Sem órgãos para garantir fiscalização e estabelecer regras de conduta de categorias como médicos, psicólogos e engenheiros, por exemplo, profissionais antiéticos ou com formação precária poderiam atuar livremente, sem risco de punição
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 108/2019, elaborada pelo governo Bolsonaro, pode levar à extinção dos conselhos profissionais ao definir que a filiação a essas entidades deve ser opcional, diferentemente da exigência atual. Na prática, a PEC levaria a uma redução significativa da arrecadação em anuidades – fonte de receita dos conselhos –, inviabilizando o trabalho de regulação e fiscalização das respectivas atividades, possibilitando que profissionais antiéticos ou com formação precária fiquem livres para atuar. “A proposta ceifa um dos mais importantes instrumentos de defesa da sociedade na fiscalização profissional, com o claro e único propósito de engessar e silenciar as entidades”, avaliou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Conselhos de Medicina, Farmácia, Engenharia, Química, Contabilidade, Administração, Psicologia, além da OAB, estão entre as que seriam afetadas pela PEC 108. O texto altera o artigo 174-A da Constituição, definindo que “a lei não estabelecerá limites ao exercício de atividade profissional ou obrigação de inscrição em conselho profissional”. A proposta do governo também torna as entidades pessoas jurídicas de direito privado. Atualmente elas são enquadradas como de direito público, tendo poder regulamentador e de punição a maus profissionais, assim como a entes governamentais. A justificativa principal para a medida é reduzir a burocracia e estimular a economia.
Sob alegações como “destravar a economia”, Bolsonaro comete mais um golpe contra o cidadão “Sob o manto da liberdade e estímulos econômicos, da racionalização do Estado, bandeiras que também defendemos, [o governo Bolsonaro] quer acabar com um segmento social que tem procuração do Estado para proteger o cidadão. Não é aceitável sequer acreditar que, desregulamentando profissões, o Estado ou o mercado darão conta de conter os abusos cometidos por leigos e uns poucos maus profissionais e empresas contra a população brasileira. Os noticiários informam diariamente o quanto, de maneira geral, o mercado atua para favorecer os próprios interesses”, defendeu o Conselho Federal de Administração (CFA).
A função dos conselhos é submeter os profissionais a uma série de exigências éticas e técnicas, definidas em leis e em regulamentos próprios. Os órgãos têm poder para instaurar processos disciplinares na apuração de responsabilidades e, se necessário, aplicar penas de suspensão e até de exclusão de membros de suas respectivas categorias. Eles também fiscalizam estabelecimentos comerciais em que os profissionais atuam, podendo impor sanções e obrigações.
“Desregulamentar todas essas atribuições é atentar contra o interesse da sociedade. Além disso, desobrigar os profissionais da inscrição em seus respectivos conselhos é apostar na desordem a um custo econômico e social muito alto. Se hoje já existe uma desvalorização das atividades técnicas em nosso país, com o fim desses órgãos, haverá uma precarização dos serviços, e a insegurança será generalizada”, avaliou o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia(Confea).
Alvo de críticas de Bolsonaro, desde o tempo que ele era deputado federal, a OAB avalia que a PEC 108 tem por objetivo enfraquecer um órgão que atua como um “anteparo à força desproporcional do Estado e dos grupos detentores de poder efetivo contra o cidadão comum, individual ou coletivamente”.
“Mas a proposta apresentada pelo governo também significa a tentativa de desmonte de todo um sistema que zela pela qualidade da advocacia. A Ordem é responsável por uma rede protetiva para os advogados, que hoje sofrem as consequências da grave crise econômica que atinge o país – e que não dá sinais de trégua. Da mesma forma, a PEC 108 busca atingir um dos maiores mecanismos de fomento da excelência profissional, que é o Exame de Ordem. Diante da multiplicação sem precedente dos cursos de graduação em Direito, nem sempre amparados nos devidos parâmetros de qualidade, o exame é hoje a forma de garantir o mínimo de qualidade dos profissionais que vão servir à sociedade”, defendeu a OAB.
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz Britto Ribeiro, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que a proposta de acabar com a obrigatoriedade de filiação vai levar os conselhos à asfixia financeira. “Se desobrigarem médicos, advogados e outros de se inscreverem nos conselhos vão acabar com o CFM e com a OAB, entre outros”, disse. Ribeiro garantiu que a entidade vai atuar pela rejeição da PEC 108 no Congresso.
Rede Brasil Atual