'Pente-fino' do governo Bolsonaro deve criar nova onda de processos para reaver direitos cortados indevidamente
O governo Bolsonaro editou Medida Provisória na sexta-feira (18) para combater fraudes na concessão de benefícios do INSS. Segundo o governo, a alteração de regras na concessão de auxílio-reclusão, pensão por morte e aposentadoria rural, mais a revisão de benefícios e de processos com suspeitas de irregularidades no INSS, produzirão economia de R$ 9,8 bilhões nos primeiros 12 meses de vigência.
Mas ao repetir o modelo adotado no governo Temer, o pente-fino nos benefícios do INSS proposto pela equipe econômica do governo Bolsonaro indica que, ao seu final, a investida vai acarretar uma "falsa economia" ao país, devido ao elevado número de ações judiciais pelos segurados para anular o corte arbitrário de benefícios e pensões e reaver direitos cortados indevidamente. O "mau exemplo" do governo anterior, de Michel Temer – e que é repetido agora –, é o pagamento de bônus em dinheiro aos peritos do INSS que identifiquem supostas fraudes.
No caso da MP, será instituída uma gratificação de R$ 57,50, por servidor, para cada processo concluído. Atualmente, há 3 milhões de processos pendentes nessa situação. Segundo o governo, ato do presidente do INSS fixará os parâmetros de atuação, inclusive as metas de aumento de produtividade para participar desse programa.
Segundo o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o "pente-fino" do governo Temer, que começou a ser executado em julho de 2016, colaborou para que houvesse uma explosão de ações na Justiça Federal, a ponto de faltar recursos para a realização de perícia médica no sistema judiciário. O risco agora pode ser ainda maior, pois a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê a revisão de todos os benefícios concedidos. No processo anterior, auxílio-doença e pensão por invalidez foram os alvos do pente-fino. Agora estão na mira do governo o auxílio-reclusão, a pensão por morte e a aposentadoria rural.
Para o IBDP, trata-se de uma medida com viés "classista" – pois atende aos interesses dos peritos que querem incrementar seus rendimentos com as bonificações concedidas – e "mercadista", porque passa ao mercado financeiro a falsa sensação de que o governo estaria fazendo esforços para conter o gasto público.
"Para dizer que estão economizando e justificar essa bonificação, os peritos começaram a cancelar uma série de benefícios, de forma injusta e ilegal. Isso gerou um contingenciamento enorme de ações na Justiça, verificado até pelo Tribunal de Contas da União (TCU)", afirma o diretor do IBDP Diego Cherulli, advogado e professor de Direito Previdenciário na Universidade de Brasília (UnB).
É o caso de Wagner Forenza. O bancários de 48 anos estava afastado de suas atividades desde 1997, por ter seus movimentos afetados pela Lesão por Esforços Repetitivos (LER). Em 2005 a junta médica do INSS reconheceu que não havia melhora no estado de saúde do trabalhador e aposentou Wagner por invalidez.
O benefício foi cancelado pelo "pente-fino" decretado por Temer. "O perito foi bem cínico, me tratou extremamente bem, disse que se todos levassem os documentos e laudos como eu, ninguém teria alta. No dia seguinte meu benefício estava cancelado."
Em novembro, por intermédio do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Wagner ingressou com ação judicial que, por meio de tutela, garantiu a retomada do pagamento de sua aposentadoria. Em fevereiro o trabalhador passará por perícia judicial.
Segundo Cherulli, os recursos contra a suspensão ilegal das pensões por invalidez respondem pelo maior número de processos, em termos percentuais, na Justiça Federal, em Brasília, que tem dado ganho de causa para cerca de 80% das ações. Enquanto o perito deve receber R$ 57,50 por perícia extra realizada, cada processo, segundo o TCU, custa aos cofres do Estado cerca de R$ 3.900.
"É mercadismo", diz Cherruli, "porque agrada ao mercado por supostamente diminuir as despesas da Previdência Social. Na verdade, não está. Está diminuindo falsamente. Por isso que digo que o pente-fino do Temer foi um mau exemplo". Segundo ele, os peritos do INSS já ganham o suficiente para fazerem a devida fiscalização dos benefícios, e que o bônus distorce a função e ameaça direitos conquistados.
"Conheço várias pessoas que passaram e foi alta sobre alta. Não tem critério", critica Wagner Forenza. "Fui várias vezes ao INSS e no balcão me disseram: não adianta você vir aqui porque o resultado das altas já estão prontos, a ordem veio de Brasília. É assustador".
O diretor do IBDP diz que até mesmo benefícios que haviam sido concedidos na Justiça, que conta com peritos especialistas – diferentemente do INSS – foram cassados pelo pente-fino de Temer, e depois tiveram que ser repostos, causando danos aos cofres públicos e aos beneficiários.
"Vemos com preocupação porque não se vê a fraude como exceção, mas como regra. Essa visão tem que mudar. O direito é a regra. As fraudes são exceções. Que se respeite o direito adquirido e as decisões judiciais", reivindica o diretor. "O IBDP questiona e critica o pente-fino desde o início. Hoje estamos vendo o resultado, que é a elevação da despesa judicial com perícia médica."
Sofrimento e falta de perspectiva
O bancário Wagner tem limitação no movimento dos braços e convive com bastante dor. Apesar disso, a perícia feita pelo banco determinou que ele estava "apto" para o trabalho. "Mas o médico foi bem claro que não tinha como me readaptar e que fariam um acordo comigo no dia seguinte. O Sindicato me orientou a não assinar esse apto e conseguiu a tutela do meu afastamento."
Aurea entrou no ABN Amro em 1996. Foi afastada por LER pouco tempo depois e, assim como Wagner,ficou afastada até 2005 quando também foi aposentada por invalidez. Mas desde maio de 2018, não tem mais nenhum provento. O "pente-fino" tirou sua aposentadoria, o banco a demitiu. "Minha vida está muito complicada."
Com 46 anos, casada e três filhos - de 20 anos, 16 anos e 11 anos - a bancária contava com os cerca de R$ 2.700 do benefício previdenciário para complementar a renda da casa. Aurea depende do plano de saúde, que o banco terá de manter somente por mais seis meses, para tratar a falta de força nos braços e as dores que ainda sente. "Mas hoje, para o INSS dar a aposentadoria, a gente tem de estar morrendo", lamenta.
A bancária ingressou com ação na Justiça, contra o INSS e também contra o banco. "Em outubro de 2018, quando fui chamada para o retorno, minha carta de demissão já estava pronta", conta. "Você se vê sem o benefício e sem o emprego. Isso mexe muito com o psicológico. Estou sem chão, preciso arrumar um emprego, mas por onde vou começar?", questiona.
No dia em que foi à empresa soube que outros 100 colegas haviam sido dispensados nas mesmas condições. "Faltava somente um ano e dez meses para minha aposentadoria por tempo de serviço. Meu advogado disse que eu teria estabilidade e não poderia ter sido mandada embora."
Assim, estão pedindo a reintegração ao banco. "Mas claro que não tenho como me reintegrar. Então aguardo a resposta do juiz para que seja mantido um auxílio pago pelo INSS, diante da minha falta de condição física para trabalhar. Não sei o que vai acontecer."
Fonte: Rede Brasil Atual