A história de Aloísio Vasconcelos está intrinsecamente ligada ao setor de energia de Minas Gerais. Nascido em Ponte Nova, na Zona da Mata, o engenheiro e ex-deputado foi diretor da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras). As duas são focos de debate de privatização no momento. Em entrevista ao Edição do Brasil, Vasconcelos fala sobre a crise energética atual e defende que privatizar a Cemig é inaceitável.
A privatização da Cemig está em pauta novamente. O senhor é a favor de privatizar o setor de energia do país?
Não sou contra a entrada de empresas estrangeiras ou de grandes grupos nacionais no segmento. Há partes discutíveis na privatização da Eletrobras que podem ser aceitas, uma vez que ela tem meia dúzia de clientes. Agora, em Minas Gerais, falar na privatização da Cemig é inaceitável. Não é bom do ponto de vista econômico, porque ela dá um lucro imenso para o estado que tem 17% das ações, este ano esse valor vai chegar a R$ 3 bilhões e isso significa R$ 510 milhões limpinhos no cofre de Minas. Da perspectiva social é uma aberração, a Cemig ajuda creches, asilos, hospitais filantrópicos, entidades de caridade e o setor agrícola no interior, além da eletrificação rural. Uma empresa privada não dá a mínima para o social. Pagou, muito bem. Não pagou, manda desligar.
A CPI da Cemig está em andamento e há parlamentares defendendo que está em curso um projeto de “sucatear para privatizar”. Qual sua avaliação sobre isso?
A CPI deve cumprir seu papel, está previsto na Constituição. Para mim, ela quer preservar a energia dos mineiros. Agora, ninguém fala tão mal, desfaz, maltrata e deprecia tanto a Cemig quanto o atual governador Romeu Zema (Novo). Ele faz isso em todos os eventos que pode. O que temos visto não condiz com as administrações que ela já teve. Hoje, a gestão é paulista, do partido Novo, dos banqueiros e dos Amoêdo. Mas, a Cemig vai superar isso e para o bem dos mineiros não deve ser privatizada. Ela tem uma história linda de 70 anos para ser vendida a preço de banana. Tem um índice de aprovação da população de quase 80%, um dos mais altos do país. Na questão política, o estado é permanente, o governo é transitório, daqui 6 meses começa o processo eleitoral e em um ano essa gestão acaba. Como pode um governo no fim do mandato querer vender a joia da Coroa? A Cemig é uma escola de formação de líderes do segmento, da qual saíram 5 ministros de Estado, assim como os maiores nomes do setor elétrico do país inteiro.
Em relação à crise energética, vivemos um dos piores momentos e a população tem sofrido com a conta de energia mais cara dos últimos anos. Esse quadro atual já estava anunciado?
O cenário é desagradável e a crise existe, mas não acredito em uma catástrofe geral. Em 2001, enfrentamos uma situação dificílima com a desvantagem de que não havia transmissão de regiões. Agora temos. No meu período, a Eletrobras realizou muitas linhas de transmissão e o sistema hoje é todo integrado de Sul a Norte, de Leste a Oeste. O segundo ponto é que o governo demorou um pouco para assimilar a gravidade da crise. No começo de abril já se enxergava que os reservatórios não estavam plenos, o volume de chuva tinha sido menor que o esperado e, portanto, providências iniciais deveriam ter sido tomadas, mas só foram feitas agora.
O governo não tomou as medidas necessárias para controlar essa situação?
No momento devido, não. Elas deveriam ter sido tomadas em março de 2021, quando já se prenunciava este cenário. Mas, das medidas realizadas, eu aprovo. Decisões sofridas, mas importantes para o momento. Entretanto, não vejo explicação razoável, do ponto de vista técnico, para o governo ter eliminado o horário de verão. É preciso esclarecer que a prática de adiantar os relógios uma hora durante os meses da primavera e do verão não é para economizar uma pequena quantidade de energia, essa taxa fica entre 3 e 4%. O grande mérito da medida é dividir os momentos de pico. O ápice do consumo acontece às 18h, horário em que o metrô está sobrecarregado, ares-condicionados são ligados, a indústria continua a todo vapor, a iluminação pública, que é um grande consumidor, é acionada. O horário de verão suaviza o sistema. Com a alteração, o metrô continua às 18h, mas a iluminação pública seria ligada às 19h, assim como os banhos e o consumo familiar.
Até quando você acredita que vamos conviver com essa conta de energia elevada?
Pelas projeções que temos do balanço energético, considerando todas as fontes energéticas e os dados de consumo disponíveis, até abril de 2022 teremos que conviver com essa economia de guerra. Mas, sem piora e racionamento. Vamos ter dificuldades, mas a engenharia tem instrumentos para manobrar, monitorar e evitar interrupções.
Em longo prazo, as energias alternativas seriam parte da solução para evitar novas crises?
Falando de futuro, a medida salvadora é construir usinas hidrelétricas. O governo não tem priorizado este setor. Bato palmas para os investimentos em ferrovias, portos e aeroportos. Mas, cadê a usina do Rio Tapajós? Do Rio Tocantins? Onde estão os recursos para energia eólica? Solar? Biomassa? As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH)? Quando fui presidente da Eletrobras, criamos o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) que deu um enorme incentivo para energia eólica e outras mais. O Brasil tem um potencial solar alucinante, biomassa também e muito vento no Nordeste e Sul, um pouco em Santa Catarina e Bahia. Tudo isso poderia ser energia, mas faltou coragem para negociar com o Meio Ambiente e aprovar, especialmente, as PCHs. Isso faz muita falta. Temos potencial para gerar mais. Quando saí, deixei o Proinfa 2 projetado porque teríamos que ter o programa a cada 2 anos.
Fonte: Edição do Brasil, por Leíse Costa