Mais brasileiros voltam a passar fome



Mais brasileiros voltam a passar fome

No governo do desprezo com as questões sociais aumenta a fome, a miséria e até a venda de produtos de segunda, como o arroz quebrado e o feijão bandinha, em épocas normais destinados, na maioria das vezes, à alimentação animal, e o povo chega a fazer fila para pegar ossos que um açougue ia jogar fora.

Diversas pesquisas mostram que 55,2% da população brasileira não comem as três refeições diárias necessárias; que em cinco anos subiu de 10 milhões para 19 milhões, o número de brasileiros passando fome, sem nenhuma refeição, e que de 4,2%  (2013) subiu para 9% (2020), o índice dos que não têm o que comer.

Esse é o resultado das medidas perversas do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), que acabou com o Conselho de Segurança Alimentar Nutricional (Consea), criado em 1993, extinto dois anos depois, e recriado por Lula em 2003, assim que assumiu a presidência da República, em 2019.

Bolsonaro ainda continuou o desmonte das políticas públicas importantes que atendiam aos mais vulneráveis, iniciado por Michel Temer (MDB-SP), logo após o golpe de 2016.

Esses desmontes, mais do que a pandemia da Covid-19, são os responsáveis pela situação de miséria da população mais vulnerável, avaliam a ex-ministra de Combate à Fome, Tereza Campello, o ex-presidente do Consea, Francisco Menezes, e o diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) , Mário Artemio Urchei.

Os três reforçam que o alto índice de desemprego, que atinge 14,7% da população, a manutenção do mesmo valor do Bolsa Família, a alta da inflação, especialmente dos alimentos e a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 150, em média, são, mais do que a pandemia, responsáveis pelo aumento da fome durante o governo Bolsonaro.

“A pandemia sozinha não causou o crescimento da fome, ela só aumentou a gravidade do que já vinha ocorrendo, com o desmonte de políticas públicas”, diz Menezes.

Tereza Campello reforça que o problema está nos governos posteriores aos do PT. Para ela, fome é resultado do agravamento do desemprego, que já havia piorado antes da pandemia.

“Em janeiro de 2020 já eram 11 milhões de desempregados, a economia já tinha estagnado, já existia o desmonte do Consea, do SUS, da assistência social, e a população ainda ficou três meses sem o auxílio emergencial”, diz Tereza.

A afirmação da ex-ministra é comprovada por pesquisas que mostram que desde o governo do golpista Michel Temer até hoje, a fome e a insegurança alimentar leve e moderada no país só aumentaram.

A pesquisa “Orçamento Familiares, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, que abrangeu os anos do governo Temer, de 2017/2018, mas publicada somente em 2020, mostra que comparando com 2013, a insegurança alimentar leve teve um aumento de 62,2%. Entre 2013 e 2018, houve aumento das prevalências dos graus mais severos. A insegurança alimentar moderada subiu 76,1% e a mais grave (fome), 43,7%. A pesquisa é feita a cada cinco anos, e por isso compara o ano de 2013 com 2018. 

Outra pesquisa mais recente, feita no ano passado, com a mesma metodologia do IBGE, mostra que no governo Bolsonaro a fome também avançou. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional ( Penssan), feita pelo Instituto Vox Populi, mostra que mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar leve, moderada ou grave.

Do total de 211,7 milhões de pessoas, 116,8 milhões estão nesta situação. Destes, 43,4 milhões não contavam com alimentos em quantidade suficiente para atender suas necessidades ( moderada ou  grave). Tiveram que conviver e enfrentar a fome, 19 milhões de brasileiros.

Segundo Francisco Menezes, a última pesquisa é importante porque abrange o ano de 2020, da pandemia, e o período em que o governo reduziu o valor do auxílio emergencial.

“Se considerarmos as três modalidades de insegurança alimentar: leve, moderada e grave, mais da metade da população brasileira está em situação de insegurança alimentar, e esses índices devem aumentar quando for pesquisado o ano de 2021, diz Francisco Menezes.

Medidas de combate à fome

A ex-ministra Tereza Campello ressalta que não é pedindo donativos que a fome vai desaparecer. São as políticas públicas que precisam ser retomadas. Para ela, a caridade, a filantropia e a solidariedade são importantes, mas o nível de drama por que o país passa, essas atitudes são insuficientes.

“Ninguém consegue com solidariedade enfrentar esta dimensão, não resolve nem 10% do problema. A fome atinge mais brasileiros do que a população da Argentina inteira. Quando se fala em insegurança alimentar estamos falando de crianças que passam fome e quem não come o suficiente passa fome também”.

Para ela, só com politicas públicas emergenciais, como a retomada do auxílio em R$ 600, bandeira também defendida pela CUT, e ações da alimentação escolar, com a retomada da aquisição de alimentos e outras políticas estruturais, a fome poderá ser reduzida.

“O governo além de reduzir o valor, excluiu 29 milhões de pessoas do auxílio emergencial. A economia não retomou para que tanta gente fosse retirada do programa”, critica Campello, ao lembrar que caiu de 68 milhões para 39 milhões,  o número de pessoas que recebem o auxílio emergencial.

O controle dos preços dos alimentos básicos como o arroz e o feijão e a entrega de alimentos nas escolas são defendidos por Francisco Menezes,  como forma de atenuar a fome dos brasileiros.

“Estão vendendo arroz e feijão quebrados, as escolas deixaram de fornecer alimentação para as crianças. É preciso que essas crianças voltem a ser atendidas com comida. Dar um voucher para a mãe não resolve porque ela não vai conseguir comprar no mercadinho perto da casa dela, o mesmo tipo de alimentação que a escola oferece”, defende Menezes.

Fome leva brasileiros a comprar arroz quebradinho e o feijão bandinha

A compra do arroz quebradinho e do feijão bandinha (também quebrado), como são conhecidos esses produtos de segunda linha sempre existiu, mas agora com a disparada dos preços dos alimentos e a crise econômica,  agravada pela pandemia, se tornou evidente, diz o diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) e pesquisador da Embrapa, Mário Artemio Urchei.

Ele explica que o valor nutricional desses alimentos é o mesmo dos demais, mas que o aumento da venda desses produtos que são destinados, na maioria das vezes, à alimentação animal, mostra a que ponto chegou a  exclusão e a concentração de renda no Brasil.

Segundo o dirigente, isto é resultado da concentração de terra, da falta de políticas para a reforma agrária, de recursos para a agricultura familiar, que não é o agronegócio.

“A agricultura familiar está sem apoio, sem crédito, os recursos do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]caíram quase a zero. Se somarmos a isto às queimadas no Pantanal e o desmatamento da Amazônia e as consequências climáticas dos ataques ao meio ambiente, teremos um futuro ainda incerto”, diz Mário.

O diretor do Sinpaf , ressalta que somente o papel da Embrapa, de pesquisas para o aumento da produção e da diminuição dos custos na agricultura não são suficientes para resolver a fome. É preciso políticas de estoques de alimentos.

“ Apesar da pesquisa na agropecuária, se não houver políticas públicas que retomem a economia, que gere empregos para os quase 15 milhões de desempregados, os seis milhões de desalentados e os 34 milhões de brasileiros na informalidade, a fome vai continuar batendo na porta".

Combate à fome era prioridade nos governos do PT

Desde que Lula assumiu, em 2003, sua prioridade foi o enfrentamento à fome, diz o ex- presidente do Consea.

Já no governo Dilma, segundo Menezes,  a dificuldade imposta por boa parte do Congresso Nacional, que já preparava o impeachment, acabou por reduzir drasticamente o orçamento, e o que se viu após o golpe foi a aprovação do Teto de Gastos Públicos que congelou até 2036 os investimentos do governo.

“Nos anos seguintes começou a crescer a pobreza e a extrema pobreza aceleradamente, e mesmo assim o governo Bolsonaro mantem o mesmo orçamento para o Bolsa Família. SE há mais pobres, mais miseráveis é preciso que cresça o orçamento do programa”, afirma o ex-presidente do Consea.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) considera como indicador do Mapa da Fome, quando 5% ou mais da população de um país vive em situação de subalimentação. O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, no governo Dilma Rousseff ( PT).

“ A FAO ainda não fez nova pesquisa sobre a fome no Brasil, mas a julgar pelos índices pesquisados pelo IBGE, posso afirmar que voltamos ao mapa da fome”, diz Francisco Menezes, que hoje atua como consultor de políticas públicas da Action AID, uma federação que congrega diversas ONGs pelo mundo.

Fonte: CUT Brasil, por Rosely Rocha, foto Agência Brasil

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