Para entender a política: “É preciso que a eleição debata o preço da comida e da gasolina, o emprego e os salários”



Para entender a política: “É preciso que a eleição debata o preço da comida e da gasolina, o emprego e os salários”

 

O ex-presidente Lula (PT) formalizou, na última semana, uma aliança com Alexandre Kalil (PSD). Com o apoio do PT, Kalil é pré-candidato ao governo de Minas e o senador Alexandre Silveira (PSD) à reeleição no Senado. O PT indicou como vice na chapa de Kalil o deputado estadual André Quintão.

A aliança inédita em Minas acende para o PSD uma possibilidade de vitória contra o governador Romeu Zema (Novo), que divide o posto de candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o senador Carlos Viana (PL).

Por isso mesmo, a campanha ao governo de Minas pode ser dominada por debates nacionais, como a inflação e desemprego, marcas do governo Bolsonaro, mas também a dívida do estado com a União, um tema de importância não apenas local, mas nacional.

O que se pode esperar dessa disputa? Para discutir o assunto, o Brasil de Fato MG conversou com o professor Claudemir Francisco Alves, membro do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC Minas.

Brasil de Fato MG – A candidatura de Kalil empolgou setores progressistas e algumas pesquisas indicam que a aliança faria o ex-prefeito de Belo Horizonte passar à frente na disputa eleitoral, ao passo que Zema, quando associado a Bolsonaro, tende a cair para o segundo lugar. Por isso, estão dizendo que a candidatura ao governo de Minas deve repetir a polarização da campanha presidencial. Qual a sua análise sobre esse fenômeno?

Claudemir Francisco Alves – Eu penso que a palavra “polarização” não descreve corretamente o que está acontecendo, nem mesmo no plano nacional. Haveria polarização se essas duas forças se equivalessem. Na verdade, o que temos no Brasil é um presidente da República propondo explicitamente um golpe envolvendo as Forças Armadas e dizendo que, se ele não ganhar as eleições, ele não aceitará o resultado. Não há esse discurso no outro lado, tampouco na disputa aqui em Minas.

Há uma concentração dos eleitores em duas candidaturas. Bem, em Minas, o eleitor dificilmente percebe as coisas feitas pelo Zema como um problema. Algumas mudanças do governo estadual foram meramente tópicas, de cortes de gastos, sem que a pessoa simples percebesse isso, ou mudanças estruturais que o eleitor pode demorar anos para entender a gravidade, como a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal [que tramita na Assembleia Legislativa por iniciativa do governo], que travaria as contas do estado por quase uma década. Por isso ele mantém uma pontuação boa, na casa dos 40%.

É claro que no médio prazo isso teria peso na vida cotidiana, mas ainda é muito abstrato para o eleitor. Então, a eleição em Minas vai ser um trabalho de marketing eleitoral ou, pelo contrário, uma eleição ideológica, no melhor sentido. Estamos disputando dois modelos de Estado, sendo que um deles beneficia as grandes mineradoras, os grandes empresários, mas não o cidadão. Então, embora o cenário nacional seja muito mais grave, temos nossa própria batalha em Minas Gerais.

Em 2016, Kalil se elegeu com um discurso conservador. Na Prefeitura, fez uma gestão de significado ambíguo, com medidas à esquerda e à direita, sem deixar nítido qual era o projeto político. Como explicar que esse mesmo sujeito, que surgiu na direita, agora seja identificado como uma alternativa progressista?

Na política, raramente escolhemos o candidato ideal, sobretudo em candidaturas majoritárias (prefeito, governador, senador, presidente). A gente escolhe o que menos se afasta das nossas aspirações.

Quando Kalil se elegeu, tinha, de fato, um discurso conservador. A esquerda olhava para o Kalil com muita desconfiança. Porém, a política não é uma teoria desconectada daquilo que a pessoa faz. A política surge das práticas, das decisões que as pessoas são levadas a tomar. O que conta, no final, é como as pessoas agem, e não apenas o que elas dizem.

Kalil fez, sim, um governo controverso, mas que, em determinados momentos cruciais, tomou medidas corretas. Um exemplo foi como ele tratou a pandemia, no confronto com o governo Zema, com outras prefeituras e com o governo federal.

Hoje, estamos diante da continuidade do governo Zema e outro, que foi feito com posicionamentos a favor da população.

O PT já compôs com outros partidos, como o Márcio Lacerda (PSB), que fez um governo mais à direita e rompeu com o PT ao fim do primeiro mandato. Uma vez eleito governador de Minas, com apoio de Lula e André Quintão como vice, Kalil fará um governo progressista?

A expectativa é que faça um governo mais preocupado com o papel do Estado na regulação das relações, com as políticas sociais, com a representação de diferentes setores.

De todo modo, a relação com o vice não está dada. O governo Kalil teve medidas progressistas e outras não, que até foram autoritárias. É importante levar em conta como se portará o PSD, que, na composição da chapa, em determinado momento tentou puxar a candidatura do ex-prefeito para o campo bolsonarista.

Não dá para eleger Kalil e achar que os problemas estarão resolvidos. Entraríamos em outro patamar de resistência.

Por que a esquerda e, de modo especial, o PT, que governou várias cidades médias e grandes no estado, não chega a esta eleição com uma candidatura própria forte?

É importante destacar que o governo passado era do PT. O governo Pimentel se realizou durante a Lava Jato e sob assédio do governo federal cobrando dívidas cujo pagamento depois foi suspenso, e de circunstâncias econômicas desfavoráveis. Então, de fato, o PT não tem um nome para o debate político com o Zema, que contou com aumento das receitas, com suspensão do pagamento da dívida com a União, o acordo criminoso com a Vale, que aportou recursos para o estado, recursos federais de socorro a estados na pandemia.

Entretanto, se olharmos para a situação do PT em 2016, ano do impeachment e de eleições municipais, quando o PT perdeu prefeituras e, agora, muita coisa mudou. O partido esteve nas cordas e, neste ano, apresenta um candidato à presidência e disputa o governo de Minas na condição de vice.

Que fatores podem decidir esta eleição?

Estamos numa eleição plebiscitária. As pessoas vão decidir, nacionalmente, se o governo Bolsonaro está aprovado ou não, se deve ou não continuar. Isto vale também para a eleição mineira, que tem muito a ver com a eleição nacional. Não por acaso, as pesquisas para o governo de Minas reproduzem, em parte, a pesquisa nacional. Quando Zema é associado a Bolsonaro, ele perde intenção de voto. Quando Kalil é associado a Lula, ele ganha intenção de voto.

É preciso que a eleição debata o preço da comida, o preço da gasolina, o emprego, os salários, das condições de vida da população. É abordando esses temas que a eleição vai fazer sentido para as pessoas e será possível confrontar os diferentes projetos.


Fonte: Brasil de Fato (MG), por Wallace Oliveira

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