O maior acontecimento nas ruas na última eleição foi o ato #EleNão convocado por mulheres contra Jair Bolsonaro. Diante de pesquisas sobre o tipo de conservadorismo bolsonarista, baseado na defesa da família tradicional, é possível que aquelas manifestações tenham na verdade ajudado o ex-capitão. O mau humor feminino com ele no governo não mudou, no entanto, é maior do que a média e dará as caras em Brasília.
Em 14 de agosto, haverá a 6a Marcha das Margaridas, passeata na Esplanada dos Ministérios organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). A entidade espera 100 mil mulheres. Paralelamente, haverá uma jornada específica de mulheres indígenas, algo inédito, para a qual se estima a presença de duas mil, as quais se juntarão às margaridas dia 14.
As margaridas marcham a cada quatro anos desde 2000, e neste ano não houve nem haverá entrega de reivindicações ao governo. Elas acham inútil, como na época da primeira passeata, tempos de um neoliberalismo que hoje é praticado em doses cavalares pelo ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes. “É um momento gravíssimo de retrocessos para a classe trabalhadora, não vemos nenhum sentido em entregar uma pauta a esse governo”, diz a coordenadora-geral da marcha, a piauiense Maria José Morais, de 36 anos, secretária de mulheres da Contag.
Durante a marcha, as margaridas vão defender mais terra, água e agroecologia para si e suas famílias, entre outras coisas. E condenar o sucateamento de escolas públicas rurais, o feminicídio e a reforma da Previdência. Recém aprovada pelos deputados e agora nas mãos dos senadores, a reforma, destinada a dificultar o acesso dos trabalhadores à aposentadoria, libera o INSS a pagar pensões por morte, em geral recebidas por mulheres, de valor inferior a um salário mínimo.
Até o fim de agosto, o governo tem de enviar ao Congresso o orçamento de 2020, e a tendência é que pela primeira vez em 15 anos não haja reajuste real do salário mínimo. O esboço orçamento de 2020, a chamada LDO, prevê apenas reposição da inflação. O mínimo é uma referência salarial no mercado de trabalho e mais ainda no pagamento de empregadas domésticas, por exemplo.
A Marcha das Margaridas acontece sempre perto de 12 de agosto. É a data do assassinato da líder camponesa Margarida Maria Alves, uma paraibana executada com tiro de escopeta no rosto em 1983, aos 50 anos, por encomenda de usineiros de cana cansados de tomar processos na Justiça por causa dela.
Neste ano, será encorpada por uma jornada específica de mulheres indígenas. Esta vai sexta-feira 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, até a terça-feira 13. A exemplo das margaridas, não levarão pauta ao governo, por acharem inútil. Querem basicamente a volta da demarcação de reservas, algo que Bolsonaro, defensor de garimpeiros, fazendeiros e madeireiros, não admite.
Em junho, o presidente degolou o chefe da Funai, um general contrário ao desmonte do órgão responsável pelas demarcações. E já tentou duas vezes tirar a Funai do Ministério da Justiça e botá-la na pasta da Agricultura, sonho dos ruralistas. A primeira tentativa esbarrou no Congresso. A segunda, no Supremo Tribunal Federal (STF), em um julgamento de 10 a zero dia 2.
Essa marcha foi idealizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade que até aqui tem conseguido impedir o governo de acabar com a Secretaria de Saúde Indígena, repartição do ministério da Saúde dedicada aos 900 mil indígenas brasileiros. Em julho, a Secretaria foi invadida em um protesto pelo fim da verba destinada ao transporte de pacientes da região sul. Detalhe: o órgão é comandado por uma indígena afinada com o presidente, Silvia Waiãpi.
A marcha das mulheres indígenas será numericamente modesta, cerca de 2 mil pessoas, mas ambiciosa. “Nosso objetivo é reafirmar essa resistência indígena como inimigo número 1 do governo Bolsonaro e fortalecer as mulheres como protagonistas”, diz a maranhense Sonia Guajajara, de 50 anos, líder da Apib. O mau humor feminino com Bolsonaro é de maior do que a média. Entre as mulheres, a aprovação ao governo é de 29%, ante 33% no geral, enquanto a desaprovação é de 37%, quatro pontos acima da média, dados de uma pesquisa de julho do Datafolha.
Levantamentos de intenção de voto na campanha já mostravam uma bronca feminina maior com o ex-capitão, o que reduziu a margem de vitória dele. Dos 147 milhões de eleitores, as mulheres eram 52%, 7,5 milhões a mais do que os homens. Presidente do PCdoB, partido de oposição, e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, engenheira de 53 anos, avalia que a indisposição feminina com Bolsonaro resulta do “rebaixamento das mulheres em vários sentidos” praticado por ele ao longo de sete mandatos de deputado.
Com ele no poder, afirma Luciana, as mulheres “não se sentem protegidas” de violência doméstica, por exemplo, vide a tentativa de facilitar presidencial o porte e a posse de armas, uma promessa de campanha feita sob medida para o núcleo duro do bolsonarismo, os valentões. Para Luciana, “o bolsonarismo é uma força real, mas encolheu, e as manifestações de rua contaram para esse desgaste”. Em algum momento, diz, haverá reação de outras forças políticas.
Carta Capital