A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na última sexta-feira (22) pelo IBGE, mostra que mulheres, pardos e negros ainda são a maioria da população brasileira. Mas, de acordo com o censo da consultoria Gestão Kairós, a porcentagem de mulheres negras no quadro geral das empresas é de somente 8,9%, em um contingente de 32% de mulheres. Já em cargos de gerência e acima, o cenário é ainda mais desafiador, com apenas 3% de mulheres negras em uma população de 25% de mulheres líderes.
A professora Najara Costa, que em 2020 concorreu ao cargo de prefeita na cidade de Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, avalia que são discrepantes as oportunidades que homens e mulheres têm, principalmente para as mulheres negras. O que é ainda pior na política, na qual a representatividade feminina negra ainda é muito pequena.
“Das poucas mulheres que estão na política, muitas delas são filhas de algum político, ou esposas de algum político. A gente tem uma política ainda muito coronelista que é estruturada dessa forma. E são pouquíssimas as mulheres representadas na política, como são poucas as pessoas negras que estão na gerência das empresas ou são CEOs. São poucas também as pessoas negras que são médicos e que chegam até determinados patamares e determinadas carreiras”, avalia a professora.
Racismo
“E quando a gente vai pensar essa exclusão e fazer uma análise interseccional, que é analisar a questão de raça, gênero ou classe, as mulheres negras estão na base da nossa pirâmide social. São as mulheres excluídas, precarizadas, trabalhadoras que em sua maioria ficam desempregada com mais facilidade e enfrentam uma questão de salário indigno. As mulheres negras, estatisticamente, ganham de um terço a um quarto dos salários que ganham os homens brancos. Em uma sociedade que é racista e machista isso é muito explicado nesse modelo de sociedade que precisamos mudar”, adverte Najara.
Fundadora e CEO da Gestão Kairó, Liliane Rocha observa que, no campo da política institucional, essa desigualdade vem do racismo estrutural que faz com que os eleitores não escolham candidatas e candidatos negros. “A principal questão, em particular no campo político, é o racismo estrutural e os vieses inconscientes, porque quem que vota? Homens votam, mulheres votam, brancos votam, negros votam. Se as mulheres são 52% da população e negros 56%, as mulheres negras são 29% da população. Então, ninguém está votando em mulheres negras”, contesta a executiva.
Protestos nesta segunda
Esse cenário de desigualdades múltiplas faz parte da denúncia que vai às ruas nesta segunda-feira, 25 de julho, em que se celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela e o Dia Internacional da Mulher Negra-Latino Americana e Caribenha. Após dois anos de atos virtuais, por conta da pandemia de covid-19, a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo confirmou ato de rua, às 17h30, na Praça da República, no centro de São Paulo. A manifestação levanta a bandeira “nem fome, nem tiro, nem cadeia, nem covid, parem de nos matar”.
Em Belém também ocorre, a partir das 17h, da escadinha da Estação das Docas, a 7ª Marcha das Mulheres Negras. A edição deste ano traz como mote a luta por justiça ambiental e racial das mulheres negras amazônidas. A previsão é que o protesto siga até o Quilombo da República. Com o tema “mulheres negras no poder, construindo o bem viver”, a marcha também está confirmada em Salvador. O ato começa às 14h na Praça da Piedade, no centro histórico da capital baiana.
O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi criado em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas, que ocorreu em Santo Domingo, República Dominicana. Foi a partir da realização desse evento que a Organização das Nações Unidas (ONU), e outras instituições, passaram a assumir a responsabilidade de pautar questões de raça e gênero em suas estratégias. Já Tereza de Benguela entrou para a história como um símbolo da resistência feminina negra contra a colonização. Ela foi rainha e líder do quilombo Quariterê, no Mato Grosso, em meados do século 18.
Voto consciente
As manifestações neste 25 de julho também chamam atenção para a importância do voto consciente neste ano eleitoral. A fundadora da Gestão Kairó avalia que são muitas questões que precisam mudar para que a mulher negra tenha as mesmas oportunidades que as mulheres brancas e os homens, como o acesso à educação. Segundo ela, esse caminho pode começar a ser trilhado ainda neste ano nas urnas. “Ampliar e assegurar o acesso de pessoas negras e mulheres às universidades ditas tradicionais de primeira linha, portanto, as universidades federais. E por isso a importância de ações de cotas por exemplo, como essa que tivemos de 2012 a 2022, para impulsionar um letramento e uma educação massiva no Brasil para diversidade e inclusão desde o ensino de base”, defende Liliane.
“E aí considerando escolas públicas e particulares, até as universidades para que as pessoas cheguem no mercado de trabalho já com esse letramento e essa visão de sociedade. Um marco civilizatório compreendendo o que são os direitos humanos, diversidade e inclusão. E o que é no Brasil a nossa constituição cidadã, qual a nossa representatividade da constituição cidadã nas nossas vidas e o incentivo real para que todos sejam iguais perante a lei. Para que a gente esse ano exerça uma visão de diversidade na democracia brasileira, precisamos saber que nosso voto consciente faz toda a diferença”, conclui a executiva.
Por Larissa Bohrer | Rádio Brasil Atual