O sistema nos afasta do autoamor e do afeto ao outro



O sistema nos afasta do autoamor e do afeto ao outro

Resistência pelo amor, pelo afeto e pelo coletivo. Esse é o mote do trabalho da artista plástica baiana Ani Ganzala, que usa seus desenhos, aquarelas e grafites para valorizar a cultura afrobrasileira e fortalecer pautas dos movimentos feministas e LGBTQIA+. "Percebi o quanto o sistema tenta nos afastar do autoamor, que é a autovalorização, e consequentemente do afeto ao outro, às nossas companheiras e aos nossos companheiros", diz em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato Pernambuco.

Na conversa, ela reforça que resgatar o afeto, em especial entre a população negra, é uma forma de resgate e cura. "A maioria das famílias negras cresceram sem referências sobre afeto, entendendo que demostrar afeto e carinho é uma fraqueza, é algo de branco. Acho que eu, enquanto parte de uma geração que já está refletindo outras construções para além da luta, da dor e do sofrimento, vi a importância da cura e de trazer o amor enquanto a leveza que precisamos para seguir".

Brasil de Fato Pernambuco: você usa como sobrenome "Ganzala", mas não é um nome de nascença. Por que você resolveu adotá-lo e o que ele representa para a sua arte?

Ani Ganzala: “Ganzala” é um nome que significa "terra molhada" e ele surgiu exatamente em uma crise identitária minha, por não querer mais me apresentar enquanto Gonzaga, que é meu sobrenome de nascimento, por pensar também no que significa carregar esse sobrenome. E eu estudei história e comecei a refletir que não foi o sobrenome que os meus ancestrais escolheram para mim, mas um sobrenome que inicialmente significava que eu era propriedade de algum senhor que se chamava Gonzaga. É tanto que existia muito "de", "Ferreira de Santos". Eu decidi que não queria carregar mais o sobrenome do meu inimigo e por isso escolhi me chamar "Ani Ganzala".

BdF PE: Você se coloca como aquarelista, grafiteira e artivista. Quando a arte chegou na tua vida? Como a história de vocês começou?

Ani Ganzala: A arte sempre esteve presente na minha vida. Desde criança que eu rabisco e desenho, mas na vida adulta eu fui desmotivada a estudar arte e seguir como profissão. Mas, em um momento eu decidi que iria assumir todos os riscos de ser artista porque eu estava me sentindo muito infeliz. A gente só tem uma vida para viver e não temos muitas versões de nós mesmos para explorar. Então comecei com o grafite e depois fui para a aquarela. Durante a pandemia eu comecei a estudar e praticar a pintura acrílica e agora estudo e pratico arte visual e ilustração digital.

BdF PE: Quem te acompanha nas redes sociais percebe que o teu trabalho carrega uma identidade muito forte de mulheres negras, da afetividade lésbica e muitas referências de religiões afro-brasileiras. Como é esse diálogo com as pessoas que entram em contato com a tua arte?

Ani Ganzala: Tudo o que eu faço tem a ver com minha autobiografia, com o lugar de onde estou e onde pertenço, seja enquanto candomblecista, enquanto sapatão, enquanto uma pessoa que é fruto e parte do movimento de mulheres negras, onde eu me sinto alimentada e fortalecida para entender nossas demandas e ter coragem para enfrentar os desafios do dia a dia. O candomblé também é um espaço extremamente feminino e de mulheres negras. Então, assim como minha família, eu fui criada por mulheres negras e todas são referências e parte do que eu sou. Eu não seria Ani Ganzala sem essas mulheres, sem essa família grande que eu construí.

BdF PE: Sabe que, historica e socialmente, a afetividade e o amor foram negados ao povo negro. De onde vêm sua inspiração para trabalhar esses temas, que são bonitos e complexos, mas também difíceis?

Ani Ganzala: A maioria das famílias negras cresceram sem referências sobre afeto, entendendo que demostrar afeto e carinho é uma fraqueza, é algo de branco. Acho que eu, enquanto parte de uma geração que já está refletindo outras construções para além da luta, da dor e do sofrimento, vi a importância da cura e de trazer o amor enquanto a cura e a leveza que precisamos para seguir. Percebi também o quanto o sistema tenta nos afastar do autoamor, que é a autovalorização, e consequentemente do afeto ao outro, às nossas companheiras e aos nossos companheiros.

BdF PE: Quais dos seus trabalhos mais representa e resgata sua essência? Como o público pode acessar sua arte?

Ani Ganzala: Eu não tenho um trabalho preferido, porque assim como sou desapegada também amo todos. Inclusive, gosto de alguns que as pessoas não entendem ou também não acham importante, mas para mim são. Meu trabalho está no Instagram (@ganzalaarts), o melhor lugar para acessar, acompanhar, comentar, compartilhar e fazer encomendas.

Fonte: BdF Pernambuco

 

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