Mariana Félix: Slam é uma ferramenta para a democratização da leitura



Mariana Félix: Slam é uma ferramenta para a democratização da leitura

No programa SUB40, do Opera Mundi, o jornalista Breno Altman entrevistou a escritora e poeta formadora do projeto Slam Interescolar Mariana Félix.

Ela contou que quis ser escritora desde pequena, mas via a literatura e, sobretudo, a poesia, como coisas distantes, de linguagens rebuscadas. Em 2014, quando conheceu os slams e os saraus, “ressignifiquei minha relação com a literatura”.

Os slams são batalhas de poesia dos quais qualquer um que possua três poemas autorais de até três minutos cada pode participar gratuitamente. Eles acontecem na rua, “a maioria nas quebradas”. Não é permitido usar nenhum instrumento, objeto, cenário ou fantasia, “é só você, seu corpo e a palavra”.

Os poetas são avaliados por um júri popular, escolhido aleatoriamente entre aqueles que estão assistindo — também de forma gratuita —, recebendo notas de zero a dez e, ao final da batalha, sai um campeão ou campeã. Os prêmios variam, mas em geral são livros, conforme explicou Félix.

Ela falou sobre seu aprendizado com o slam: “Me deu a noção de que sou uma pessoa, noção de luta de classe, de feminismo, me fez me enxergar pela primeira vez como uma pessoa preta. As poesias têm três minutos então têm muito conteúdo. A poesia é uma ferramenta. Quando eu cheguei, havia poucas mulheres, hoje elas tomaram a cena de assalto. Eu não li grandes feministas, mas aprendi sobre feminismo na rua”.

A escritora reforçou que o slam faz com que os participantes entendam de política sem que pareça ser uma conversa sobre política, estimula a cidadania, e argumentou que essa expressão literária, típica da periferia, é importante para a democratização da leitura “e para combater o analfabetismo funcional, porque existe um déficit de compreensão de texto, um déficit em se expressar por escrito com coerência”.

Slam Interescolar

Assim, o slam, além de seus livros — que ela escreve e vende de forma totalmente independente —, é o outro foco da vida profissional de Félix, uma das dez poetas formadoras do projeto Slam Interescolar.

O projeto consiste em montar batalhas de slam em escolas públicas da periferia. Há um encontro inicial com os alunos para explicar a dinâmica, e um segundo encontro que é o slam em si, assistido por todo colégio.

“A recepção dos estudantes é extraordinária. Os professores e diretores nos dizem que a escola muda quando entra o slam. Os jovens começam a colocar na mesa bullying, racismo, machismo e isso muda o ambiente escolar. Além de que os estudantes se sentem protagonistas das próprias histórias, se sentem valorizados. Quando alguém te ouve em silêncio, você sente que é importante, e isso é muito significativo principalmente no ambiente da periferia”, destacou.

Ela afirmou que o projeto não tem tanto sucesso em escolas particulares. Existiram algumas tentativas, mas os adolescentes acabam sendo censurados ou tolhidos pelos pais, “há um controle sobre o conteúdo que escrevem”. Mas, “tudo bem”, ponderou a escritora, “é uma expressão cultural da periferia de qualquer forma”.

O slam e a esquerda

Félix também refletiu sobre as formas como o slam poderia contribuir para a luta da esquerda, e apontou para o aspecto da comunicação, “em que a esquerda sempre peca”.

“A esquerda, quando se expressa, principalmente quando é uma esquerda intelectual, não se utiliza de ferramentas objetivas, usa termos academicistas que uma população com precariedades não tem condições de entender. Acho que o slam traz essa comunicação mais direta sem deixar de ser lírico. O slam é lindo porque é simples”, reforçou.

Diante de um possível novo governo de esquerda, a escritora ainda discorreu sobre a necessidade de novas políticas culturais. Ela frisou a importância de eleger um governo de esquerda em São Paulo, especificamente, para a implementação formal do slam nas grades extracurriculares das escolas públicas e aumentar a quantidade de editais de financiamento para projetos literários, como o Slam Interescolar — “isso causaria um impacto importante para diminuir o analfabetismo funcional”.

Fonte: Opera Mundi

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