Organizações da sociedade civil que compõem conselhos ambientais de Minas Gerais, como o de Política Ambiental (Copam) e de Recursos Hídricos (CERH), renunciaram coletivamente, na quinta-feira (17), às cadeiras nos órgãos.
Em nota, as entidades afirmam que os conselhos se tornaram “apenas palco de ‘legitimação’ de decisões autocráticas por parte do Executivo”. O manifesto também denuncia retrocessos no setor, como a não construção de nenhuma unidade de preservação ambiental nos últimos quatro anos, os recordes de desmatamento a nível nacional e as abusivas licenças minerárias e outorgas para uso de recursos hídricos.
Gustavo Malacco, que há mais de uma década acompanha os conselhos, afirma que, da forma como hoje estão organizados, não servem ao povo mineiro, mas sim ao setor minerário e ao agronegócio. Para o ambientalista, a situação é de terra arrasada. Ele, que é representante da Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Angá), denuncia ainda que há uma série de intimidações praticadas contra os representantes da sociedade civil, como processos judiciais e perseguições contra servidores e ativistas.
Além disso, há um esvaziamento do poder efetivo da sociedade civil dentro das entidades, como a perda da autonomia para que as próprias organizações escolham quem serão seus representantes no conselho, o que é feito agora a partir de uma lista tríplice e a própria Secretaria de Meio Ambiente é quem designa o escolhido. “Isso não acontece, por exemplo, com os representantes do setor produtivo”, denuncia Gustavo.
Outra manobra que tem dificultado a atuação da sociedade civil na defesa do meio ambiente são as desregulamentações praticadas pelo executivo. “Acontece da mesma forma que governo federal fez, desregulamentado as leis por atos infralegais, portarias e deliberações normativas. Muitas sem discussão com a sociedade civil”, denuncia o ambientalista.
Sem esperança no executivo
Maria Dalce Ribas, superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA), avalia que a nível estadual não há possibilidade de avanços no setor ou retomada do diálogo dos órgãos do executivo com a sociedade civil.
Em sua avaliação, a esperança para dar outros rumos à proteção ambiental depende do apoio do legislativo mineiro às pautas e também das diretrizes nacionais que podem ser renovadas no próximo ano.
“Vamos cobrar do governo federal para sugerir um perfil técnico ao gerente do Ibama em Minas. Porque nós acreditamos que a nível nacional a política ambiental vai mudar radicalmente. Da forma como estava até agora, não tínhamos como recorrer à União”, anseia Dalce.
Sete, das dez cadeiras do Copam, são ocupadas por empresas
No começo do ano, o Brasil de Fato MG abordou a denúncia sobre o aparelhamento do Copam. O levantamento apontou que, das dez cadeiras disponíveis para a sociedade civil, sete são cativas das entidades empresariais, conforme estabelece o Decreto 46.953, de 2016. Os assentos são ocupados por instituições como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (SindiExtra), o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a Associação Comercial de Minas Gerais, o Conselho da Micro, Pequena e Média Indústria e a Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais.
A reportagem resgatou também a auditoria realizada em 2019 pela Controladoria Geral do Estado, que evidenciou a união entre os representantes do próprio governo estadual e do setor minerário para aprovar projetos de interesse das mineradoras, caso divulgado pelo portal Lei.A.
Desde 2020, também tramita na Justiça uma ação civil impetrada pelo Ministério Público de Minas Gerais denunciando o caso. A petição solicita que o governo redistribua as vagas destinadas à sociedade civil. Apesar disso, o executivo mantém as cadeiras cativas das empresas.
O outro lado
Questionada sobre o caso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, por meio de nota, que recebeu com surpresa a renúncia coletiva das entidades e que “segue com o propósito de buscar, de forma democrática, e por meio do diálogo, manter o equilíbrio, a transparência e a seriedade em todas as ações ambientais realizadas em Minas Gerais”.
A pasta também informou que, desde 2018, vem aplicando a participação da sociedade civil nos respectivos conselhos. “No mandato 2016-2018, as entidades da sociedade civil do segmento de defesa do meio ambiente contavam com 30 representantes no Copam e passaram a contar com 45 no mandato 2020-2022. A ampliação foi possível em razão da diminuição de vagas destinadas a entidades representativas do setor produtivo junto às Câmaras Técnicas Especializadas e às Unidades Regionais Colegiadas do Copam”, diz a nota.
Leia na íntegra a carta de renúncia:
COMUNICADO AOS MEMBROS DO CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL (COPAM) E DO CONSELHO ESTUDUAL DE RECURSOS HÍDRICOS (CERH), E À SECRETARIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE (SEMAD)
Considerando que:
- O Copam e CERH deixaram há bastante tempo de ser fóruns de discussão e proposição de políticas ambientais e de recursos hídricos para o Estado, tornando-se cada vez mais apenas palco de “legitimação” de decisões autocráticas por parte do Executivo.
- Tem se tornado cada vez mais clara e crescente, a política do Governo de exclusão deliberada da sociedade civil e violação de seu direito constitucional de participação na gestão do uso dos recursos naturais. O governo, de forma unilateral, sem discussão com a sociedade, revoga, modifica e cria normas ambientais à revelia da sociedade e até do Copam.
- Importantes avanços para proteção da biodiversidade conquistados no âmbito do Copam/CERH, como, por exemplo, implementação da cobrança da compensação ambiental prevista na lei federal do Snuc, foram desmantelados nos últimos anos;
- Não houve avanço significativo na implementação de ferramentas que possam avaliar impactos cumulativos e sinérgicos de empreendimentos de forma geral, como expansão urbana, mineração, hidrelétricas e agropecuária.
- A legislação continua sendo interpretada de forma a fragmentar o licenciamento ambiental, e frequentemente são pautados processos favoráveis à concessão de licenças a projetos que preveem grandes desmatamentos, entre outros impactos, instruídos com estudos insuficientes, ignorando, muitas vezes, pesquisas da comunidade científica e publicações importantes, presença de comunidades tradicionais, denúncias das comunidades e até dados técnicos publicados pelo próprio governo;
- Até hoje não foi regulamentada e implementada a cobrança de caução para o licenciamento de barragens de rejeitos, conforme preconiza a Lei Estadual nº 23.291/19, e foram concedidas licenças com essa exigência como condicionante, que é vedado expressamente no dispositivo legal.
- Outorgas de concessão de uso da água a empreendimentos de grande porte e potencial poluidor são concedidas desconsiderando a crise climática e princípios de precaução e prevenção.
- Por seis anos consecutivos Minas Gerais é campeão de desmatamento do bioma Mata Atlântica e foi um dos Estados que mais desmatou Cerrado nos últimos anos. E o governo não demonstra interesse em discutir e implantar políticas públicas que sejam capazes de reverter esse quadro através de Política de Estado, prevendo “desmatamento zero” envolvendo outras secretarias. Ao mesmo tempo assume internacionalmente metas de redução de emissão de carbono e desmatamento sem consequências práticas.
- Mesmo tendo propostas técnicas sobre criação de corredores ecológicos no Estado, o governo não os implanta, o que aponta favorecimento ao setor produtivo.
- O atual governo praticamente não criou novas unidades de conservação de proteção integral, estando o Estado muito abaixo do recomendado em termos de percentual de território pela Convenção para a Diversidade Biológica.
- Não temos política de proteção da biodiversidade, água e clima através da proteção legal de ambientes naturais de suma importância que restam no Estado, muitos deles provavelmente situados em terras devolutas que deveriam ser apropriadas pelo poder público. A gestão das unidades de conservação existentes parece caminhar com celeridade para uma visão mercadológica. Nem mesmo suas zonas de amortecimento são protegidas contra atividades econômicas ilegais como expansão urbana, e a discriminação fundiária das mesmas não avançou.
- Após 10 anos de promulgação do Código Florestal, os benefícios esperados com o Cadastro Ambiental Rural e o Programa de Regularização Ambiental (CAR/PRA) em Minas inexistem;
- Apesar de promessas, tanto do ex-secretário Germano Vieira e quanto da atual, Marília Melo, de revogação do parágrafo 8º do art. 21 do Decreto Estadual nº 46.953/2016 que proibiu as ONGs eleitas para as Câmaras Técnicas e Plenário do Copam, de nomear, o mesmo conselheiro que as representava no mandato anterior, isto não foi feito. A proibição recai somente sobre as ONGs, pois na representação do setor empresarial e do governo não há restrição.
- No CERH e suas Câmaras técnicas, conforme o novo Regimento Interno (parágrafo único do art. 11), o governo de Minas Gerais a partir de lista tríplice enviada pelas entidades da sociedade civil eleitas, é quem definirá os indicados para a titularidade e suplências, impedido aos representantes da sociedade civil o exercício de seu direito constitucional de independência. O artigo citado ainda fere o princípio da isonomia, pois usuários de recursos hídricos, como a Cemig, Copasa, Faemg, Fiemg, Ibram e a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) não foram submetidos a mesma regra.
- O governo, autocraticamente, extinguiu o Cadastro Estadual de Entidades Ambientalistas criado em 2006, proibindo a livre escolha das ONGs de seus representantes no Copam e CERH. A extinção foi “comunicada” às mesmas e a Semad recusou-se a discutir o assunto. Ambos os atos foram autoritários sem qualquer discussão prévia com a sociedade civil.
As entidades signatárias deste documento comunicam formalmente decisão de renúncia coletiva do plenário do Copam, CERH e suas Câmaras Técnicas, manifestam preocupação com as implicações para minas gerais das situações acima relacionadas e declaram total convicção da premente e urgente necessidade de um governo realmente democrático que respeite os direitos da sociedade civil, discuta e implemente políticas que possam compatibilizar atividades econômicas necessárias ao bem estar humano com a proteção dos bens materiais e imateriais da sociedade e do meio ambiente, respeitando a fauna, flora, rios e paisagens. Estaremos prontos para voltar e dialogar através dos Conselhos, com o poder público e a iniciativa privada, quando o Governo exercer de fato o princípio acima enunciado, respeitando princípios constitucionais de isonomia, cidadania, moralidade, pluralismo político e impessoalidade, e sobretudo a capacidade de dialogar e compreender que a sociedade é mais diversa do que setores corporativistas.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 2022
- Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda
- Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro
- Associação Pró Pouso Alegre – Appa
- Espeleogrupo Pains – EPA
- Fundação Relictos de Apoio ao Parque do Rio Doce
- Instituto Guaicuy - SOS Rio das Velhas
- Movimento Verde de Paracatu – Mover
Fonte: Brasil de Fato MG, por Amélia Gomes