No país em que mais de 40 milhões de trabalhadores vivem com até um salário mínimo, dois em cada três aposentados não ganham mais que R$ 937 mensais e que servidores recebem salários parcelados ou atrasados em razão da calamidade financeira nos cofres estaduais – caso de Minas Gerais e do Rio de Janeiro –, um seleto grupo de funcionários públicos vive numa espécie de ilha da fantasia.
Além de contracheques que beiram o teto nacional de R$ 33,7 mil mensais, eles engordam o bolso com verbas extras para morar, cuidar da saúde, comprar livros e estudar. Como se não bastasse, ainda economizam o gasto com combustível ao ter à disposição carro com motorista para ir ao trabalho e a solenidades. Em alguns casos, o privilégio se estende às férias, que podem chegar a 60 dias a cada ano – com o abono de um terço do salário para cada período.
Os maiores benefícios estão na magistratura e no Ministério Público brasileiro. É no Judiciário que se paga o mais alto salário no serviço público – R$ 33.763, destinados aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e cujo valor serve de teto para os contracheques em todo o país. Os desembargadores, juízes, procuradores e promotores de Justiça têm direito a percentuais sobre o salário dos ministros, cujos valores vão de R$ 26,1 mil a R$ 30,4 mil. Além da invejável remuneração, eles ainda têm direito a um auxílio-moradia de R$ 4.377,73, independentemente de ter casa própria, e um abono de 10% do salário para gastos com saúde.
Em Minas Gerais, essas verbas são consideradas indenizatórias, e por isso os membros do Judiciário e do MP não pagam Imposto de Renda nem têm desconto previdenciário sobre o benefício. Por isso, é possível engordar os contracheques para valores bem acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil.
Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa ainda permitiu o pagamento de 50% do vencimento dos magistrados, por ano, para a compra de livros relacionados à profissão. Há dois anos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou uma ação no STF contra o auxílio-saúde e o auxílio-livro em Minas. Mas o benefício continua em vigor.
Equiparados aos desembargadores, conselheiros e procuradores do Tribunal de Contas mineiro recebem os mesmos benefícios, o que inclui um auxílio-alimentação que varia de R$ 884 a R$ 941 entre os órgãos. Os membros do TCE só não têm o mesmo lanche diário servido aos desembargadores do TJ. Licitação feita no final de 2016 previu um gasto de R$ 700 mil ao longo deste ano com 12 espécies de frutas, cinco tipos de biscoitos, bolos, sucos, refrigerantes, queijos, carnes, presunto e peito de peru light, entre outros produtos servidos aos desembargadores no intervalo de suas jornadas. E o descanso? Em vez de 30 dias, como a imensa maioria dos brasileiros, são 60 dias por ano, com direito a um terço a mais no salário em cada período.
Em março de 2010, o então recém-eleito presidente do STF ministro Cezar Peluso defendeu o fim das férias de 60 dias na discussão da reformulação da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Entidades representativas da magistratura reagiram imediatamente, e a regra foi mantida. E em um efeito cascata, aplicada ao Ministério Público e ao TCE mineiros.
Combustíveis
Enquanto a maioria dos brasileiros deve estar lamentando o aumento de impostos sobre os combustíveis, anunciados semana passada para que o governo federal consiga cumprir a meta fiscal e diminuir o rombo nas contas deste ano, parte das autoridades não vai precisar se preocupar. É que algumas delas têm direito ao uso de carro oficial – com motorista – no deslocamento entre a casa e o trabalho. É o caso, por exemplo, dos ministros dos tribunais superiores, desembargadores, conselheiros, e alguns procuradores do MP. Detalhe: no STF, a presidente Cármen Lúcia Antunes Rocha foi a única que dispensou o benefício.
No Legislativo mineiro, apenas o presidente da Assembleia tem direito a carro oficial e motorista, que fica à disposição para o trajeto até o trabalho e residência e a eventos em que vá representar o poder. Os demais 76 deputados podem pedir ressarcimento de despesas com gasolina e manutenção de veículos até o limite de R$ 9,45 mil por mês. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, somente o presidente tem um carro e motorista à disposição. Mas os demais 40 vereadores não podem se queixar: têm liberados 250 litros de gasolina mensais para abastecer seus veículos.
Os parlamentares estaduais e federais e os vereadores da capital ainda têm um benefício exclusivo da categoria: o chamado auxílio-paletó, uma ajuda de custo para compra de paletó e gravata para participar das reuniões no plenário. A verba é paga no início e no final da legislatura, e corresponde ao valor de um salário cada parcela, atualmente R$ 25.322,25.
Até 2012, o auxílio era pago duas vezes por ano, em fevereiro e dezembro, na forma de 14º e 15º salários. Mas diante de uma discussão que levou ao fim da regalia no Congresso Nacional, os deputados mineiros adotaram a regra. Na ocasião, a economia estimada para os cofres públicos a cada mandato foi calculada em mais de R$ 9,2 milhões. A Câmara Municipal de Belo Horizonte adota a mesma regra para a verba do paletó. Lá, os vereadores recebem duas parcelas de R$ 12.403,88 líquidos.
Fonte: Pragmatismo Político