Pela primeira vez em quase 200 anos, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tem em suas cadeiras mulheres negras ocupando cargos legislativos. No entanto, duas, das três parlamentares eleitas no último pleito, foram vítimas de ataques racistas e ameaças de morte.
Os ataques mais recorrentes são dirigidos à deputada estadual Andréia de Jesus (PT) que, desde o fim do ano passado, tem sido alvo de ameaças de morte. As agressões começaram após a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da ALMG cobrar uma investigação sobre uma operação policial em Varginha, no Sul de Minas, que culminou na morte de 26 pessoas.
Desde então, a parlamentar contabiliza que foi vítima de mais de 3,5 mil ameaças. Como medida de proteção, ela estava sendo atendida por uma escolta policial solicitada pela presidência da Assembleia após protestos de políticos e representantes de direitos humanos.
Despreparo do Estado
No entanto, em março deste ano a proteção foi suspensa pela Polícia Militar (PM) que, de acordo com a deputada, alega que não há motivo para manter a medida. “Não é exceção. É um protocolo que já tinha sido adotado pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG durante o mandato do deputado Durval Ângelo”, explica.
De acordo com a deputada, a Polícia Militar concluiu que o autor das ameaças não mora no Brasil e por isso a proteção seria suspensa. No entanto, as investigações da Polícia Civil apontam outro desfecho. “A PM deu para gente um prazo de 15 dias para apresentar uma contraprova ao relatório deles. Eu tenho que provar que sou mesmo vítima, isso por si só já é uma violação de direitos”, questiona.
Na avaliação de Robson Sávio, presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos, o ataque não é somente contra a figura da parlamentar, mas, sobretudo, contra a democracia. “Mais do que nunca é fundamental que o Estado garanta a todos os grupos e seus representantes vez e voz em todas as instâncias, só assim podemos pensar em democracia”, pontua.
Após a suspensão da escolta, além de Andréia, a deputada estadual Leninha (PT) também passou a ser vítima de ameaça de morte. As novas denúncias estão sendo apuradas pela Polícia Federal, já que a suspeita é que os autores integram uma rede nacional de supremacistas, que atacaram outras parlamentares pelo país.
O exemplo de Marielle Franco
Em uma das ameaças recebidas por Andréia, os criminosos afirmam que o “destino da parlamentar será o mesmo que o de Marielle Franco”, vereadora do PSOL assassinada no Rio de Janeiro. Sem a proteção à deputada, a atuação do mandato à frente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG está restrita.
“Como seguirá a atuação das mulheres negras neste parlamento, que não reconhece que existe uma violência que restringe e desestimula o nosso trabalho?”, questiona. Apesar do cenário, a parlamentar destaca que o legado deixado por Marielle Franco foi de resistência e de coragem para mudar a sociedade.
Violência não pode ser hiperativo das eleições
“O ataque à Andréia é o ataque que todas nós mulheres pretas e periféricas sofremos todos os dias. Só vamos combater isso nos unindo contra essa estrutura perversa”, conclama Marisa Vieira Makota Lesyamê e integrante da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro).
Além da organização social, Andréia ressalta também que é preciso que os partidos debatam e garantam condições para que mais mulheres negras se coloquem na política. “Para mudar essa estrutura nossos corpos precisam estar nas casas legislativas e estar com segurança”, reflete.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar para comentar o caso. Mas, até o fechamento deste texto, não houve reposta.
Fonte: Brasil de Fato (MG), por Amélia Gomes