A ameaça iminente de mineração na Serra do Curral, em Belo Horizonte, extrapolou os limites da Região Metropolitana e ganhou destaque nacional. Além de pautar a imprensa ao longo da semana, artistas como Caetano Veloso, Milton Nascimento e Chico Buarque também se manifestaram contra o empreendimento da Taquaril Mineração S.A (Tamisa). No entanto, o cartão-postal de Belo Horizonte não é o único ameaçado. Além da Serra do Curral, outros patrimônios mineiros estão em risco pela exploração minerária.
Serra da Piedade
Patrimônio tombado pela Unesco, a Serra da Piedade, na região Central do estado, desde 2011 é explorada pela mineradora AVG. A reserva, que abriga o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, também patrimônio histórico, integra o conjunto da Serra do Curral e também abriga bacias hidrográficas de importância estratégica para a Região Metropolitana da capital. Além disso, é refúgio do maior número de espécies ameaçadas de extinção no estado.
Em 2019, a Arquidiocese de Belo Horizonte entrou com um processo na Justiça solicitando a suspensão das atividades da mineradora na região. No entanto, o requerimento foi rejeitado. O empreendimento, herdado da Brumafer – que atuou no território durante 50 anos –, prevê a captação de 30 litros de água por segundo do Córrego do Brumado e pode desmatar mais de 20 hectares de campos rupestres, como ambientalistas denunciaram na época. A AVG, juntamente com a Cowan, é uma das acionistas da Tamisa, mineradora que pretende explorar a Serra do Curral.
“A Serra da Piedade e do Curral são patrimônios com valor que não pode ser mensurado pelo dinheiro, a partir da lógica do lucro e da produção que buscam apenas o enriquecimento de poucos em prejuízo do bem comum”, declarou Dom Walmor, arcebispo da capital, na quinta-feira (5), em suas redes sociais,
Serra da Gandarela
Por falar nas caixas d’água do estado, a Serra da Gandarela, também na região Central, é o maior aquífero preservado do quadrilátero ferrífero e abriga nascentes que alimentam duas importantes bacias de Minas Gerais: a do Rio das Velhas e a do Rio Doce. Além disso, o território é uma das últimas áreas preservadas na transição da mata atlântica para o cerrado.
Todo esse patrimônio pode ser colocado em risco caso a Vale consiga a aprovação para a instalação da mina Apolo. De acordo com o portal Mapa de Conflitos, o empreendimento prevê uma extração anual de 24 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de 17 anos. Ainda de acordo com o levantamento, caso aprovado, o projeto impactará diretamente pelo menos nove cidades mineiras.
Serra da Moeda
A redução dos limites do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda foi alvo de dois projetos de lei (PL) que tramitaram na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (MG). O primeiro deles é o PL 1822, de 2020, de autoria do deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB).
E o mais recente é o Projeto de Lei 3.300/21, de autoria do deputado Thiago Cota (MDB). Como a proposta original dizia respeito às medidas adotadas durante a pandemia, o texto tramitava em “rito covid”, ou seja, com apreciação única na Casa. Segundo movimentos e parlamentares, o PL atendia aos interesses da mineradora Gerdau, que já atua na região, mas tenta ampliar suas atividades.
No fim do ano passado, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) cobrou em reunião da Comissão de Meio Ambiente da ALMG a escuta da população atingida. “A Gerdau foi ouvida porque mais da metade dos documentos e estudos do projeto são dela”, afirmou.
Em relação ao compromisso dos deputados com as mineradoras, o portal Observatório da Mineração denunciou que, em 2014, Thiago Cota recebeu para sua campanha, R$ 110 mil das mineradoras Phoenix e Corumbaense. Seu partido à época, PPS, embolsou R$ 2 milhões doados pelas mineradoras Gerdau, Vale, Braskem e AngloGold.
Em março deste ano, o parlamentar retirou o texto de tramitação. O PL do deputado Antônio Carlos Arantes já havia saído da pauta em setembro de 2020. “É uma política ambiental totalmente permissiva aos interesses da mineração”, avalia Luiz Paulo Siqueira, da coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Segundo estudo do Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dos 5 bilhões de metros cúbicos exploráveis de água no subterrâneo da região do quadrilátero ferrífero, cerca de 1 bilhão se encontra no subsolo da Serra da Moeda. Na avaliação do coordenador do projeto, Marcus Polignano, esse território deveria ser livre de mineração.
“Não dá para invadir todos os territórios. Não se pode ir para cima do território de uma forma descabida, desmedida, deslavada. A gente vai pagar o preço por isso e as outras gerações muito mais”, declarou o professor em entrevista ao Brasil de Fato MG.
Serra do Rola Moça
Assim como a Piedade, a Serra do Rola Moça também foi alvo da proposição de retomar atividades minerárias já encerradas na região para “recuperar a área degradada''. Apesar de contraditória, a proposta é relativamente comum no estado.
No entanto, o empreendimento da Mineração Geral do Brasil (MGB), que previa, entre outras coisas, a extração de 17 milhões de toneladas de ferro, com o transporte do produto sendo feito dentro do parque estadual, não foi adiante. Denúncias reportadas ao Brasil de Fato MG também dão conta que a mineradora tentou por meio de lobby retomar as atividades na serra. O patrimônio é um dos principais responsáveis pelo abastecimento hídrico da região do Barreiro, em Belo Horizonte.
Serra do Brigadeiro e Serra do Caparaó
Na Serra do Brigadeiro e na Serra do Caparaó, na Zona da Mata mineira, a mineração de bauxita da empresa Votorantim é um dos riscos às reservas naturais. O empreendimento da Mineração Curimbaba, em Simonésia e em Manhuaçu, também é visto pelo MAM como uma ameaça à região.
No sábado (7), moradores dos municípios organizaram um ato em frente à Escola Municipal Rosalina Calegário, em protesto contra o empreendimento. “Nós estamos em uma conjuntura de plena ofensiva da mineração, com governos capachos que flexibilizam as normas para facilitar o saque dos bens minerais”, critica Luiz Paulo.
Serra do Espinhaço
Na Serra do Espinhaço dois empreendimentos emblemáticos ameaçam o território: o “Projeto Serro”, da mineradora Herculano, e o complexo minerário da Sul Americana de Metais (SAM), no Vale das Cancelas. Além da localidade, a forte resistência das comunidades contra os empreendimentos também são pontos de convergência nos casos.
Na cidade do Serro, no Vale do Jequitinhonha, há três anos, os moradores lutam contra a implementação do projeto de mineração da empresa Herculano. Embora tenha conseguido, em 2021, a autorização para extração do minério, a mineradora ainda precisa da autorização de funcionamento para começar a operar.
No entanto, o aval dado pelo Executivo municipal, abriu brecha para que outras empresas pleiteassem a instalação no município. É o caso, por exemplo, da Onix Mineração LTDA. O “Projeto Céu Aberto” pretende retirar do município 300 mil toneladas de minério de ferro por ano.
No Vale das Cancelas, no Norte do estado, mais de 70 comunidades geraizeiras, que há 150 anos habitam a região, podem ter seu modo de vida alterado pela instalação do complexo minerário da SAM. O projeto prevê 8 mil hectares de ocupação e atinge 11 comunidades e os municípios de Padre Carvalho, Grão Mogol, Josenópolis, Fruta de Leite e Salinas.
Além disso, deve consumir 6,2 milhões de litros de água por hora. Somente com essa quantidade de água, é possível abastecer 400 mil habitantes do município de Montes Claros por dois anos. Assim como no Serro, os geraizeiros do Vale das Cancelas também resistem às investidas e assédios das empresas.
“São comunidades que já são certificadas e estão com o processo de regularização aberto no estado de Minas Gerais e que vão ser diretamente atingidas pela construção desse empreendimento”, explica Layza Queiroz, advogada do Coletivo Margarida Alves. “Há mais de dez anos, existe a pretensão de construção desse empreendimento e essas comunidades sequer foram consultadas até hoje”, completa.
Parques ambientais nas mãos da Vale
Em 2020, os governos federal e estadual e a mineradora Vale firmaram um acordo que convertia as multas aplicadas à empresa pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em "investimentos" em sete parques nacionais de Minas Gerais: Caparaó, Grande Sertão Veredas, Caverna do Peruaçu, Sempre-Vivas, Serra do Gandarela, Serra da Canastra e Serra do Cipó.
O acordo se referia a compensação da empresa ao crime socioambiental causado com o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Especialistas e ambientalistas criticaram a decisão, que na avaliação do setor não se trata de uma penalidade à empresa e sim uma recompensa. “Fazer um acordo desse é permitir que novos crimes contra o meio ambiente aconteçam", declarou Eloá Magalhães, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Fonte: Brasil de Fato (MG),por Amélia Gomes