Quem matou Marielle? A pergunta, sem resposta há quase um ano, se tornou slogan e palavra de ordem, mas ainda parece pouco para intensificar as investigações da barbárie.
Liderança que atuava em muitas frentes, é difícil especificar quais seriam os motivos de sua execução. Reduzir a uma ou duas pautas, no entanto, poderia ser simplista demais. O mais certo é que a mescla de lutas dentro da questão dos Direitos Humanos tenha incomodado demais.
Marielle Franco foi uma mulher negra, da favela da Maré, formada em Sociologia pela PUC-Rio e mestre em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua dis- sertação de mestrado teve como tema: “UPP: a redução da favela a três letras”. Em 2016, foi eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro pelo PSOL, com votação expressiva. Por lá, defendia a pauta dos Direitos Humanos e foi presidente da Comissão da Mulher, além de relatora da Comissão Representativa da Câmara Municipal do Rio, com objetivo de fiscalizar a Intervenção Federal nas comunidades.
Temas que tratavam de racismo, machismo, feminicídio, lesbofobia e segurança pública sempre estavam na pauta da vereadora. No entanto, sua história de lutas foi interrompida aos 38 anos, no dia 14 de março de 2018, quando Marielle foi assassinada durante um atentado no Centro do Rio de Janeiro. O carro em que estava com seu motorista, Anderson Pedro Gomes, também assassinado, foi atingido por 13 tiros.
Essa poderia ser mais uma página do genocídio negro ou mais uma estatística de feminicídio, mas foi muito mais que isso: com a sua militância pelos direitos das minorias, Marielle se tornou a semente de um movimento que não para de crescer. Seus pilares de vida ecoam até os dias de hoje, quase um ano depois do crime que a vitimou e segue sem solução.
Lá se vão 365 dias após o assassinato sem que absolutamente nenhuma resposta concreta fosse entregue à família, aos amigos e à sociedade. Entre casos emblemáticos que envolvem militantes de causas sociais, como os assassinatos de Dorothy Stang (resolvido em 54 dias) de Patrícia Acioli (74 dias), o de Marielle já é, de longe, o que segue estacionado há mais tempo.
Muitas versões já foram levantadas e alguns suspeitos apontados: milicianos, um deputado do PHS e três do MDB do Rio. Entre idas e vindas da investigação, a federalização do crime foi demandada, a Polícia Civil do RJ dispensou a ajuda da Polícia Federal e a equipe de investigação foi substituída. A forte suspeita de que agentes estatais estejam envolvidos, pelo grau de profissionalismo da execução e pela arma utilizada – uma submetralhadora HK MP5, manuseada por forças policiais de elite – só dificulta, ainda mais, a transparência das informações.
O clamor da sociedade é justo, é urgente e é humano: precisamos saber quem matou Marielle e quais foram suas motivações. É sobre ser negro, é sobre ser favelado, é sobre ser LGBT e é sobre ser mulher na política. E todos devemos nos importar com isso.
"Marielle, me uno a ti”
Numa noite de sábado do mês de fevereiro deste ano, a ativista pelos direitos humanos, Sabrina Bittencourt, deu seu adeus após anos de lutas contra o abuso de mulheres e crianças. Conhecida por denunciar escândalos sexuais, Sabrina jogou luz sobre o abuso da fé de mulheres praticado por João de Deus e pelo guru Sri Prem Baba.
Qual a semelhança entre os dois casos? A busca pela cura culminando em abusos cruéis. Após anos de perseguições e ameaças, se mudando quase mensalmente para garantir a sua sobrevivência, Sabrina sucumbiu e deixou o recado: está junto, agora, de outra grande militante de direitos humanos (Marielle Franco).
A reflexão que fica é a noção de que quem puxa o gatilho tem, por trás, a pressão de uma engrenagem bem articulada para calar a voz das mulheres. Mal sabiam, no entanto, que nos multiplicamos a cada perda. A voz da liberdade ecoa para sempre! Sabrina, presente!