A morte da menina Ágatha Félix, de oito anos, na sexta-feira (20), no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, não se trata de um caso isolado. Segundo um levantamento da plataforma Fogo Cruzado, em 2019, outras dezesseis crianças já foram vitimadas diretamente pela violência armada no estado, cinco morreram.
Testemunhas afirmam que a bala que atingiu a menina Ágatha partiu da polícia. A corporação nega e afirma que houve confronto e troca.
Os números da letalidade policial no Rio de Janeiro são alarmantes. A polícia fluminense matou ao menos 5 pessoas por dia, somente em agosto, os dados foram divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) na última quinta-feira (19).
A pesquisadora Daniela Fichino, da Organização de Direitos Humanos Justiça Global, avalia que o cenário de violência tem se intensificado no estado.
Para ela, a morte da menina Ágatha, assim como a de outras vítimas de confrontos armados, especialmente em comunidades pobres, são consequência de uma política de extermínio da juventude negra implementada pelo governo de Wilson Witzel (PSC).
“Essa é uma característica que a gente vê se exacerbar nesses meses do governo Witzel, o que mostra que o governador está empenhado em implementar suas propostas de campanha, de ‘mirar na cabecinha”, disse a pesquisadora em entrevista à Rádio Brasil de Fato, nesta segunda-feira (23).
“É o aprofundamento de uma política genocida. E, nesse sentido, é um a política de Estado e de extermínio da juventude negra”, afirmou.
Outro ponto destacado pela pesquisadora é o da desmilitarização das polícias. Ela diz se tratar de um problema estrutural, que “está na gênese” da corporação e que afeta não somente a população, mas também os próprios agentes de segurança. Ela cita o aumento dos casos de suicídio entre esses profissionais.
A 13ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado neste mês de setembro apontou que 104 policiais tiraram a própria vida em 2018 — número maior do que o de policias mortos durante o horário de trabalho. Os casos em confrontos com o crime somam 87.
“É uma polícia que foi treinada para o extermínio. Começar a mudar é um percurso histórico, que ainda demorará muito. Mas o debate da desmilitarização da polícia é central para que a gente pense também na vida desses agentes”, pontua.
O sepultamento de Ágatha Felix foi realizado neste domingo (22) em clima de revolta e grande comoção. Ainda no sábado (21), um dia após o ocorrido, a hashtag #ACulpaÉDoWitzel se tornou um dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter.
O governador, porém, se pronunciou sobre o caso somente na tarde desta segunda-feira. Em coletiva de imprensa, Witzel lamentou a morte da menina, culpou o crime organizado e disse que pediu celeridade nas investigações. O presidente Jair Bolsonaro (PSL), até o momento, não se pronunciou.
Daniela Fichino classifica a postura dos governantes em relação às manifestações como “vergonhosa e ao mesmo tempo eloquente”.
“Para eles, que são figuras tão presentes nas redes sociais, sobretudo no Twitter, dizer apenas protocolarmente que lamenta a morte da menina é mais uma evidência de que a atuação desse governo não é em prol da vida. É um governo de morte, que está voltando sua área de segurança pública para o extermínio”, acrescenta.
Investigações
Seis policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Fazendinha, que estavam no local onde Ágatha Félix foi baleada, na sexta-feira, depuseram na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) na segunda-feira. dia 23.
A Polícia Civil também realizou perícia na kombi onde a menina estava no momento em que foi atingida.
Mobilização
Na cidade de São Paulo, entidades do movimento negro planejam para a próxima sexta-feira (27), um ato em protesto contra o assassinato de Ágatha.
A manifestação está programada para ocorrer a partir das 18h, na Avenida Paulista, em frente ao vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP). A data foi escolhida por ser o sétimo dia do assassinato da criança.
Fonte: Brasil de Fato