A perfuração de um furo na barragem de Córrego do Feijão, da mineradora Vale, está sendo apontada como um potencial gatilho do rompimento da mesma, em 2019. O furo B1-SM-13 foi feito pela própria mineradora e mais duas empresas, e o processo de perfuração pode ter servido como acelerador da liquefação das substâncias depositadas na barragem, o que ocasionou o seu estouro.
A empresa Vale S.A. e a sua consultora Tüv Süd haviam sido alertadas quanto aos riscos de executar perfurações com utilização de água. A informação é de um estudo elaborado pela Universitat Politécnica de Catalunya (UPC), uma universidade espanhola, que realizou pesquisas aprofundadas com materiais, cálculos e informações da história da barragem, como por exemplo possíveis movimentações de terra e índice de chuvas.
Nas análises feitas por diversos órgãos, é consenso que o rompimento aconteceu por conta da liquefação. Neste estudo, a universidade reitera que “a maioria dos rejeitos da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados e, portanto, altamente suscetíveis à liquefação”.
Contradição com estudo encomendado pela Vale
No relatório, a Universitat Politécnica de Catalunya descarta outras possibilidades de gatilhos para o rompimento. Foram examinados os registros sismográficos e excluída a hipótese de um carregamento dinâmico, seja por terremotos ou atividades de mineração, como gatilho provável.
O relatório também contradiz o motivo apontado pela Vale em um estudo anterior, que seria o fenômeno do “creep” – deformações internas contínuas, que se desenvolvem com o tempo, sob determinada carga, causando uma “cimentação dos rejeitos”.
A maioria dos rejeitos da barragem eram fofos, contráteis, saturados e mal drenados
“Para avaliar o comportamento de creep, os efeitos da taxa de deformação dos rejeitos foram sistematicamente medidos em três diferentes materiais reconstituídos usando testes triaxiais de controle de taxas de deformação. A magnitude dos efeitos da taxa de deformação medidos nos rejeitos foi sempre pequena e não indicou um papel relevante do processo de creep no rompimento”, constatou o estudo.
Em sua conclusão, os pesquisadores mais uma vez reafirmam que, além do furo B1-SM-13, as análises não identificaram outros gatilhos possíveis.
Na análise histórica, o documento cita um incidente ocorrido durante a instalação de um dreno, em junho de 2018, que resultou em vazamentos visíveis de lama em vários pontos da barragem, mas que foram contidos. Esse incidente teria provocado um aumento temporário nas pressões piezométricas da água e algum abatimento na barragem. Registros sismográficos sugeriram que uma liquefação contida pode ter ocorrido na época.
Estudo chega no mesmo resultado que a PF
A Polícia Federal ainda não encerrou sua investigação sobre o caso de Brumadinho, porém, há poucos dias, uma reportagem da Agência Pública revelou algumas conclusões a que a PF já teria chegado. Apesar de usarem métodos diferenciados, chama atenção que a Polícia Federal tenha chegado à mesma conclusão que a universidade espanhola.
Segundo o jornalista Léo Rodrigues, os peritos da PF concluíram que o fator que desencadeou a liquefação foi uma “perfuração geotécnica que tinha como objetivo coletar amostras de solo e instalar piezômetros multiníveis, instrumentos que medem a pressão da água presente nos poros do solo”.
O procedimento, que teve o aval da consultoria Tüv Süd, foi realizado pela empresa Fugro, contratada pela Vale. Segundo o relatório, todas as três companhias não levaram em conta regulamentos técnicos internacionais.
“A empresa Vale S.A. e a sua consultora Tüv Süd haviam sido alertadas quanto aos riscos de executar perfurações com utilização de água, em uma estrutura tal como a barragem I. De fato, normas e regulamentos internacionais relatam sobre o potencial de causar danos por esse método, estabelecendo diversas restrições e recomendações. Esses cuidados não foram tomados pela Vale S.A., pela sua consultora Tüv Süd, ou pela responsável pela execução do serviço, a empresa Fugro, em um procedimento pouco cuidadoso na definição da técnica e do equipamento utilizado”, diz o laudo, segundo matéria da Agência Pública.
Os trabalhos na parte considerada mais crítica se iniciaram quatro dias antes do rompimento. No dia 25 de janeiro de 2019, foi atingida a marca aproximada de 68 metros de profundidade.
Em andamento
Como a investigação da Polícia Federal ainda não foi concluída, o Ministério Público Federal aguarda o fechamento do inquérito para possíveis ações. Já no âmbito estadual, corre no Ministério Público de Minas Gerais uma denúncia crime que resultou no indiciamento de 16 pessoas, e deve incorporar o recente relatório.
Documentos na íntegra
O relatório produzido pela Universitat Politécnica de Catalunya foi encomendado pelo MPF, fruto de um acordo em que a Vale teve de arcar com os custos. Segundo o MPF, a escolha da instituição se deu por motivos exclusivamente técnicos e com a verificação da não relação da universidade com a mineradora.
Aqui, estão disponíveis o resumo executivo do relatório da UPC, a íntegra do relatório da UPC (original em inglês) e a Manifestação de conformidade técnica dos consultores externos, análise feita antes do relatório ser divulgado, sobre os métodos usados e sua confiabilidade.
Por Rafaella Dotta, Brasil de Fato MG