foi interrompido e a atividade voltou a ser presencial. É preciso levar o comprovante de vacinação. Rafael conta que a taxa de vacinação é alta na cidade.
Valorização da leitura
Na região norte do Rio Grande do Sul, a Associação Educacional de Sarandi, conhecida como Escola Sarandi, com 70 anos de história e prédio tombado pelo Patrimônio Histórico municipal, tem biblioteca que abriga 10 mil livros. “Somos uma escola que desenvolve um projeto de valorização da leitura na comunidade, e a parceria com o Eu Faço Cultura tem funcionado muito bem”, afirma o diretor administrativo, Bem-Hur Roque de Marco. A biblioteca já resgatou 700 títulos.
Com isso, a plataforma oferece livros de ficção, história, e poesia, entre outros temas, de pequenas editoras. Um exemplo é a coleção Feminismos Plurais, coordenada pela escritora e filósofa Djamila Ribeiro. Além disso, editores enviaram livros para microempreendedores de diversas cidades, como Recife e São João Del-Rei (MG). “A parceria com as editoras tem continuidade neste ano destacando-se quatro livros que refletem sobre o autismo.”
Comédias e musicais
Segundo os responsáveis pelo projeto, 78 produtores foram amparados, entre eles, o ator Kiko Pissolato, que apresentou o monólogo Eu Herói, via on-line. Em Brasília, houve a exibição da comédia Tsunany, com Nanny People, e no Rio de Janeiro, O pior de mim, com Maitê Proença. No interior de São Paulo, os beneficiários puderam ver Comédia em dose dupla, em Ribeirão Preto, e A dama e o vagabundo, em Batatais. Já em Petrolina (PE), estudantes viram Músicas para amar demais, com artistas jovens da própria região. O programa compra produtos/ingressos e os distribui a pessoas de baixa renda.
Assim, quase 10 mil funcionários da Caixa destinam parte do Imposto de Renda para viabilizar a iniciativa. “A partir de 2016, transformou-se em plataforma, e, por conta da pandemia, está concentrada na parceria com pequenas editoras, sem desviar o seu foco: a inclusão cultural.”
Como participar
A assessoria do Eu Faço Cultura lembra ainda que produtores interessados precisam, inicialmente, estar com CNPJ ativo na Receita Federal. Ele deve fazer o cadastro no site eufacocultura.com.br. “A curadoria faz o balanço, tanto artístico quanto orçamentário, e decide se aqueles produtos são interessantes para a plataforma e para o público de beneficiários”, informa.
O projeto surgiu em 2006, com o Movimento Cultural do Pessoal da Caixa e o Eu Faço Cultura. Foi a participação dos trabalhadores que permitiu o crescimento do projeto, afirma o diretor sociocultural da Fenae, Nilson Moura. “Os empregados da Caixa são artistas no dia a dia, são solidários.”
Fonte: Rede Brasil Atual