Neste 8 de março, as mulheres de 46 países chamam uma greve internacional contra a persistente desigualdade de gênero na história da humanidade sob o lema “Ni uma Menos” (Nenhuma a menos). No Brasil, pouco a celebrar, depois do golpe que derrubou a primeira presidenta eleita e de um incremento vergonhoso na violência contra a mulher. Aqui, a luta é pela democracia e contra a reforma previdenciária do governo Temer, que penaliza as mulheres com a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, sem distinção de gênero. Tratar com igualdade os desiguais é um tributo à desigualdade. Marchas estão programadas em 21 capitais e outras 40 grandes cidades.
No Congresso Nacional, deputadas e senadoras se juntam com as funcionárias para fazer piquetes, tuitaço e um apitaço em solidariedade às que não puderam se ausentar do trabalho para participar. Um dia oxigenado naquela Casa cada vez mais soturna. No final da tarde, elas descem a rampa para se integrarem à marcha que terá descido a Esplanada dos Ministérios. – Estamos sintonizadas com a luta internacional das mulheres e mobilizadas contra esta reforma previdenciária que atinge principalmente as mulheres. Nosso grito será “aposentadoria fica, Temer sai” – diz a líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann.
Mas é claro que a greve das parlamentares não impedirá qualquer votação, se assim quiser a maioria governista e masculina. Embora as mulheres representem mais de 53% do eleitorado, não ocupam mais do que 10% das cadeiras nas duas Casas do Congresso. A sub-representação de gênero no Brasil é uma das mais escandalosas do mundo. Para corrigir isso, só com a fixação de cotas de cadeiras (e não de candidatas, mecanismo que não funcionou porque a caciquia masculina sempre fingiu cumprir a regra) e com financiamento público de campanhas. Agora que sabemos mais sobre como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil, está claro que as mulheres jamais concorrerão em pé de igualdade com candidatos homens que têm suas campanhas irrigadas pelo grande conluio da corrupção.
A queda de Dilma foi uma grande derrota para a democracia e também para as mulheres. Jamais saberemos o quanto foi reforçada, com a tragédia que o golpe vem trazendo ao Brasil, a resistência a votar em mulheres. Dilma foi derrubada por uma coalizão que juntou interesses internacionais (barrar o Brasil que despontava como potência) e domésticos (forças conservadoras da política, da economia, do Judiciário e da mídia), e também pela cultura machista. Não é preciso gostar dela para reconhecer que, enquanto governou, Dilma enfrentou uma implicância diária pelo fato de ser mulher. Contra ela foram lançados velhos estereótipos, como o de que mulher no poder precisa ser autoritária para ter autoridade, ou o de que por qualquer palha uma mulher se descontrola. Como se os homens no poder fossem todos meigos, disse ela certa vez.
Da derrota política com a derrubada de Dilma advêm outros tropeços para as mulheres brasileiras de hoje, a começar pela perda de direitos com a reforma previdenciária. O governo Temer disse a que veio, em matéria de gênero, com aquela primeira fotografia oficial de um ministério composto só por homens, e homens brancos (e ricos). Depois vieram uns remendos que não elidem o fato de nenhuma política inclusiva ou inovadora ter sido proposta ou implementada nesta área. Mas foi com a reforma previdenciária que o governo escancarou sua insensibilidade de gênero. Ela atinge todas as mulheres e em particular a mulher camponesa e a professora do ensino fundamental. Exigir que todas as mulheres se aposentem com a mesma idade mínima que os homens, 65 anos, só faria sentido numa sociedade que já tivesse superado as gritantes diferenças entre os dois gêneros. As mulheres continuam ganhando menos que os homens pelo mesmo trabalho e continuam respondendo por uma dupla jornada de trabalho. Uma em cada quatro são chefes de família, criando os filhos sozinhas. Com ou sem marido, além de trabalhar para compor a renda da família, continuam cuidando da casa e dos filhos, o que lhes acarreta, segundo a OIT, uma carga horária de, pelo menos, mais cinco horas semanais de trabalho. A biologia também cobra seu preço, com o desgaste maior imposto pela tarefa reprodutiva. Tudo isso, em matéria previdenciária, tinha como única compensação os cinco anos a menos na hora de se aposentar, que agora a reforma previdenciária de Temer quer garfar. E isso se torna ainda mais grave se levado em conta o fato de que a maioria das mulheres só consegue se aposentar por idade, nunca por tempo de contribuição. Algumas só começam a ter emprego formal mais tarde, por conta da vida familiar, outras são obrigadas a fazer pausas nos vínculos trabalhistas para atender a situações domésticas diversas.
As trabalhadoras no campo são extremamente penalizadas. A reforma acaba com o regime especial que lhes garante aposentadoria aos 55 anos, desde que provado o trabalho rural por 15 anos, no mínimo. Agora terão que contribuir para o INSS como autônomas por no mínimo 25 anos. Muitas vão morrer sem se aposentar. A professora do ensino fundamental perde o direito de se aposentar cinco anos antes, para compensar a labuta diária no emprego mal remunerado de educar crianças. Quem aguentará isso por 49 anos para ter uma aposentadoria integral?
A violência que aumenta
A violência contra as mulheres aumentou e isso deve ter alguma coisa a ver com o espírito destes tempos de intolerância, ódio e desrespeito ao outro. À outra, principalmente. No primeiro semestre do ano passado, o semestre do golpe, segundo dados do Disque 180, os casos denunciados cresceram 133% em relação ao primeiro semestre de 2015. Foram mais de 58 mil ocorrências registradas com base na Lei Maria da Penha. Os casos de estupro tiveram um crescimento de 147%, com média de 13 registros por dia.
A roda da História, que anda girando para trás em tudo no Brasil, gerou um quadro piorado de sua cultura de violência e machismo. No ranking mundial de países onde se mata mais mulheres, o Brasil ocupa o quinto lugar. A média de assassinatos é de 13 por dia, as vítimas têm entre 15 e 29 anos, e o algoz quase sempre é o marido, namorado ou companheiro, além de outros familiares. Na grande maioria, elas são negras e pobres. Sempre foi duro ser mulher no Brasil mas está ficando pior. Mais que nunca é preciso lutar.