O saneamento básico é um direito de todo cidadão. O artigo 158 da Constituição do Estado de Minas Gerais prevê, além disso, que o saneamento básico seja foco de investimentos prioritários. O estado possui uma das maiores empresas de saneamento do país, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), construída com recursos públicos.
Mas esse direito tão fundamental não está assegurado. Pelo contrário, a mineração predatória e as privatizações ameaçam o abastecimento de milhões de pessoas e prometem transformar os serviços de água tratada e de esgoto sanitário em mercadoria e privilégio. Como o tema será abordado nas eleições deste ano? Quais devem ser as prioridades dos eleitos?
Para abordar o assunto, o Brasil de Fato MG entrevistou Eduardo Pereira, trabalhador da estatal, presidente licenciado do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado (Sindágua) e diretor licenciado de meio ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Minas Gerais.
Confira a entrevista:
Em Minas Gerais, as mineradoras exercem um grande poder. Como isso pode comprometer o saneamento no estado?
No curto prazo, ninguém repara o impacto da mineração nos recursos hídricos, mas ele é gigantesco. A mineração desmata e mexe com a nossa caixa d’água, o lençol freático. Quando analisamos as mineradoras ou os plantios de eucalipto, vemos que, em até 12 anos, já estão secando as nascentes que abasteciam a região. Isso pode mudar todo um ciclo hídrico.
Falando de Belo Horizonte, mais especificamente, onde fica a Serra do Curral, a situação é muito preocupante. A partir do momento em que aquela vegetação começar a sumir, e dá lugar a uma cratera gigantesca de mineração, vamos colocar em risco todo o abastecimento da capital.
Olhando além da Serra do Curral, futuramente, se acontecer um rompimento de barragem como o que ocorreu em Brumadinho, a catástrofe vai ser ainda maior. A região de Belo Horizonte é muito populosa. Isso vai além da questão do saneamento.
O próprio rompimento da barragem da Vale em Brumadinho afetou uma alternativa de abastecimento construída pela Copasa, no Sistema Paraopeba.
Sim, são consequências de algo que começou errado. Na Serra do Curral, se deixarmos isso acontecer, haverá muitos transtornos no futuro. Um deles é o possível rompimento de adutoras gigantescas. Nenhuma adutora aguenta o peso dos caminhões que transportam minério.
Na sua opinião, a Copasa deveria se posicionar contra esses empreendimentos?
Com certeza, mas nós temos um governo estadual que prometeu privatizar a Copasa e qualquer coisa que tenha relação com recursos hídricos, para ele, não importa. Em uma entrevista, Zema disse: “deixem o pessoal que entende falar sobre a Serra”. Então, ele nunca vai orientar a diretoria a manifestar-se contra um empreendimento na Serra do Curral.
O governo deveria se manifestar, a Copasa deveria ter um laudo técnico mostrando que esse empreendimento leva riscos ao abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas temos um governo que foi eleito contra o meio ambiente, a água e as políticas públicas.
Uma das promessas de Zema era a privatização de estatais. Agora, ele chega ao fim do mandato sem cumprir essa promessa e com dificuldades de aprovar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. A ameaça de privatização está afastada?
Podemos comemorar vitórias parciais. Criou-se um passivo trabalhista muito grande, que dificultou qualquer andamento de privatização. Em segundo lugar, temos contratos de programas com 629 dos 853 municípios. Para privatizar a Copasa, teriam que rever os contratos com todos os municípios. Embora Zema diga que os municípios podem rever os contratos, isso não pode acontecer.
Porém, o governo tenta buscar todas as brechas possíveis, foi uma promessa dele de campanha. Nós, que trabalhamos no setor e temos mais conhecimento que o governo, sabemos que a Copasa é eficiente. Em 2020, ela apresentou um resultado de 816 milhões e distribuiu em dividendos para acionistas mais de R$ 1 bilhão. Em 2021, ela apresentou resultado de mais de R$ 500 milhões. E o estado não colocou investimentos. Pelo contrário, é a Copasa que injeta dinheiro nos cofres do estado.
Qual seria o impacto da privatização do saneamento na vida dos mineiros?
Quem não tem informação fica muito preso ao discurso do governo ou de um deputado que diz que, se privatizar, vai haver concorrência e vai ser melhor. Só que eles não fazem uma avaliação do cenário nacional do saneamento.
Se você analisar o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), vai constatar que a Copasa, em Minas, a Sabesp, em São Paulo, e a Sanepar, no Paraná, são as três melhores no país. Esses três estados são os mais bem saneados do país e as empresas são públicas.
Há na Agenda 2030 da ONU a meta de levar o saneamento para todos. A Copasa já vem trabalhando para tentar cumprir essa meta. E não seria necessário o novo Marco Legal do Saneamento para isso.
O que atrasa esse processo é que o Estado prioriza os investidores privados e esquece o investimento público. A distribuição de dividendos, proporcionalmente, é maior que o investimento no próprio setor.
Hoje, a Copasa trabalha com subsídio cruzado. Pensemos na desigualdade que há entre os 853 municípios mineiros, em que a maioria tem um IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] médio e baixo. Esses municípios recebem a mesma água tratada, a mesma tarifa, a mesma qualidade. Isso só é possível com empresa pública, com subsídio cruzado.
Quais deveriam ser as prioridades dos candidatos que vão se eleger em 2022?
A primeira coisa que vamos cobrar do governo do estado é acabar com os cortes de água, com a suspensão do fornecimento. Para ser contra o corte, temos que ter uma empresa pública. A Copasa, por ser pública, deveria ter um programa proibindo cortar o abastecimento de água de qualquer cliente. Deveria garantir um fornecimento mínimo, por exemplo, de 3 mil litros, para o cidadão fazer comida, lavar roupa, tomar banho.
Em segundo lugar, as metas estabelecidas para chegar à universalização do saneamento até 2030 têm que ser cumpridas. Ninguém discute o saneamento, ninguém se preocupa com a qualidade da água. Eu quero discutir saneamento, fazer políticas públicas que incluam a população de baixa renda.
Recentemente, em uma audiência pública em Nova Lima, moradores de um bairro carente estavam reclamando porque havia dificuldades no atendimento nas agências e o abastecimento de água estava intermitente. Por que só o pessoal de baixa renda foi reclamar?
Porque a direção que está aí não vê esses lugares como prioridade. Você não vai ver um buraco mal feito no centro da cidade, água faltar por mais de um dia nos bairros mais ricos. Então, corrigir as desigualdades no saneamento tem que estar na ordem do dia.
Fonte: Brasil de Fato MG, por Wallace Oliveira