É assustador o caráter imediatista do governo golpista de Michel Temer, a velocidade com que atua para desmontar conquistas históricas da cidadania brasileira. Óbvio que os golpistas têm pressa, pois é curto o prazo que lhes resta para pagar a fatura aqueles que deram apoio e sustentação ao golpe. Afinal, não se sabe até quando irão resistir à série de denúncias que atingem diariamente o núcleo central desse (des) governo.
Cada dia fica mais claro os acordos feitos nas trevas, a trama cruel e macabra que objetivou solapar a democracia para abrir caminho para o cometimento de uma série de crueldades contra os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
No rol dos ataques, está a acelerada tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP 268/2016), em análise na Câmara, que altera as regras atuais de funcionamento dos conselhos dos fundos de pensão para avançar de forma absolutamente inaceitável sobre os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras ao eliminar a possibilidade de paridade entre a representação dos patrocinadores e participantes nos diversos órgãos estatutários dos fundos de pensão patrocinados por empresas públicas e privadas.
Essa mudança representa um verdadeiro retrocesso em uma luta de mais de 30 anos pela garantia de um modelo de representação mais democrático, o que foi conquistado em 2001, quando foi garantido, em lei, a paridade nos conselhos fiscais e deliberativos dos fundos de pensão. A composição dos conselhos, além de ser um avanço democrático indiscutível, gerou resultados concretos, a exemplo, do aumento da transparência do sistema.
Esse modelo de gestão compartilhada dos Fundos foi conquistado exatamente após a grande ingerência exercida pelos governos de FHC nos fundos. Não podemos esquecer que parte do tão citado déficit dos fundos de pensão é herança desse período, quando os mesmos tiveram seus recursos utilizados para financiar o amplo processo de desmonte do Estado por meio das privatizações.
A então Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, foi privatizada com recursos dos fundos de pensão. Esses fundos ficaram comprometidos em não se desfazer das ações da Vale por um prazo de 20 anos. Ou seja, recursos que deveriam garantir a aposentadoria digna de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, foram investidos em bolsas de valores, estando sujeitos por um longo período de carência ao humor do mercado de ações, a uma série de variações especulativas.
Novamente, o governo golpista de Michel Temer quer se apoderar de cerca de R$ 700 bilhões dos fundos para abrir uma nova rodada de privatizações no País. Para concretizar esse intento, é preciso retirar a representação paritária dos trabalhadores e trabalhadoras para diminuir seu poder de decisão sobre os fundos, objetivo central do PLP em questão.
A nova composição que estão propondo é esdrúxula e reduz a representação dos participantes e assistidos de metade para um terço e, ao mesmo tempo, reserva um terço das vagas nos conselhos e órgãos deliberativos das entidades para representantes do mercado.
É aí que mora o perigo!
O projeto cria a figura dos conselheiros deliberativos e fiscais "independentes", ou seja, profissionais de notória especialização escolhidos por meio de processo seletivo conduzido por uma empresa especializada e contratada especificamente para esse fim.
Cabem aqui alguns questionamentos sobre a pretensa "independência" desses conselheiros.
Quem elegerá os representantes do mercado? Como serão escolhidos? Quem contratará a empresa? As patrocinadoras, ou seja, o próprio governo fará a escolha, criando uma ambiência para aqueles que disputam com as entidades fechadas de previdência privada - os fundos de previdência abertos de grandes bancos privados e do sistema financeiro - passem a reger e dirigir os fundos de pensão, a ter poder de decisão sobre recursos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Essa proposta é demasiadamente temerária, uma vez que esses conselheiros "independentes" serão avaliados periodicamente, terão que apresentar e cumprir um plano de metas. Com isso, podem colocar em risco a saúde financeira dos fundos.
Estamos falando da inclusão de representantes do mercado na direção dos fundos de pensão, em uma clara tentativa de transferir para bancos e seguradores os recursos dos participantes. São mais de 3 milhões e 600 mil participantes que poderão ser golpeados com essa proposta.
O que constatamos na CPI dos Fundos de Pensão - que investigou os maiores fundos de pensão do País – é que os fundos menos democráticos são exatamente os que carregam mais problemas. Ao se dizer que existe uma racionalidade autônoma no mercado, o que se pretende é apenas negar ou mascarar a realidade.
É conhecido o exemplo da POSTALIS, o qual fez a opção de entregar sua administração para o mercado e esse mesmo mercado - que dizem ser fundamental - trocou R$ 250 milhões de títulos da dívida do Brasil pela dívida da Venezuela, o que o levou a um rombo astronômico. Devido a isso, há uma série de processos contra os gestores da POSTALIS, o fundo de pensão dos Correios.
Já a PREVI, que tem um sistema de governança avançado não só de paridade, mas também onde não há voto de qualidade, os conselheiros têm de convencer seus pares para a tomada de decisões estratégicas.
Portanto, está mais do que provado que um modelo de governança democrático dos fundos é fundamental para o estabelecimento do controle, da transparência e da segurança na utilização racional e estratégica dos recursos.
A gestão dos fundos deve ser feita diretamente por meio de seus órgãos e conselhos internos, constituídos paritariamente por representantes dos participantes e das patrocinadoras, sem voto de qualidade e sem a interferência de representantes do mercado, que não têm compromisso com os fundos de pensão, mas apenas com as instituições - financeiras ou não- as quais estejam vinculados.
Não é aceitável que esse governo ilegítimo e corrupto queira de forma deliberada diminuir a participação dos verdadeiros donos dos recursos, de trabalhadores e trabalhadoras para submeter o destino da previdência social a interesses meramente financeiros e de mercado.
Não mexam nos fundos de pensão, não coloquem as mãos nos recursos que são dos trabalhadores e das patrocinadoras. Não permitiremos retrocessos.
Por Erika Kokay, bancária e psicóloga. Deputada federal pelo PT-DF, é vice-líder do PT na Câmara