Opinião: O que esperar do julgamento da "revisão da vida toda"?



Opinião: O que esperar do julgamento da "revisão da vida toda"?

Por Carolina Centeno de Souza*


Desde o dia 25 de maio, quando ficou conhecida a data em que o Supremo Tribunal Federal irá julgar uma das questões mais importantes relacionadas à revisão do cálculo de aposentadorias, os brasileiros que esperam por anos uma decisão para recompor a renda de seus benefícios viram uma porta aberta para a esperança.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, já deu seu voto favorável à "revisão da vida toda", disponibilizado na madrugada de 4 de junho, desprovendo o recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com a tese: "Na apuração do salários de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se a regra definitiva, prevista no artigo 29, incisos I e III, da Lei nº 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição".

O voto do relator Marco Aurélio pode pesar favoravelmente na decisão dos seus pares, já que se trata do ministro que esteve analisando o processo por esse período todo e que ficou responsável, como relator, pelo voto condutor.

Se positivo o julgamento final para o segurado, o STF fará justiça a milhares de pessoas que tiveram seus melhores salários de contribuição antes de 1994, mas não viram esses valores considerados na base de cálculo de suas aposentadorias, pensões e benefícios.

Alguns indícios têm mantido acesa essa esperança. O primeiro sinal veio do Superior Tribunal de Justiça, há quase dois anos, com a votação unânime em favor da revisão da vida toda. Já em 6 de maio, a Procuradoria Geral da República, intimada a se manifestar sobre o tema, deu seu parecer favorável à também chamada revisão da vida inteira.

Outro indicativo pode estar no despacho do ministro Marco Aurélio Mello, relator do Tema 1.102, quando pediu data para julgamento: "(...)1 — A crise é aguda. Sem qualquer previsão de o tribunal voltar às sessões presenciais, há de viabilizar-se, em ambiente colegiado, a jurisdição. (...) 2 — Aciono, em caráter excepcional o sistema virtual e passo a liberar considerado o tempo, os processos (...)".

Cabe observar também que o ministro relator, que se aposenta em julho, prudentemente reservou o espaço de tempo de quase uma semana, de 4 a 11 de junho, para que os ministros da mais alta Corte do país votem a matéria, evitando que se repita situação semelhante ao julgamento de outra revisão bastante aguardada, a revisão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que pela terceira vez foi suspensa e continua sem data definida.

Por fim, manifestações anteriores do STF foram favoráveis ao direito ao melhor benefício ou benefício mais vantajoso. Caso da revisão da vida toda.

Como chegamos à revisão da vida toda

Até 1999, os benefícios no INSS eram calculados sobre as últimas 36 contribuições, o que possibilitava aos segurados realizar baixas contribuições durante parte da vida produtiva e aumentá-las a medida em que a data da aposentadoria se aproximava, elevando a média das contribuições, e por consequência, proporcionando uma aposentadoria maior.

Essa regra causava prejuízo ao sistema previdenciário e foi modificada em 26 de novembro de 1999 com a Lei 9.876/99, abrindo duas possibilidades: a regra de transição para segurados que já estavam filiados ao INSS, considerando somente os salários de contribuição desde julho de 1994 na base de cálculo dos benefícios e a regra definitiva, para quem passou a contribuir a partir da nova lei, incluindo no cálculo dos benefícios todos os salários de contribuição ao INSS.

Acontece que o INSS passou então a calcular todos os benefícios com base na regra de transição, sem observar se a regra definitiva resultaria num benefício maior para o segurado. O que resultou no desequilíbrio entre o histórico contributivo e o benefício concedido para os segurados que haviam feito suas melhores contribuições antes daquele marco inicial de julho de 1994.

Milhares de pedidos de revisão da vida toda começaram a ser feitos por todo o país, para incluir nos cálculos dos benefícios, os salários de contribuição de toda a vida do segurado.

Em 05 de novembro de 2018 o STJ afetou o tema, ou seja, decidiu que iria suspender todos os processos que ainda estavam em andamento e pediam a aplicação da revisão da vida toda, para decidir e firmar a tese que a partir de então, teria que ser aplicada no país inteiro.

Pouco mais de um ano depois e com base principalmente em dois argumentos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a revisão da vida toda por unanimidade, em 17 de dezembro de 2019:

a) a regra de transição, criada para diminuir o impacto negativo com a mudança trazida por uma regra nova, não pode ser prejudicial ao segurado no final, sob pena de ferir a sua razão de existência;
b) o princípio do melhor benefício ou benefício mais vantajoso, que garante ao segurado sempre o acesso ao benefício de maior valor caso ele tenha cumprido os requisitos de mais de uma regra.

Depois do julgamento por unanimidade no STJ, foram apresentados recursos que levaram a discussão ao Supremo Tribunal Federal para que seja então decidido se é direito do segurado escolher entre as duas regras de cálculo (definitiva ou transitória), ou seja, firmar entendimento favorável ou não à revisão da vida toda.

Nem todos são favorecidos pela troca de uma regra de cálculo pela outra, portanto, antes de qualquer pedido de revisão, seja pela revisão da vida toda, ou qualquer uma das muitas possibilidades de revisão possíveis, o segurado necessariamente precisa realizar cálculos para ter certeza de que seu benefício aumentará com a revisão a ser solicitada.

Os documentos para revisão da vida toda

a) Carta de concessão da aposentadoria — o documento do INSS com a memória do cálculo do benefício; 
b) Comprovação das contribuições antes de julho de 1994 constando na carteira de trabalho ou em outros documentos;
c) Extrato previdenciário das contribuições disponibilizado no site ou app do INSS;
d) Ter em mãos o cálculo feito por um especialista em direito previdenciário e a certeza de que a inclusão de todos os salários resultará em aumento do benefício.

Aceita pelo STF, a revisão pode causar o aumento significativo nos benefícios dos segurados que iniciaram suas contribuições antes de julho de 1994 e se aposentaram após 26 de novembro de 1999 se o pedido for feito dentro do prazo de 10 anos. O prazo de decadência do direito é contado a partir do primeiro dia do mês seguinte ao primeiro recebimento do benefício que se pretende revisar.

O problema de custeio, principal argumento do INSS para que não se admita a revisão, é por si contraditório, já que os benefícios revistos seriam aumentados justamente considerando a totalidade dos salários de contribuição paga pelo contribuinte.

No caso da revisão da vida toda, a contrapartida contributiva já foi dada. Agora é uma questão de Justiça para milhares de brasileiros.

*Advogada especialista em direito previdenciário, trabalhista e sindical; palestrante e sócia do escritório Arraes e Centeno Advocacia.

Originalmente publicado no portal Conjur

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