O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba anunciou no último dia 14 a decisão de não participar do Programa Mais Médicos no Brasil. A comunicação foi feita à diretora da Organização Panamericana de Saúde (Opas) e a líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam a iniciativa.
A saída, informam os cubanos em nota (leia abaixo, na íntegra), se deve a ataques feitos pelo presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro. “Com referências diretas, malvadas e ameaçadoras à presença dos nossos médicos, [Bolsonaro] tem declarado e reiterado que irá modificar termos e condições do programa, com desrespeito à Organização Panamericana de Saúde e ao combinado por esta com Cuba, ao questionar a preparação dos nossos médicos e condicionar a sua permanência no programa à revalidação do título e como única via a contratação individual.”
Bolsonaro se manifestou por meio das redes sociais. “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou.”
As modificações anunciadas pelo presidente eleito, segundo a nota, foram consideradas inadmissíveis para a permanência dos médicos cubanos e descumprem garantias acordadas desde o início do programa, ratificadas em 2016 com a renegociação do Acordos de Cooperações entre a Organização Pan-Americana da Saúde e os Ministérios da Saúde do Brasil e de Cuba.
De acordo com o governo cubano, cerca de 20 mil colaboradores do país atenderam 113,3 milhões de pacientes (113.359.000) em mais de 3.600 municípios durante os cinco anos do programa, "chegando a ser atingidos por eles um universo de 60 milhões de brasileiros, constituindo 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história".
Mais de mil municípios ficarão sem assistência
Levantamento feito pelo Ministério da Saúde (MS) do Brasil, divulgado em 2016, aponta que o Mais Médicos, em municípios com até 10 mil habitantes, é responsável por 48% das equipes de Atenção Básica. E, no caso de 1.100 municípios, representa 100% da cobertura de Atenção Básica.
A avaliação da população sobre o programa também é positiva. Pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) identificou 95% dos usuários satisfeitos ou muito satisfeitos com a atuação dos profissionais do Mais Médicos. Desses, 85% afirmaram que a qualidade do atendimento melhorou; 87% que o médico é mais atencioso, e 82% que a consulta agora resolve melhor seus problemas de saúde.
O ex-ministro da Saúde e deputado federal eleito, Alexandre Padilha (PT-SP), lamentou a saída dos cubanos do programa que ajudou a criar no Brasil. “Depois de reiteradas agressões feitas pelo presidente eleito Bolsonaro em relação à qualidade e formação dos médicos cubanos e em relação à Opas, que é o braço da Organização Mundial da Saúde para as Américas, o Ministério da Saúde de Cuba resolveu formalizar sua retirada”, lamentou em vídeo nas redes sociais, explicando o significado da saída de milhares de profissionais que estão atendendo nos sertões, na Amazônia brasileira, nas periferias das grandes cidades, na maioria dos casos em áreas mais vulneráveis.
“Data triste para a saúde pública brasileira e para a política externa do Brasil. É isso que pode acontecer quando se coloca o espírito da guerra, da ideologização do conflito na frente dos interesses, sobretudo do povo brasileiro, do povo que mais sofre e mais precisa. Dia triste provocado por uma ação despreparada por uma ação conflituosa do atual presidente eleito do nosso país”, declarou o ex-ministro.
Presidenciáveis lamentam saída
Para a ex-candidata do PCdoB à vice-presidência da República na chapa com Fernando Haddad (PT), a deputada estadual Manuela D’Ávila (RS), o fim da participação dos médicos cubanos no Mais Médicos é uma primeira tragédia da ideologização e da loucura persecutória contra a esquerda que está em curso no Brasil. “Perdem as famílias mais pobres, as crianças que necessitam, a velhice desamparada. São mais de 30 milhões de brasileiros que ficarão sem médicos.”
Guilherme Boulos, candidato à presidência da República pelo Psol, também se manifestou nas redes sociais. “Após declarações irresponsáveis de Bolsonaro, Cuba anunciou hoje o retorno dos médicos que atuam no Brasil. Cada vez que abre a boca, o presidente eleito causa um incidente internacional. Desta vez quem vai pagar o preço é o povo mais pobre que se beneficiou com o Mais Médicos.”
Leia íntegra do comunicado do governo de Cuba
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, lançando mão de referências diretas, depreciativas e ameaçando a presença de nossos médicos nesse país, disse e reiterou que vai modificar os termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito para a Organização Pan-Americana da Saúde
O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios de solidariedade e humanistas que nortearam a cooperação médica cubana por 55 anos, está envolvido desde a sua criação, em agosto de 2013, no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, na época presidenta da República Federativa do Brasil, tinha o nobre propósito de garantir atendimento médico para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal da saúde, promovida pela Organização Mundial da Saúde.
Esse programa previu a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para trabalharem em áreas pobres e remotas daquele país.
A participação cubana na mesma é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de vagas não cobertas por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades.
Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113,3 milhões de pacientes (113.359.000) em mais de 3.600 municípios, chegando a ser atingidos por eles um universo de 60 milhões de brasileiros, constituindo 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.
O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza, nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, estaduais e municipais daquele país e pela sua população, que concedeu 95% de aceitação, segundo um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.
Em 27 de setembro de 2016, o Ministério da Saúde Pública, em uma declaração oficial, informou perto da data de expiração do contrato e em meio dos eventos em torno do golpe de Estado legislativo. Judiciário contra a presidenta Dilma Rousseff que Cuba «continuaria participando do acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que fossem mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais», o que foi respeitado até agora.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçando a presença de nossos médicos, disse e reiterou que vai modificar os termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito para a Organização Pan-Americana da Saúde e o que foi acordado por ela com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única forma a contratação individual.
As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e descumprem as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas em 2016 com a renegociação do Acordo de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil e o Acordo de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença dos profissionais cubanos no Programa.
Portanto, perante esta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e assim foi comunicado ao diretor da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.
Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600.000 missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400.000 trabalhadores da saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. Destaque para as façanhas da luta contra o Ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias «Henry Reeve» no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.
Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35.613 profissionais de saúde de 138 países foram capacitados gratuitamente, como expressão de nossa solidariedade e vocação internacionalista.
Aos colaboradores lhes foi mantido, em todos os momentos, seu posto de trabalho e 100% do seu salário em Cuba, com todo o trabalho e garantias sociais, tal como aos outros funcionários do Sistema Nacional de Saúde.
A experiência do Programa Mais Médicos para o Brasil e a participação cubana no mesmo demonstram que um programa de cooperação Sul-Sul pode ser estruturado, sob os auspícios da Organização Pan-Americana da Saúde para promover seus objetivos em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas na cooperação triangular e na implementação da Agenda 2030 com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Os povos da nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.
O povo brasileiro, que fez do programa Mais Médicos uma conquista social, que teve confiança desde o início nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que eles o atenderam, e será capaz de entender sobre quem recai a responsabilidade que nossos médicos não possam continuar fornecendo sua contribuição de solidariedade naquele país.
Havana, 14 de novembro de 2018
Fonte: CUT