Na mesma semana em que o preço das ações da Petrobras caiu na bolsa de valores de Nova York (EUA), após a divulgação de que mais de 800 petroleiros estavam infectados pelo novo coronavírus (Covid-19), a estatal alterou a forma de divulgação do número oficial de trabalhadores e trabalhadoras vítimas da doença em suas unidades, e o número caiu pela metade entre os dias 5 e 11 de maio.
"O importante é manter a imagem da empresa e garantir o lucro e o patrimônio de seus investidores", denuncia o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), José Maria Rangel. Prova disso, segundo o dirigente, é que a única preocupação da petroleira brasileira foi maquiar os dados e não tomar medidas efetivas de segurança e prevenção à pandemia nas unidades.
A notícia do alto contingente de petroleiros infectados pelo vírus caiu como uma bomba na bolsa norte-americana e provocou a queda no preço das ações da Petrobras. É o que mostra um estudo feito pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), divulgado no dia 7 de maio, dois dias após o Ministério de Minas e Energia ter publicado um boletim com 806 casos na Petrobras.
“A queda no preço das ações nos Estados Unidos foi seguida pelas notícias no Brasil de que a Petrobras contabilizava mais de 800 trabalhadores contaminados pelo Covid-19, enquanto outros de 1.600 casos eram investigados, o que motivou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a abrir um processo de investigação judicial contra a companhia sob suspeita de negligência”, diz trecho do estudo
A FUP vê com desconfiança a forma como a estatal contabiliza os casos, dada a discrepância entre os boletins publicados desde a queda na Bolsa.
Os números de casos de Covid-19 publicados semanalmente no site do Ministério de Minas e Energia podem, na verdade, estar escondendo uma realidade muito mais dura sobre a proliferação do vírus nas plataformas e refinarias da estatal, diz a FUP.
A maquiagem
No boletim publicado em 23 de abril, o Ministério de Minas Energia divulgou que seriam 258 casos confirmados. No boletim posterior, publicado em 27 de abril, o número pulou para 510 casos. Em 5 de maio, saltou para 806. Já em 11 de maio, baixou para 474, pouco mais da metade de casos.
Isso mostra, segundo José Maria Rangel, que para manter o preço das ações, a Petrobras ‘maquiou’ os números, escondendo assim a proliferação de casos. Uma forma de alterar o número real foi incluir e, posteriormente, excluir os trabalhadores terceirizados.
“Nos dois primeiros boletins semanais divulgados não foram contabilizados os terceirizados. Eles incluíram no terceiro boletim e voltaram a deixar esses trabalhadores de fora no quarto boletim”, explica o dirigente.
Enquanto isso, as medidas de segurança reivindicadas pela FUP são ignoradas pela Petrobras. Os sindicatos ligados à Federação vêm denunciando desde o início da pandemia a falta dessas medidas efetivas por parte da empresa.
Um exemplo é a falta de testagem constante dos trabalhadores e trabalhadoras das unidades para detectar casos de Covid-19. A Petrobras também não distribui máscaras de forma regular para uso dos petroleiros.
José Maria Rangel afirma que a conduta da gestão da estatal imita as atitudes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de “letargia” em relação ao combate à pandemia, ou seja, de incapacidade reagir e lidar de forma eficaz com o problema.
Pandemia nas unidades
Na sexta-feira (15), 90 trabalhadores foram testados na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, Paraná, mas a Petrobras não informou quantos deram positivo. “Os trabalhadores é que procuraram o sindicato para informar que seus resultados foram positivos”, completou Rangel.
O dirigente afirma que não há como saber o número exato de casos porque a estatal simplesmente não informa aos sindicatos. “A gente traça um panorama da pandemia na Petrobras de acordo com os dados publicados no site do Ministério e pelas denúncias feitas pelos próprios trabalhadores”, diz Rangel.
Rangel alerta ainda para a situação dos terceirizados que são ignorados pela gestão da estatal também quando o assunto é segurança. “Trabalhadores terceirizados são invisíveis para a Petrobras”, ele diz.
O dirigente explica que é grave não haver nenhuma “preocupação” maior também com esses trabalhadores, já que eles fazem parte do dia-a-dia das atividades da Petrobras e estão em contato com outros trabalhadores.
“Eles podem tanto ser contaminados por falta de proteção como podem transmitir o coronavírus para outros trabalhadores, sem saber”, diz Rangel.
Atividades não foram paralisadas
Mesmo com todas as recomendações das autoridades sanitárias de isolamento social e o número de mortos crescendo diariamente no Brasil, a maior parte das unidades da Petrobras – plataformas e refinarias – continua funcionando e os trabalhadores tendo que ‘optar’ por continuar exercendo suas funções.
Os motivos, segundo o coordenador da FUP é que a Petrobras começou a afastar trabalhadores e reduzir suas remunerações. “Eles saem do turno, não são testados e se apresentam algum pequeno sintoma, acreditam que não estão infectados e continuam sua vida normalmente, inclusive voltando ao trabalho”, diz Rangel.
Ele explica que essas situações geram ainda a subnotificação de casos. “Podemos ter muito mais trabalhadores infectados e infectando outros trabalhadores, do que se pode imaginar”, ele completa.
Rangel denuncia ainda que os trabalhadores terceirizados estão sendo obrigados a trabalhar e quem se recusar, a empresa demite.
Ele relata que há casos de mortes que não estão sendo informados nem investigados como possíveis vítimas de Covid-19, além de situações de pressão e assédio moral sobre os trabalhadores para que cumpram as determinações das gerências.
“Toda essa situação, nós avisamos que ia acontecer. Nós nos dispusemos a ajudar, a traçar planos para proteção e até reivindicamos atitudes da Petrobras, que não foram colocadas em prática. Hoje, a empresa se limita a se reunir conosco apenas para notificar o que está sendo feito, sem chance de diálogo”, critica Rangel.
Refinarias
Segundo reportagem da Folha de SP, há relatos de casos de petroleiros com coronavírus em refinarias como a de Cubatão, no litoral de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Manaus.
O Coordenador Geral da FUP, José Maria Rangel afirma que unidades continuam operando mesmo sem produzir. “A Petrobras obriga os trabalhadores a trabalharem. Algumas pararam, como as plataformas do Nordeste, mas porque a produção era pequena e a Petrobras aproveitou a crise para paralisar e dar andamento no processo de venda de unidades”, ele diz
Na Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro, há plataformas “hibernando”, estado em que a plataforma não produz, mas há turnos de trabalho. “Tem focos de coronavírus e as pessoas não precisam estar lá. Uma delas é a P-26. Tem trabalhador pagando teste do próprio bolso para se proteger”, denuncia Rangel.
Quando testes são feitos pela Petrobras, o procedimento acontece no embarque dos trabalhadores, ou seja, no início do turno. Quando saem das plataformas, nenhum teste é feito, o que pode significar o trabalhador se infectar na plataforma, voltar para casa e transmitir para outras pessoas, como sua família, por exemplo.
Ação sindical
A FUP está orientando os trabalhadores a utilizarem o “Direito de Recusa”, que é cláusula do acordo coletivo da categoria. Pelo item do acordo, se o trabalhador apresenta sintomas, deve se recusar a se recusa a trabalhar.
Outra orientação é que os petroleiros denunciem aos sindicatos as ações da estatal que representem negligência com a segurança, tais como a falta de testes e máscaras. A FUP também cobra ações de fiscalização mais “duras” de órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT), Agência Nacional do Petróleo (ANP) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Nós cobramos também que a Petrobras cumpra a deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) que diz que os casos de coronavírus são ocupacionais e que os trabalhadores sejam afastados. A Petrobras não faz e diz que espera a publicação do ácordão”, diz Rangel.
A decisão do STF sobre a Covid-19 ser caracterizada como doença ocupacional foi tomada no dia 29 de abril. A decisão considerou ilegal o artigo 29 da Medida Provisória (MP) 927/2020, que estabelecia que os casos de contaminação pelo novo coronavírus não seriam “considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.
Fontes: CUT e FUP