"Marielle fazia política com força e simpatia", relembram mulheres negras inspiradas por ela



Mulher, negra, favelada, política, mãe: essas são algumas características utilizadas para descrever Marielle Franco e são também os adjetivos que ela tanto se orgulhava. A vereadora que mudou a forma de fazer política no Brasil foi assassinada em 14 de março de 2018, o crime tentou apagar sua potência, mas ao invés disso tornou Marielle gigante e eterna.

Símbolo da luta pelos direitos humanos e defensora de mais mulheres negras na política, seus ideais e lutas seguem vivos através de outras mulheres negras que têm Marielle como referência.

A advogada e atual Diretora Executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, acredita que “Marielle foi e segue sendo inspiração para mulheres negras ocuparem espaços de poder, tomada de decisão e seguirem disputando a política institucional”.

Lígia explica que a força da vereadora é tão grande mesmo após cinco anos de seu assassinato que uma das ferramentas de luta utilizadas no Instituto é a “Agenda Marielle Franco”. “Essa agenda foi inicialmente lançada em 2020, e ela é basicamente uma ferramenta de garantia de compromisso político dos parlamentares progressistas com as pautas e as práticas que a Mari adotava no exercício do seu mandato”, diz.

Além disso, Lígia conta que a forma de fazer política de Marielle “sempre com muita paciência, compromisso, força, simpatia, ouvindo o que as pessoas precisavam e realmente indo a fundo para ajudar” é um de seus maiores legados.

“Ter uma pessoa como Marielle dentro de um espaço como a Câmara Municipal no Rio de Janeiro, que em particular é uma cidade partida. Essa cidade muito atravessada pelos poderes paralelos, atravessada pelo cruzamento entre poder econômico e crime organizado, existem tantas complexidades na forma como se estabelecem os poderes aqui, vê-la sendo eleita e como a vereadora mais votada naquele ano é muito emocionante porque isso mostra que ela conseguiu romper barreira e furar bolhas e eu acho que a Mari de alguma maneira nos deu muitas pistas sobre como a gente pode trabalhar para continuar rompendo essas barreiras”, diz a advogada.

"Todos que já morreram para eu estar aqui"

Já Mônica Cunha, atual vereadora pelo mesmo partido que Marielle, o Psol, e companheira na jornada de luta pelos direitos humanos começou sua carreira política por insistência de Marielle que sempre dizia que “a política precisava de mais mulheres como Mônica”. A vereadora se emociona ao relembrar uma de suas conversas.

“Quando eu olho pra esse mandato que foi construído há mais de 20 anos e ele é uma composição de pessoas da sociedade, de pretos que todos os dias andam por aí, é um mandato antirracista, então eu sei que de onde ela estiver isso dá muito orgulho pra ela, porque ela me pediu um dia. Hoje eu vejo como foi difícil para ela aqui dentro ser enxergada por esses homens brancos, ser enxergada por todos. Eu digo sempre que não decepcionar as pessoas vivas não é tão difícil, mas eu não posso decepcionar quem já morreu, todos que já morreram para eu estar aqui”, conta Mônica com lágrimas nos olhos.

Mônica conheceu Marielle quando a procurou pedindo ajuda para conseguir justiça para seu filho Rafael Cunha, morto por policiais, desde então as duas se tornaram amigas e iniciaram uma parceria de luta por direitos humanos, em especial na resistência contra a violência do estado.

“A gente viveu aquela tragédia absurda no dia 14 de março e todas nós começamos a fazer retrospectivas das nossas vidas e começamos a olhar quem éramos nós dentro dessa política que movia o país. O que nós, de fato, enquanto mulheres negras estávamos fazendo para uma mudança. Se nós tivermos uma quantidade de verdade que pressione na hora das nossas leis, se a gente puder movimentar essas casas e entrar de bonde, a gente vai conseguir com mais expertise, com mais relevância ter nossos projetos de leis aprovados”, diz.

Para a presidente da Associação de Moradores do “Complexo Faz Quem Quer”, em Rocha Miranda, zona Norte do Rio de Janeiro, Luciane Costa, Marielle mostrou que é possível para as mulheres periféricas e faveladas decidir os rumos do que as afeta.

“Em cada comunidade tem uma Marielle buscando ativamente garantir os direitos daquele lugar, aqui na minha comunidade a referência é a força, são as mulheres se encorajando através da luta que ela teve, as mulheres lésbicas se encorajando também, saindo do armário e se mostrando como elas são, exigindo serem respeitadas, as mulheres líderes exigindo não serem interrompidas, Marielle é um símbolo gigantesco que eu acredito que esteja dentro de todas as pautas e falas do nosso dia a dia”, finaliza Luciane.

As sementes de Marielle

Marielle Franco cresceu no Complexo de Favelas da Maré, na zona Norte do Rio. Após perder uma amiga vítima de confronto entre policiais e bandidos, deu início a sua militância, sempre em prol dos direitos humanos, principalmente das mulheres negras e faveladas como ela.

Sua trajetória como vereadora durou apenas um ano e meio, mas foi o suficiente para mudar o perfil da política tradicionalmente ocupada pela elite e transformar em realidade algo que parecia tão distante para mulheres como ela.

Cinco, dos sete projetos de lei propostos por Marielle foram aprovados na Câmara Municipal, em uma plenária em homenagem a vereadora depois de sua morte. Seu nome se tornou símbolo de resistência e luta.

Lígia Batista fala da importância de contar a história para as próximas gerações, para que todos saibam quem foi Marielle e que “ela mostrou que nós mulheres negras somos as únicas capazes de fazer a diferença para nós”.

“A gente tem percebido que há uma crescente na ocupação de expressões da Marielle em espaços públicos, desde intervenções artísticas até nomes de ruas, de praças, escolas, prédios públicos e isso é muito importante porque temos uma cultura de escolher uma parte da história pra ser contada quando a gente fala de viver a cidade. Então, a gente tem a possibilidade de despertar interesses das pessoas conhecerem essa história importante, não só para a cidade do Rio de Janeiro, mas para o mundo”, finaliza.

Por Jéssica Rodrigues, Brasil de Fato | Rio de Janeiro

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