Dois mandatos ‘horizontais’ na conservadora Câmara de Vereadores de BH acendem debate sobre democracia para os dias de hoje
Dando continuidade ao debate sobre as novas formas de fazer política que despontam no Brasil e no mundo, o Sindieletro ouve lideranças das ações horizontais em Belo Horizonte.
Apesar de 2016 ter sido um ano de retrocesso para a democracia e de descrença na política tradicional, registramos duas luminosas vitórias femininas de esquerda nas eleições da capital. Em janeiro a cientista política e militante dos movimentos de ocupação urbana, Áurea Carolina tomou posse como a vereadora mais votada de Belo Horizonte, com 17.420 votos. Também tomou posse Cida Falabella, artista e militante dos coletivos de cultura.
As duas representantes da primavera feminina de BH participam de coletivos que defendem novas formas de participação popular. Elas participam defendem debates mais profundos sobre gênero reconhecendo que “as masculinidades e feminilidades não são assunto da natureza, mas dizem respeito às relações de poder”.
Em entrevista jornal do Sindieletro, “Chave Geral”, Áurea Carolina, afrimou que radicalizar a democracia é, sem dúvida, o grande desafio do país no momento e explica como pretende manter o espírito da horizontalidade no legislativo municipal. “Eu não acredito que iremos transformar a Câmara da noite para o dia, mas podemos oferecer à população, com nossos mandados, a possibilidade da participação na construção coletiva da cidade”.
Em seu mandato, a vereadora pretende “experimentar formatos novos de coletividade como rodas de conversa, assembleias e consultas pela internet”. Áurea acredita que “oferecer e efetivar experiências de democracia participativa e criar os processos para consolidar um mandato aberto e coletivo demandará um trabalho intenso e constante, sobretudo porque são poucos os modelos disponíveis dessa forma de fazer política”.
Cida Falabella anuncia um mandato coletivo e aberto para estabelecer canais diretos de participação e acompanhamento popular por meio de “imersões e oficinas com a cidade, momentos potentes de trocas de ideias e sugestões”. Como se darão essas ideias, na prática, o tempo irá dizer.
Movimento sindical também em evolução
O que essas novas experiências de representação política podem contribuir para a organização sindical? Na opinião do assessor de Formação do Sindieletro, José Luiz Fazzi, o grande desafio nas organizações da classe trabalhadora é horizontalizar e aprofundar a democracia. “Essa experiência deve se dar no dia a dia das instituições – fundamentalmente nos processos de tomada de decisões - e envolver suas diretorias e os trabalhadores por elas representados”, explica.
Para o doutor em Educação, é necessário que o movimento sindical crie - de forma horizontal- novas regras para o exercício do poder. “Essas práticas se darão, por exemplo, quando as diretorias adotarem radicalmente a premissa de que a informação e o conhecimento devem circular livremente, sem restrição de qualquer forma. Nesse caso, não somente as informações fluiriam como também as possíveis e diferentes análises sobre elas. Aí está o desafio: abrir mão desse poder(da informação e conhecimento)”.
Fazzi aponta essa democratização como o primeiro passo para se criar novas e ousadas formas de se tomar decisões nas organizações dos trabalhadores. Para o assessor, todo esse processo exigirá uma grande maturidade política e mesmo pessoal de todos aqueles que nele se envolverem, mas valerá apena. “O Brasil atual está carente dessas ousadias e criatividades, para que se geste uma outra política, mais transparente, voltada de fato para a Pólis – a cidade, o mundo e nosso Brasil.Sonhar é possível! Realizar este sonho uma decisão política”.
Escolha direta
Do debate com trabalhadores surgem boas ideias para ampliar a democracia na organização sindical. O eletricista de linhas e redes do São Gabriel, Heron Raimund Lima, sugere- para tornar a representação da nossa categoria mais democrática - inovar, por exemplo, na composição das chapas para eleições para os conselhos da Forluz e Cemig Saúde.
“Devemos ir à origem, na base, ver se tem trabalhador interessado em nos representar nesses espaços, com condição técnica, com credibilidade e alinhado com a luta da classe trabalhadora para ser nosso candidato”, explica.
O nome indicado pelos colegas seria, segundo o ex-diretor do Sindieletro, apresentado para compor a chapa que disputará a eleição. “Essa seria uma forma diferente de representação e de construção de nomes a partir da base e não do Conselho Deliberativo do Sindicato”, explica Heron.
O eletricitário acredita que na base tem gente boa o que é preciso é sensibilidade para despertar esses trabalhadores para a participação em novos espaços.
Experiência democrática
Em 1996, quando houve mandato tampão no Sindieletro, os eletricitários da Cidade Industrial viveram uma experiência de democracia semelhante à que Heron sugere. O eletricista automotivo Jair Gomes Pereira Filho e mais dois eletricitários com militância nos locais de trabalho tiveram os nomes indicados para compor a direção provisória do Sindicato.
Após reunião aberta, debate e assembléia, “sobrou para mim e não saí mais do nosso sindicato”, brinca Jair. O trabalhador entrou para a Cemig como contratado em 1986 e foi efetivado em 1988, após luta importante do Sindicato.
O eletricista, que já tinha identificação com a luta dos eletricitários, ajudava a mobilizar os colegas nas greves e acredita que participou de uma experiência histórica para a organização dos eletricitários. “Essa é a democracia na sua essência, ter um colega com a confiança da base indicado para ser diretor com todo o respaldo para atuar. Vim para o Sindicato porque fui demandado e não por projeto pessoal e fiquei. Espero não sair tão cedo”, diz Jair.