O fim do financiamento privado de campanhas eleitorais no país mudaria a face do sistema político brasileiro
A população já manifestou de várias maneiras a necessidade de realizar uma reforma no sistema político-eleitoral brasileiro. Isso está claro.
A primeira das mudanças deveria ser na forma de destinar dinheiro para os partidos políticos realizarem campanhas eleitorais. Sem a instituição do financiamento público dificilmente a vida brasileira será minimamente democrática.
As regras atuais permitem que qualquer pessoa ou empresa possa dar dinheiro para partidos ou candidatos realizarem suas propagandas eleitorais. Bancos, empreiteiras e empresas de mineração costumam estar entre as organizações que mais investem neste meio.
O financiamento privado de campanhas, de uma maneira geral, não ocorre porque as empresas entendem a necessidade de contribuir financeiramente para garantir a defesa de um programa político. Na verdade, elas enxergam aí a possibilidade de poderem mais tarde cobrar a fatura pelo apoio quando o candidato financiado se elege.
E neste mato tem coelho gordo. As supostas irregularidades na destinação de verba para campanhas do PSDB de São Paulo pela multinacional alemã Siemens, cujas denúncias estão sendo investigadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, é um bom exemplo da má utilização de recursos em eleições.
Por trás do financiamento privado podem estar embutidas intenções de aprovação de projetos de lei que beneficiem os interesses de empresas; as fraudes em licitações públicas para favorecer a empresa que colocou dinheiro na campanha; entre outras irregularidades.
Exemplos assim temos aos montes. Um deles, de 2009, o chamado Mensalão do DEM, foi resultado das investigações da operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal apontando indícios de que o ex-governador Roberto Arruda, assessores, deputados e empresários cometeram os crimes de formação de quadrilha, peculato, corrupção passiva e ativa, fraude em licitação, crime eleitoral e crime tributário num esquema de desvio de recursos públicos envolvendo empresas de tecnologia.
Arruda aparece em um dos vídeos recebendo maços de dinheiro cujas imagens foram gravadas pelo ex-secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa, réu em 37 processos.
Outro escândalo que ficou famoso foi o dos Anões do Orçamento, denunciados em 1993 pelo integrante da quadrilha e chefe da assessoria técnica da Comissão do Orçamento do Congresso Nacional. A CPI que esmiuçou o esquema de propinas montado por deputados que atuavam na comissão apontou 18 acusados. Deles, oito foram absolvidos, quatro renunciaram para fugir da punição e consequente enegebilidade futura e apenas seis acabaram cassados.
As fraudes eram feitas de duas maneiras: parlamentares faziam acertos com empreiteiras para a inclusão de verbas orçamentárias para grandes obras, em troca de polpudas comissões; ou faziam emendas remetendo dinheiro para entidades filantrópicas ligadas a parentes e laranjas.
Cinco anos depois, um outro escândalo, o Mensalão Tucano, também denominado Mensalão Mineiro ou Tucanoduto, apontou a prática de peculato e lavagem de dinheiro na campanha para a eleição do presidente do PSDB nacional, Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais, em 1998, e que resultou na sua denúncia pelo Procurador Geral da República ao STF, como "um dos principais mentores e principal beneficiário do esquema implantado".
A opção pelo financiamento público - discussão urgente neste momento - torna-se essencial para desprivatizar literalmente a vida política brasileira.
Com o financiamento público, empresas e pessoas físicas ficam impedidas de fazer doações de campanha. O dinheiro necessário deve sair dos cofres públicos e o governo fica encarregado de repassar a verba para os partidos por meio de contas bancárias.
A mudança demandaria um sistema de fiscalização eficiente e rigoroso da aplicação destes recursos. Uma das medidas essenciais a ser adotada junto com o financiamento público é o reforço do quadro da Justiça Eleitoral, porque uma vez proibida as contribuições de pessoas jurídicas e físicas, a Justiça Eleitoral necessitará de muito mais recursos materiais e humanos para atuar na fiscalização da utilização do dinheiro público.
Um dos modelos sugeridos atualmente é que cada partido tenha uma conta bancária vinculada ao governo para que a verba seja repassada, proporcionalmente ao tamanho da legenda. O recurso seria depois redistribuído aos estados e municípios e cada uma dessas contas deveria ser monitorada para evitar desvios de dinheiro público.
Outro ponto importante a ser discutido com o financiamento público é a questão do político candidato à reeleição detentor de cargo na Executiva do partido, uma vez que a conta será administrada por um membro da Executiva, neste caso, provavelmente o diretor financeiro do partido.
Uma ideia para evitar problemas de favorecimento dos candidatos que têm a máquina pública na mão, seria o licenciamento do cargo ou uma espécie de quarentena neste período.
Sou a favor do financiamento público de campanhas eleitorais e trabalho para que a nova regra seja válida já nas eleições de 2014, como muitos outros companheiros do PT, apesar de não haver ainda consenso a respeito desta questão dentro do partido.
Para tal, é necessário agilizar o processo já em andamento no Congresso Nacional. O financiamento público de campanhas eleitorais só será válido em 2014 se for aprovado pelo Congresso até o final de setembro deste ano, uma vez que pela Constituição, projetos de reforma política têm que ser discutidos, votados e sancionados pelo(a) presidente(a) da República, um ano antes das eleições.
O financiamento público garantiria condições igualitárias na participação de todos os candidatos, valorizando ideias e propostas no lugar de deixar prevalecer no Legislativo o peso do capital e seus interesses, nem sempre coincidentes com os da sociedade.
Se pararmos para pensar, no final das contas, somos nós que financiamos toda essa corrupção. Os corruptos visam o dinheiro público, que em última análise é o seu dinheiro e o meu dinheiro, disponibilizados em forma de tributos para a manutenção da sociedade.
Na medida em que os recursos destinados a financiar hospitais, escolas, saneamento básico e outras necessidades primárias são desviados, debaixo de nossos narizes, e não tomamos qualquer atitude, também temos nossa parcela de culpa, por uma simples questão de omissão.
Como só existe um corruptor se existir um outro corruptível, e só existem os dois se a sociedade como um todo não se manifestar e se mobilizar contra, este é o momento de tomarmos medidas objetivas para a instituição do financiamento público de campanhas eleitorais no país.