Intitulado “Baoba é Memória” é alternativa a pais e crianças, além de quebrar o estigma da demonização das religiões de matriz africana
No dia 18 de dezembro, a poetisa Thata Alves lançou seu primeiro trabalho lúdico e voltado ao público infantil: “Baobá é Memória”. Um jogo da memória com cartas inspiradas em Orixás. O brinquedo é uma alternativa aos pais e crianças, para presentes em datas como o Natal e o Dia das Crianças. Além disso, também tem como propósito proporcionar o aprendizado sobre os Orixás de modo intuitivo e inconsciente pelas crianças. Thata é Abian no Candomblé, e por consequência, o jogo torna-se uma ferramenta para quebrar com o estigma da demonização das religiões de matriz africana. A artes das cartas é de Tag Lima.
“Eu com meu irmão ganhamos na infância uma Bíblia Infantil: que continha imagens de Jesus em versão de criança”, comenta Thata, que também pontua sobre a ausência de mais referências infantis em possibilidades de consumo nos mercado, como os próprios brinquedos. No Brasil, existe a lei 10.639/03 que trata da obrigatoriedade do ensino da história da cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. “Pouco efetiva”, ela comenta, e pretende com o jogo também fazer jus à essa lei, com a introdução dos jogos em escolas.
Em licença aos seus ancestrais, e inclusive à sua sacerdotisa religiosa, Ana Rita Dias da Encarnação, a poeta e produtora cultural acredita que a demonização das religiões de matriz africana traz uma leitura do pecado dentro da moral cristã. Essa leitura impede, na ótica da colonização, outro tipo de relação sobre os próprios erros, o que seria a própria responsabilidade na escolha de caminhos a se trilhar. Há filosofias africanas que fazem uma roda para se apontar qualidades dos membros de suas comunidades, mas na ótica da colonização, as rodas apenas se dão para julgamentos e críticas.
“Baobá é Memória” surge de um momento em que Thata percebe que em meio às demandas urgentes de se criar duas crianças, ela reparou que não comprava mais brinquedos para seus filhos. E neste ano quando decidiu voltar a comprar, não se identificou com nenhum brinquedo no mercado. Com isto em mente, Thata conversou com uma criança da qual seu Orixá é Ossain, o senhor das matas e da cura através das folhas. Há um provérbio africano que diz “Sem folha e sem água não existe Orixá”.
Outros Orixás que Thata acredita estarem conectados ao jogo da memória são Exú, o senhor da Comunicação; Ogum, o senhor da tecnologia e Oxum, senhora do amor. “Acredito que foi um presente de meu Orí, e de Ogum por me dar esta ferramenta, esta tecnologia, que por meio de saberes ancestrais, vão introduzir de forma mais natural a filosofia de vida que o Candomblé é, além de agregar conhecimento cultural às nossas crianças”, revela. Já Exú, para Thata, representa a possibilidade de adaptação de linguagem e Oxum como agir com diplomacia perante “às pedras no caminho”. Quais as referências que nossas crianças pretas têm hoje de ancestralidade na mídia? Questiona a poeta, entre os exemplos estão os heróis da ‘Liga da Justiça’, entre outros personagens dominados pela branquitude.
Valores africanos como a humildade, o respeito aos mais velhos, e a oralidade, fazem parte do conceito deste jogo. Outro estigma que Thata quer transcender a partir deste trabalho é o de “poeta periférica”. “Percebo que até em negociações de cachês com contratantes, quando colocamos nosso trabalho nessa caixinha, não somos tão valorizados quanto nossos próprios trabalhos merecem. Um artista contratado pela Rede Globo, que venha do Vidigal, não é lido como um artista periférico”, reflete a artista e afroempreendedora.
Antes de se tornar poetisa e produtora cultural, Thata tinha o sonho de ser secretária, pois achava que era uma profissão “chique”. Muito inspirada em seu pai, que é marceneiro e sonhava junto com ela, que ela pudesse um dia alcançar este lugar.
Mas, aos 13 anos idade Thata foi trabalhar em uma empresa em que a proprietária e empresária, Marinete Gruninger, já tinha o propósito de se ter um quadro de funcionários somente composto por negros. Uma visão de Black Money muito antes desta que vem sendo impulsionada nesta sociedade pós-George Floyd.
Já seu caminho até se tornar poetisa envolve a inspiração de sua própria mãe, Ione Alves. Thata gostava de, como ela mesma diz, “curiar” os cadernos e agendas de sua mãe. Neles, ela tinha acesso à versinhos, papéis de carta, salmos, hinos, mas também a muita poesia. Ora poemas escritos por ela mesma, ora versos dos quais ela anotava de autores. “Eu lia, e eu achava aquilo tão bonito, ainda lembro da agenda marrom dela”, relembra Thata.
Para 2021, a paulistana tem planos de lançar um novo livro, já que além de poetisa e produtora cultural, é também escritora e autora das obras: “Em Reticências”, “Troca” e “Ibejis”. Além disso, também pretende comemorar os sete anos de “Sarau da Ponte pra Cá”, o qual ela é idealizadora; assim como também continuar com seu programa “Thata Troca” em seu canal do Youtube.
Fonte: Mídia Ninja